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TEORIA

1952- 2022: 70 anos da Revolução Boliviana (parte 1)

Joallan Cardim Rocha*
Revolução Boliviana
Reprodução

Um consenso unifica o imaginário social e intelectual boliviano há sete décadas, a interpretação da Revolução Nacional de 1952 como o acontecimento político mais importante da sua história ao longo do século XX. Uma espécie de momento constitutivo (1), cujas consequências e impactos marcaram a Bolívia por um longo período. As conquistas da Revolução Nacional de 1952 sobrevivem no imaginário coletivo boliviano como uma experiência radical de incursão das classes populares na vida política e nos destinos do país. 

Entretanto, as leituras acerca do seu significado ainda mobilizam abordagens e interpretações distintas, e, até mesmo, contrapostas. Apesar de reivindicada por diferentes setores sociais e atores políticos na atualidade, o legado e a memória da “Revolução Nacional de 1952” constitui um lugar de disputa política e teórica. Mas, os desafios de transformação da sociedade boliviana colocados pela “Revolução” há 70 anos mantêm-se vivos e mobilizam os projetos políticos de transformação da Bolívia nas primeiras décadas século XXI.  

Los Tiempos
IMAGEM 1 E 2 – O PRESIDENTE VÍTOR PAZ ESTENSORO JUNTO A MEMBROS DA POLÍCIA E DE UMA MILÍCIA OPERÁRIA, EM ABRIL DE 1952
AGEM 3 E 4 - MILÍCIAS OPERÁRIAS DESFILAM PELO CENTRO DE LA PAZ, BOLÍVIA (1952)La Izquerda Diario
MILÍCIAS OPERÁRIAS DESFILAM PELO CENTRO DE LA PAZ, BOLÍVIA (1952)

Os antecedentes

Os anos que antecederam a Revolução Nacional e a insurreição popular de abril de 1952 foram marcados por um acúmulo crescente de contradições, frustrações e derrotas dos setores populares na Bolívia. Durante década de 30, as elites políticas tradicionais haviam empurrado o país à uma guerra contra o Paraguai, a Guerra do Chaco (2), cujas consequências foram dramáticas para o povo boliviano. 

A guerra se estendeu por três anos […]. Para a Bolívia, a guerra significou uma grave derrota: não só perdeu milhares de homens, mas, teve 21 mil prisioneiros (repatriados depois pelos Acordos de Paz, diante do pagamento de uma indenização econômica ao governo paraguaio) e cedeu definitivamente quatro quintos dos territórios pretendidos no Chaco Boreal […]. Como consequência da guerra, o exército e os oficiais desmobilizados começaram a exercer uma ativa intervenção política no Estado boliviano, reforçada pelas novas correntes ideológicas que predominavam na Europa, sobretudo pelo nacionalismo (GALLEGO, EGGERS-BRASS, LOZANO, 2006, p.291 – 292).

Após a Guerra do Chaco, a situação econômica do país se deteriorou rapidamente com o aumento da inflação e o desabastecimento. A derrota para o Paraguai desencadeou uma crescente instabilidade política no país. Tendências nacionalistas ganharam força no interior do exército e da sociedade. Diante da fratura política e social, os militares nacionalistas assumiram a presidência do país com o objetivo de equilibrar as disputas entre as distintas frações das classes dominantes e o nascente movimento operário nas minas. Durante os governos de David Toro (3) e German Busch (4) se aprovou uma série de leis e decretos que tinham por objetivo implementar uma legislação trabalhista e sindical. A mais importante delas, foi a Lei de Sindicalização Obrigatória, que pretendia controlar e regulamentar a existência dos sindicatos a partir do Estado, “[…] ao mesmo tempo em que sancionava uma legislação dedicada a vigiar e salvaguardar a reprodução da força de trabalho(OSTRIA, 2014, p. 176). 

Em 2 de junho de 1936, durante o governo de David Toro (1935-1936), criou-se o Ministério do Trabalho e Previdência Social, cujo objetivo era, “fixar as atribuições deste Departamento concernentes à organização do trabalho e do bem-estar das classes trabalhadoras, como fatores determinantes do progresso econômico e social da nação” (BOLIVIA, 1936). O breve ciclo do nacionalismo militar terminou com o “suicídio” do general German Busch, em 23 de agosto de 1939, e o retorno ao poder da “oligarquia mineira” que impôs um caráter cada vez mais autoritário ao Estado, em detrimento do seu anterior papel como “árbitro” dos conflitos políticos e sociais. Nas eleições de 10 de março de 1940 (5) foi eleito o novo presidente, o também militar, Enrique Peñaranda, que governou a Bolívia entre 1940 e 1943. O novo governo assumiu com o apoio dos empresários mineiros e dos latifundiários. Seu programa representou um retrocesso nas conquistas trabalhistas, sociais e sindicais implementadas durante os governos nacionalistas de Toro e Busch.

 O governo aprofundou a subordinação da Bolívia aos interesses econômicos e militares dos Estados Unidos e ampliou o caráter autoritário e repressivo do Estado frente aos sindicatos. No contexto da Segunda Guerra Mundial, os trabalhadores mineiros tiveram seus salários congelados e o aumento da jornada de trabalho, o que provocou um recrudescimento da superexploração dos trabalhadores. Uma série de conflitos eclodiram por melhores condições de trabalho e salários, em distintas minas do país.

O autoritarismo estatal promovido por Peñaranda se expressou de forma implacável no “Massacre de Catavi”, em 1942. A violenta repressão aos trabalhadores mineiros do distrito de Catavi resultou na morte de aproximadamente 20 operários.  Um ano após o Massacre de Catavi, em 23 de dezembro de 1943, os militares nacionalistas com o apoio do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) (6), partido formado em 1941, a partir da confluência de profissionais liberais oriundos da pequena burguesia e das classes medias urbanas identificadas com o “nacionalismo militar” de Toro e Busch, deram um golpe de Estado. Comandado pelo militar nacionalista, Gualberto Villarroel (7), o golpe destituiu o governo de Peñaranda. Formou-se um governo nacionalista, baseado na experiência dos governos de Toro e Busch (1936-1939). 

O MNR concentrava sua influência, sobretudo, entre os setores urbanos pertencentes à pequena burguesia, os comerciantes urbanos e os profissionais liberais. Este partido aproveitou a enorme repercussão do Massacre de Catavi para denunciar duramente o governo de Peñaranda e obter uma projeção nacional, em particular nos distritos mineiros. Segundo Zavaleta (1988, p. 23), o MNR era um partido “[…] formado basicamente em torno à crítica à oligarquia mineira e aos proprietários de terras, crítica feita a partir dos setores da pequena burguesia urbana”.

Alguns anos mais tarde, em 1946, o presidente do país, Gualberto Villarroel, visto com desconfiança pelas classes dominantes e a oligarquia foi enforcado em praça pública, gerando uma comoção nacional entre os setores populares. No mesmo ano, o trabalhadores das minas organizados na Federação Sindical dos Trabalhadores Mineiros Bolivianos (FSTMB) (8) realizam um congresso extraordinário, onde aprovam a famosa Tese de Pulacayo.  O Congresso, realizado no distrito de Pulacayo, foi uma resposta política dos mineiros à contraofensiva da rosca (9) e do Estado Oligárquico, logo após a queda e o enforcamento do Presidente Villarroel, em junho de 1946. 

A Tese foi apresentada pelo sindicato mineiro de Llallagua e redigida por Guillermo Lora (1922 – 2009), dirigente do Partido Operário Revolucionário (POR) (10), de orientação trotskista.

[…] a tese afirmou que o proletariado mineiro era o portador de um projeto transformador da sociedade, do socialismo, para cujo triunfo deveria se erigir em vanguarda de todo o povo boliviano […]; a tese se constituiu na sustentação ideológica da identidade mineira, ao projetar a imagem de um proletariado em luta contra seu opressor e ao antecipar-se aos acontecimentos posteriores que o colocariam no centro das lutas sociais e o converteriam no setor mais combativo, mais radicalizado e mais capaz de contribuir para erosão do sistema oligárquico imperante ( CAJIAS DE LA VEGA, 2013, p. 208). 

A Tese reivindicava a ação revolucionária e destacava a importância da independência de classe, “em oposição aos projetos nacionalistas e reformistas”. O documento denunciava a política de colaboração de classes e destacava a necessidade da mobilização permanente dos trabalhadores contra o imperialismo norte-americano. A independência nacional e a conquista da democracia deveriam ser assumidas como parte da luta pela tomada do poder pelos operários e os camponeses. Sob a influência das ideias trotskistas (11), a Tese de Pulacayo representou um importante amadurecimento político da classe operária mineira. 

Somos soldados da luta de classes. Temos dito que a guerra contra os exploradores é uma guerra de morte. Por isso destruiremos toda tentativa colaboracionista nas fileiras operárias. O caminho da traição se abriu com as famosas “frentes populares”, ou seja, uma frente que, esquecendo a luta de classes, unia proletários, pequenos burgueses e alguns setores da mesma burguesia. A frente popular custou muitas derrotas ao proletariado internacional. A expressão mais cínica da negação da luta de classes, da entrega dos oprimidos a seus carrascos, do ponto culminante da degeneração das frentes populares é a chamada “unidade nacional”. Essa consigna burguesa tem sido lançada pela boca dos reformistas. “Unidade nacional” significa unidade dos burgueses com seus servos para poder algemar os trabalhadores. “Unidade nacional” significa a derrota dos explorados e a vitória da rosca. Não podemos falar em unidade nacional quando a nação está dividida em classes sociais empenhadas em uma guerra de morte (FSTMB, 1946). 

A Tese de Pulacayo representava a consolidação de importantes reivindicações e consignas no interior do sindicalismo mineiro como, “o armamento operário, a ação direta de massas, o controle operário das minas, a participação nas eleições nacionais com candidatos operários, a defesa intransigente do direito à sindicalização” (CAJIAS DE LA VEGA, p. 2013, p. 208). Estas demandas representavam a síntese de uma experiência acumulada ao longo das primeiras décadas do século XX, mas, também, uma reação aos métodos violentos utilizados pelos partidos oligárquicos para derrubar o governo de Gualberto Villarroel.  

Entre outros pontos, a Tese de Pulacayo demandava o controle operário nas minas, a formação das milícias armadas para enfrentar a burguesia e os grupos fascistas (12), a jornada semanal de 40 horas de trabalho, a escala móvel de salários e a independência sindical, “nosso objetivo é vencer e para isso não devemos esquecer que a burguesia conta com exército, polícia e grupos fascistas. Corresponde-nos, pois, organizar as primeiras células do exército proletário” (FSTMB, 1946). 

A partir da aprovação da Tese de Pulacayo a luta dos mineiros assumiu um caráter político ao enfrentar-se abertamente contra o Estado e o exército. O documento também legitima e impulsiona a incursão dos trabalhadores mineiros na vida político-eleitoral do país. A primeira experiência deste tipo ocorreu nas eleições gerais de 1947, quando os trabalhadores mineiros, através da FSTMB, realizaram uma aliança eleitoral com o POR (Partido Operário Revolucionário) e formaram o Bloco Mineiro Parlamentar, lançando “candidatos a deputado e senador nos distritos onde a classe operária tinha algum peso eleitoral” (LORA, 1980, p.567). Segundo Alicia Sagra (2004, p. 50-51), naquele momento, 90% da população boliviana não votava, mas, “o bloco operário ganhou nos distritos mineiros e elegeu sete parlamentares (cinco deputados e dois senadores), entre eles Juan Lechín, principal dirigente mineiro ligado ao MNR, e Guilhermo Lora, principal dirigente do POR”. 

 É neste cenário de profunda instabilidade e crises políticas recorrentes que ocorrem as eleições presidenciais de 1951. Segundo Everaldo Andrade (2007, p. 65-66) as eleições,

[…] aferiram o posicionamento político de parcela extremamente limitada da população. Seus resultados demonstraram o avançado grau de corrosão do regime, mesmo entre os estratos médios e superiores da sociedade Bolíviana. Apesar do eleitorado estreito de pouco mais de 105 mil votantes em um universo pré-estabelecido de 211 mil eleitores em 1951 e uma população que superava os 3 milhões de habitantes, o MNR, com seu candidato a presidente Victor Paz Estenssoro, conseguiu 54.049 votos contra 39.940 do PURS, 6.441 do partido Liberal e 5.170 do PIR. Os grandes centros urbanos, como La Paz, Cochabamba, Oruro e Potosí, deram expressiva vitória ao MNR […] O fato de o MNR não ter obtido maioria absoluta dos votos colocava, segundo a legislação eleitoral, a decisão final nas mãos dos parlamentares. A elite dominante, porém, não aceitava o risco de expor novamente suas fragilidades. Assim, Urriolagoitia foi afastado e o governo foi entregue a uma junta militar dirigida pelo general Hugo Ballivian, o que golpeava o resultado eleitoral. Imediatamente, o MNR, POR e outros partidos oposicionistas foram postos na ilegalidade”.

 A vitória eleitoral do líder político Víctor Paz Estensoro, principal dirigente do MNR, contra o candidato da oligarquia mineira revelava uma profunda fratura do sistema político oligárquico e das classes dominantes, cuja principal fração estava representada pelos empresários mineiros, conhecidos como os Barões do Estanho (13). Para René Zavaleta (1986, p.97-98), 

Se a oligarquia tivesse confiança no funcionamento de sua própria democracia e, em particular, em seu controle sobre o exército, teria sido viável entregar o poder ao vencedor e, contudo, bloquear juridicamente seu programa ou condicioná-lo, e inclusive, isto já é uma pura hipótese, apoiar o MNR em suas relações com os aliados perigosos, que eram os mineiros […] Preferiu, contudo, o caminho mais rotineiro de não reconhecer as eleições, entregar o poder a uma nova junta militar e, enfim, suprimir todas as alternativas democráticas. Com isso se completaram as condições subjetivas para que, menos de um ano depois, existisse a insurreição de massas de 9 de abril de 1952 (ZAVALETA, 1986, p.97-98).

A oligarquia mineira e os militares não estavam dispostas a aceitar as pequenas concessões previstas no programa do MNR aos setores populares. O golpe de Estado anulou as eleições e entregou o poder a uma junta militar. As elites não esperavam que este comportamento golpista abriria caminho para o acontecimento político mais importante da historia boliviana desde a independência do país, em 1825.

Notas  

1 Para o cientista político boliviano Luis Tapia, “Hay varios momentos constitutivos. Hay un momento constitutivo de la nación, un momento constitutivo del Estado. Se puede pensar que el momento constitutivo es aquel en el que se articula históricamente con fuerza y con novedad una forma de moldear un eje estatal, la relación entre Estado y sociedad civil. Es como un momento en el que se articula el programa de una civilización o de una época, en la medida de que se trata de una articulación de base y superestructura, del tipo de vida interna y cultura, es decir, de valores y de sentidos con los cuales se ve y experimenta las formas productivas y relaciones sociales. Según Zavaleta las sociedades mudan, a veces pasan por varios momentos constitutivos, en los que unos son reconstrucciones de los anteriores. Los momentos constitutivos más recientes no acaban borrando la historia pasada, inclusive cuando se piensa que una de las características del momento constitutivo es la situación de disponibilidad y la sustitución ideológica en situaciones de fluidez, generalmente producida en situaciones de crisis. Aquí analizo la idea de momento constitutivo como el origen histórico de una forma primordial. Se relaciona a lo que Zavaleta llamó el eje estatal. Se puede ver el momento constitutivo como un problema de la articulación entre estado y sociedad civil en los orígenes de las historias locales, como aquellos que marcan el carácter de su historia por un largo tempo” (TAPIA, 2002, p. 293). 

2 A guerra contra o Paraguai, conhecida como a Guerra do Chaco, foi a maior expressão da profunda crise na sociedade boliviana. O governo boliviano em aliança com os empresários mineiros, na tentativa de contornar a crise econômica, recorreram à guerra contra o Paraguai. O conflito durou quatro anos (1932-1935) e foi, em todos os sentidos, um marco na história boliviana. A guerra deixou um saldo de 65 mil bolivianos mortos, aprofundou os problemas econômicos e agudizou ainda mais o descontentamento popular.  Após a guerra a economia nacional e o sistema político se encontravam destroçados. O desgaste dos partidos tradicionais possibilitou que um setor nacionalista do exército assumisse a condução política do país (GALLEGO, EGGERS-BRASS, LOZANO, 2006).

David Toro (1898 – 1977) foi um militar e político boliviano. Foi o 35° presidente da Bolivia graças ao golpe de estado que encabeçou junto ao seu amigo e companheiro de armas German Busch. Governou a Bolivia entre 22 de maio de 1936 e 13 de julho de 1937.

4 German Busch (1904-1939) foi um militar e político boliviano e protagonizou o golpe de estado de 1936. Em 13 de julho de 1937 substituiu David Toro na presidência da bolivia. Suicidou-se em 23 de agosto de 1939.

5 Na Bolívia o voto universal só foi conquistado após a insurreição popular de abril de 1952. Até a eleição de 1951 o voto era restrito à uma parcela muito pequena da população. Não podiam votar os analfabetos e as mulheres (que haviam votado pela primeira vez nos anos 40, mas apenas nas eleições municipais). O conceito de cidadania era restrito, apenas aqueles que pudessem demonstrar uma renda mínima podiam votar, ou seja, uma ampla parcela da população, em particular os povos indígenas das comunidades eram excluídos da participação política. Com a Revolução de 1952 se conquistou o direito de voto (Decreto de 21 de julho de 1952) a todos os bolivianos e bolivianas maiores de 21 anos (de 18 anos, sendo casados), de qualquer instrução, ocupação ou renda. Desse modo se permitiu o acesso à participação política a mais de 70% da população, marginalizada até então do processo democrático.

6 O MNR surgiu em 1941, formado majoritariamente por estratos da classe média e setores da pequena burguesia urbana e um programa politico baseado em três objetivos centrais: a defesa dos “interesses nacionais”, a criação de uma “consciência nacional” e a realização de uma “revolução nacional”

7 O novo governo contou, desde o primeiro momento, com a colaboração do MNR, e três ministros desse partido foram designados para seu gabinete; Víctor Paz Estensoro passou a desempenhar a carteira de ministro da fazenda […]. Os dirigentes do golpe de 20 de dezembro de 1943, o realizaram aproveitando o descontentamento existente contra Peñaranda (JUSTO, 2007, p. 199). O novo governo combinava características autoritárias e nacionalistas; tinha simpatia pelo regime nazista de Hitler e num primeiro momento não foi reconhecido pelos Estados Unidos. Segundo Justo (2007), “Com o propósito de conquistar a adesão popular, o governo de Villarroel – Paz Estensoro adotou uma série de medidas particulares e, em certo modo, progressivas. Estabeleceu o Foro Sindical, o Retiro Voluntário, a Defesa dos Inquilinos; realizou o primeiro Congresso Indigenista, em maio de 1945 decretou a abolição do pongueaje ( um sistema de serviços domésticos onde os indígenas eram obrigados a prestar ao fazendeiro) e de outros serviços gratuitos promovidos pelos indígenas, assim como a obrigatoriedade do estabelecimento de escolas nas comunidades indígenas, etc., ao mesmo tempo em que se definiram as obrigações dos patrões e dos colonos […], enquanto Villarroel adotava como lema: “Não somos inimigos dos ricos, mas somos mais amigos dos pobres” (JUSTO, 2007, p. 201).

8 Na abertura do congresso de fundação da FSTMB, em 1944, estavam presentes, o Ministro do Trabalho e o presidente da República, Villarroel. O congresso, realizou-se entre os dias 10 e 13 de junho, no distrito mineiro de Huanuni, do qual participaram 19 delegações de distintos distritos. Entre as principais reivindicações aprovadas estavam: o contrato coletivo, o salário-mínimo e preços uniformes nas pulperías (mercados construídos pela empresa). A maioria dos dirigentes da FSTMB, como Juan Lechín (Secretário Geral), eram militantes ou simpatizantes do MNR. Havia também militantes do PIR (Partido da Esquerda Revolucionária), de influência estalinista e do Partido Operário Revolucionário (POR), de orientação trotskista. Em pouco tempo, a FSTMB contaria com mais de 60 mil trabalhadores mineiros filiados, tornando-se a maior entidade sindical do país. Esta organização contribuiu para superação da anterior fragmentação e segmentação corporativa dos trabalhadores mineiros, sendo um passo importante para sua incursão na vida política

9 “Os ‘Barões do Estanho’ e os proprietários de terras do altiplano, representantes de uma mineração em crise e uma agricultura baseada num sistema injusto, opressivo, ineficaz e improdutivo, compunham a base socioeconômica da “rosca”, termo boliviano que designava a oligarquia e os funcionários, políticos, juízes, jornalistas e intelectuais cúmplices dela” (HERNANDEZ, 2008, p.2).

10  Segundo Alicia Sagra, “en 1936 se funda en el exilio (en Argentina) el POR (Partido Obrero Revolucionario), que evolucionó hacia el trotskismo, y se convirtió en la sección boliviana de la Cuarta Internacional. Sus fundadores fueron Aguirre y Marof, pero tras la muerte accidental del primero y la marcha del segundo, la dirección cayó en manos de Guillermo Lora”.

11 O “programa de reivindicações transitórias” defendido na Tese de Pulacayo se baseava no Programa de Transição documento programático elaborado por Leon Trotsky para o Congresso de Fundação da Quarta Internacional, em 1938.

12  O principal grupo foi a Falange Socialista Boliviana (FSB) fundada em 15 de agosto de 1937. A FSB tinha como principal doutrina o nacionalismo boliviano ou bolivianismo.

13 O “Barões do Estanho”, como eram conhecidas as três grandes famílias (Aramayo, Patiño e Hotchild), controlavam 80% da produção de minério da Bolívia. Durante a segunda Guerra Mundial, o estanho boliviano chegou a representar 50% da produção mundial. Os Barões do Estanho, popularmente conhecidos como “A Rosca”, controlavam todos os aspectos da vida social, econômica e política do país. Em aliança com os latifundiários, possuíam os principais bancos, controlavam os jornais mais importantes, elegiam e destituíam governos, compravam políticos e presidentes. Com a Revolução Nacional de 1952, as principais empresas sob controle dos Barões do Estanho foram nacionalizadas, criando-se assim a COMIBOL (PAZ, 1980).

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* Joallan Cardim Rocha é Graduado e Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA),  Doutorando em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), professor de Sociologia do Instituto Federal da Bahia (IFBA). Morou na Bolívia entre 2007 e 2011.