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MUNDO

Com 84% dos votos apurados, resultado indica que Evo Morales enfrentará um segundo turno em dezembro

Nericilda Rocha, de Fortaleza (CE)
Agência Brasil

Evo Morales Ayma (MAS) venceu sua primeira eleição em 2005, depois em 2009 e 2014. Leva 13 anos à frente do governo, e neste domingo, 20 de outubro, enfrentou sua mais acirrada disputa eleitoral. As pesquisas sempre apontaram Evo na frente e Carlos Mesa em segundo lugar mas havia uma incógnita se Evo conseguiria votos suficientes para ganhar no primeiro turno ou se Mesa arrastaria a disputa para um segundo turno. Além disso, também estava em aberto a composição do parlamento, ou seja, se o partido de Morales seguiria com os dois terços de senadores e deputados para garantir a ampla maioria na Assembleia Plurinacional.

Resultados preliminares

Na Bolívia, para ser eleito presidente são necessários 40% dos votos e uma diferença de 10% para o segundo colocado, ou mais de 50% da votação. A apuração ainda não terminou, faltam cerca de 14% dos votos, principalmente dos interiores, mas até o momento, Evo Morales, do Movimento Ao Socialismo (MAS) obteve 45,7% e Carlos Mesa do Comunidade Cidadã (CC), uma coligação de centro direita, alcançou 37,8%, uma diferença inferior a 10%, portanto, a decisão se mantendo nesse cenário, irá para o segundo turno 15 de dezembro.

Nove candidatos concorreram ao pleito. Evo Morales (MAS), que governa o país há 13 anos, Carlos Mesa (CC), quem foi presidente entre 17 de outubro de 2003 a 9 de junho de 2005, após a renúncia do Gonzalo Sanches de Lozada (Goni), e renunciou devido as fortes mobilizações do processo revolucionário aberto em 2003. Em terceiro lugar, e como uma surpresa, ficou o coreano Chi Hyun Chung do Partido Democrata Cristão (PDC) com 8,74% dos votos. Ele é médico e pastor evangélico, um xenófobo que fez sua campanha contra o direito ao aborto e contra os homossexuais, chamado por alguns de “Bolsonaro da Bolívia”. E em quarto lugar Oscar Ortiz, senador de Santa Cruz que disputava a cadeira presidencial pela Aliança Bolívia Disse Não (BDN) obteve 4,32%. As outras cinco candidaturas estão abaixo de 3% e perderão seus registros.

Com nove candidatos fica claro que a oposição saiu dividida o que era uma vantagem para Morales. Ainda assim, 43,8% foi seu pior resultado. Em dezembro de 2005 ele ganhou com 53,7%, em dezembro de 2009 obteve um histórico 64,2% e em outubro de 2014 ganhou com 61,3%. Além disso, também pela primeira vez perdeu os dois terços na Assembleia Plurinacional. Os resultados até o momento, indicam que o MAS de Evo Morales obteve 18 senadores e o Comunidade Cidadã (CC) de Mesa, 17, e Bolívia Disse Não (BDN) de Ortiz obteve 1 senador. Já para deputados, o MAS obteve 62 deputados, CC 56, PDC do coreano 9 e BDN de Ortiz, 3. Ou seja, Evo com 66 e a oposição com 68. Evo ganhou as eleições nos cinco estados de sempre, La Paz, Cochabamba, Oruro, Potosí e Pando. E a oposição se impôs nos outros quatro, Santa Cruz, Beni, Tarija e Chuquisaca confirmando a divisão histórica do país entre oriente controlado pelas oligarquias de direita, e ocidente, controlado mais pela esquerda.

Ainda que tenha seguido vencendo nos cinco estados, o Evo Morales de 2019 sofre sua maior derrota política, e se o final da apuração, confirmar segundo turno, terá uma grande dificuldade, haja vista a tendência de unificação da oposição de direita ao redor da candidatura de Mesa. Caso o resultado final confirme não haver segundo turno, a governabilidade de Morales estará bem difícil já que não terá a ampla maioria no parlamento. O mesmo ocorrerá com Mesa caso haja segundo turno e vença, ou seja, não terá maioria no parlamento. O cenário boliviano em qualquer caso é de gigantesca polarização política.

O contexto das eleições

O que explica os resultados com 84% de apuração? Primeiro é necessário destacar que Evo é o último remanescente dos chamados governos bolivarianos ou “governos progressistas”. Aquela onda de governos de esquerda e que ascenderam ao poder após processos revolucionários de insurreições e revoltas populares que sacudiram a América Latina a partir dos anos 2000. Evo, depois de Lula, foi o de maior popularidade. Realizou algumas reformas econômicas importantes, no marco de reestatizar algumas empresas, nacionalizar o gás boliviano aumentando o valor cobrado às multinacionais que operam no país, negociou melhores preços para o país na venda do gás para Brasil e Argentina, fato que possibilitou maior arrecadação estatal e assim, a criação de políticas sociais voltadas para as crianças na escola “bônus Juancito Pinto”, o “bônus Juana Azurduy de Padilla” para as mulheres grávidas que fazem pré-natal e o “Renta Dignidad” que é voltado para as pessoas idosas com mais de 65 anos.

Assim, Evo conseguiu aliviar a pobreza, equilibrou as finanças do país na rasteira dos elevados preços das comodites, e manteve um importante equilíbrio fiscal. Apesar da crise mundial aberta em 2008, Bolívia mantém um crescimento na casa dos 4%. Além disso, realizou reformas políticas importantes (Constituinte e uma Nova Constituição que instituiu o Estado Plurinacional da Bolívia) no sentido de garantir maior espaço aos povos indígenas historicamente excluídos da vida política do país. Esses são os fatores objetivos, que explicam a força de Morales, quando os demais governos progressistas foram superados pela direita ou extrema-direita na América latina.

Os elementos de desgaste, são múltiplos. Evo se enfrentou em 2010, com os sindicatos, Central Obrera Boliviana e a população no “gasolinazo”, levante popular contra o decreto  478 de Evo que aumentava as passagens de ônibus e os combustíveis entre 100 e 150%, e que Evo teve que recuar devido as fortes mobilizações. Depois em 2011 Evo se enfrentou com os povos indígenas no caso da construção de uma carreteira no Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS). E seu maior desgaste está relacionado com o 21F em 2016.

Em 2016, o governo e seus apoiadores convocaram um referendo para modificar a Constituição aprovada em 2009, com o objetivo de alterar o artigo que impedia a reeleição a um quarto mandato. Evo perdeu esse referendo por uma margem muito pequena, 51,3% votaram pelo “não”. Apesar disso, o governo recorreu ao Tribunal Constitucional que determinou em novembro de 2017, que o limite de dois mandatos era uma espécie de violação dos direitos humanos e autorizou a nova candidatura de Evo para o pleito de 2019.

A decisão gerou acusações da oposição de que o governo estaria sendo favorecido pelo tribunal e serviu para fortalecer toda a oposição contra Morales. O argumento de que o governo estava violando a democracia passou a ser utilizado por toda a direita que estava recolhida desde a fragorosa derrota sofrida em sua fracassada tentativa de golpe em 2008.

A oposição cresceu com essa bandeira do 21F, Carlos Mesa fez sua campanha e conseguiu reunir todos os setores da direita ao seu redor nos grandes comícios que fizeram nas últimas semanas de campanha. O acirramento e uma disputa muito apertada já era visível.

Por outro lado, o MAS e Evo Morales, souberam utilizar a incipiente convulsão social e política no continente, a partir da experiência popular com o retorno da direita ao poder. A realidade da Argentina que aponta para uma possível derrota de Macri, a rebelião no Equador contra a política do FMI de Lenin Moreno, foram fortemente lembrados nos comícios de encerramento da campanha de Evo.

Lamentavelmente, os movimentos sociais e a esquerda boliviana que resistiram à politica de cooptação do governo não conseguiram construir uma saída à esquerda do MAS e Evo Morales. Até tentaram, houve inclusive a tentativa de construção de um Partido dos Trabalhadores (PT) encabeçados pelos mineiros, mas um setor da esquerda boicotou e o governo incidiu para impedir o desenvolvimento dessa iniciativa. O resultado foi a recomposição da direita e da extrema-direita, desgaste do governo e ausência de uma alternativa de independência de classe nesse processo.

Nesse cenário complexo, em que ainda faltam 16% dos votos a serem apurados, e que são dos interiores, base indiscutível de Morales, Bolívia já intensifica sua polarização. O Tribunal Regional Eleitoral retomou a apuração, Carlos Mesa já convoca seus eleitores às ruas e Morales declara está confiante que os votos que faltam, garantirão sua vantagem de 10% e assim evitará o segundo turno. Seja qual for o resultado, Bolívia vai ferver!

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