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BRASIL

Sete mitos sobre as privatizações

Baiano da Silva, de Contagem (MG)
Reprodução

O governo de Bolsonaro e principalmente o ministro da Economia, Paulo Guedes, são grandes defensores das privatizações das estatais brasileiras. Com isso, muitos trabalhadores têm passado a defender também a necessidade e importância das privatizações. Mas será que as privatizações são realmente a melhor saída para o Brasil?

Para começar é preciso entender as diferenças entre empresas estatais e privadas. As empresas privadas são as que os donos são pessoa(s) física(s) ou jurídica(s) de direito privado e tem como objetivo obter lucro. As empresas estatais são pertencentes ao estado e tem como objetivo produzir ou exercer uma atividade de interesse público que favoreça a população. 

Com as ofensivas neoliberais por parte das empresas privadas, principalmente as multinacionais, e dos governos, muitos dos conceitos e funcionamentos das estatais foram modificados e deturpados para deixar de lado o favorecimento do interesse público para passar a favorecer o mercado ou os interesses próprios dos governos de plantão.

Por isso, muitas das críticas que se tem sobre o papel que vem cumprindo as estatais estão corretas, só que estão baseadas em um funcionamento que caminha no sentido oposto do que deveria se esperar de uma empresa estatal.

Para entender melhor, vamos abordar os questionamentos que se tem sobre as empresas estatais tentando demonstrar que estas, se funcionarem de forma a atender os interesses da população, são infinitamente melhores e superiores às privadas.

 1- As estatais são ineficientes e prestam serviços ruins?

As empresas estatais tem o potencial de gerar produtos e serviços de qualidade e de baixo custo porque o interesse último é beneficiar a população. Já as empresas privadas tem como objetivo gerar lucro, mesmo que isso signifique a destruição da natureza, produtos e serviços de má qualidade e até preços altos. É verdade que existem empresas que produzem produtos e serviços de qualidade, mas na maior parte das vezes só é acessível a quem tem boas condições financeiras.

A Petrobras é a empresa que detém a melhor tecnologia do mundo em exploração de petróleo em águas profundas; a Embraer é uma das maiores produtoras de aeronaves do mundo, mesmo padrão que tinha quando era estatal; a Engesa, que produzia veículos militares, chegou a vender seus produtos para 18 países; a Imbel exportava pistolas utilizadas pelo FBI; a Vale, quando estatal, também era uma das maiores mineradoras do mundo, a CSN, quando estatal, era uma das maiores siderúrgicas do mundo, a Eletrobrás é a maior empresa de energia da America Latina. Poderíamos citar vários outros exemplos de empresas estatais brasileiras que se tornaram grandes empresas mundiais com grande importância, demonstrando a possibilidade de que estatais produzam em alta escala e com qualidade.

Se é assim, por que muitas estatais fornecem produtos e serviços ruins ou caros? Muitas vezes os correios demoram na entrega ou o preço da gasolina é alto.

Esses problemas realmente são reais e acontecem porque os sucessivos governos têm administrado as estatais não para favorecer a população, mas para favorecer o mercado, os acionistas, já que a maioria das estatais tem seu capital econômico na bolsa de valores. A Petrobras prioriza a exportação e tem sua política de preços ligada ao comércio mundial para aumentar o lucro dos investidores, quando, em primeiro lugar, deveria produzir combustível mais barato e de qualidade para os brasileiros. Os Correios e outras empresas têm uma política de sucateamento e boicote para justificar a privatização.

Para defender a privatização muita gente utiliza o exemplo de que antigamente, quando a empresa de telecomunicação era estatal, o preço para se ter um telefone era muito caro, o que é verdade. E era assim para justificar sua privatização, já que o governo da época poderia ter tido uma política de modernização e de facilitação de acesso para população, mas preferiu vender a preço de banana para as empresas multinacionais lucrarem muito e fornecerem um péssimo serviço, com preços elevados e liderando os rankings de reclamações. Ou tem alguém que acha que as empresas de telefonia, hoje privadas, fornecem serviços bons e baratos?

2- O monopólio é ruim, a concorrência é que faz os preços diminuírem?

O monopólio realmente é ruim dentro de uma lógica de comércio capitalista, onde as empresas podem por os preços lá nas alturas, para lucrar muito mais, quando não tem concorrência. Só que, como já dissemos, o caráter das empresas estatais deveria ser outro, porque elas deveriam produzir para beneficiar a população e não para obter lucro. Com isso, deveria fornecer o produto ou o serviço com preços baixos, mesmo sem concorrência, buscando sempre melhores métodos de produção.

Com as empresas estatais produzindo de acordo com o seu real propósito é quase impossível que uma empresa privada possa aplicar um preço inferior (em condições equivalentes de tecnologia, etc), uma vez que as estatais não deveriam ter como fim gerar lucros.

Além disso, temos que refletir se na atual situação do capitalismo existe realmente uma livre concorrência que abaixa os preços.

O que temos observado hoje no capitalismo é justamente o oposto. Estamos vendo, cada vez mais, uma tendência em que poucos grupos vão dominando o mercado e comprando as empresas menores, ou então, praticando políticas ofensivas de ganho de mercado que acabam levando as menores à falência.

Em 2011 pesquisadores do Instituto Federal Suíço concluíram o estudo da interligação de mais de 43 mil empresas transnacionais no mundo e concluíram que 37 grupos controlam 80% do poder corporativo e nestes 147 empresas controlam 40% da riqueza mundial demonstrando a tendência da dominação econômica por parte de poucos grandes grupos econômicos. Uma conclusão que questiona a existência da livre concorrência comprova a tendência a monopolização da economia mundial. 

Antigamente víamos em todos os ramos inúmeras empresas, hoje em dia o que vemos são grandes monopólios que atuam às vezes até como cartel. É só observarmos a quantidade de empresas que tínhamos há 20 anos atrás e quantas temos hoje nos diversos ramos da economia, como bancos, telecomunicações, alimentícios e etc.

Uma outra observação é na variação de preço praticado nos setores onde só empresas privadas atuam. Nós vemos que os preços são quase os mesmos, com pouquíssimas variações. Os planos de ligações ou pacote de dados dos celulares são muito similares. Nas redes de supermercados um ou outro produto tem variação, mas na compra geral os valores se equiparam. As taxas aplicadas pelos bancos também. Os valores dos carros novos são bem parecidos nas categorias similares. Os preços dos carros são ainda mais interessantes, já que os preços não abaixam nem mesmo em períodos de crise.

Os serviços de telefonia móvel e a banda larga, que são ligados ao setor de telecomunicações, estão entre os mais caros do mundo e os que prestam os serviços com maiores índices de reclamação. A Vale vende os minerais brutos e depois nós compramos transformado, por valores bem maiores. Com isso, podemos perceber que a privatização não garante menores preços e melhores serviços, o que poderia garantir isso seriam empresas 100% estatais atuando para beneficiar a população.

3- As estatais são fontes de corrupção?

É bem verdade que muitas estatais foram fontes para corrupção, mas se observarmos mais profundamente veremos que os escândalos de corrupção estão ligados justamente aos serviços que não são estatais e foram feitos por empresas privadas, e essas é que são as corruptoras e as fontes da corrupção.

Se todos os ramos da produção fossem estatais seria quase impossível haver corrupção dessas proporções. Por exemplo, parte da corrupção envolvendo a Petrobras estava ligada a contratos de prestação de serviços, como construção civil. Se tivéssemos uma empresa estatal de construção civil não haveria possibilidade de corrupção ou pelo menos de corrupção de valores enormes como os que aconteceram. No máximo, poderiam haver pequenos desvios que, com um órgão fiscalizador, poderiam ser evitados e combatidos.

 Mais uma vez, é um problema existente porque os governos administram o funcionamento das estatais para beneficiar as empresas privadas com contratos milionários e os seus próprios bolsos com propinas e financiamentos de campanha; logo, os governos e também as empresas se beneficiam às nossas custas.

4- Estatais são base de favorecimentos?

As estatais sempre foram utilizadas no toma lá, dá cá por todos os governos que passaram. Nos cargos de gerência e diretoria são colocados aliados políticos, membros de partidos e representantes das empresas para obter e manter apoio político e garantir políticas que agradem as empresas. 

Com altos salários, os ocupantes desses cargos é que são os responsáveis direto pela implementação da política designada pelos governos de plantão. Em muitos casos, os nomeados se quer, são especialistas ou conhecedores da área que irão gerir.

Muitos que corretamente criticam essas práticas as atribuem como inerentes às empresas estatais, só que não deveria ser assim. Na realidade, a melhor forma de escolher os membros da direção das estatais seria através da decisão dos próprios trabalhadores dessas empresas. Porque, desse modo, os escolhidos seriam aqueles que os trabalhadores julgassem ser os mais capacitados com conhecimento das empresas, que são condições básicas para geri-las. Seria uma forma também de que as empresas se orientem para beneficiar a população e não para benefício próprio dos governos, seus aliados da política ou das empresas.

5- Estatais dão prejuízo e necessitam de subsídios do governo?

De acordo com o Boletim das Empresas Estatais Federais, em 2016, o Brasil tinha 154 empresas estatais federais e hoje tem 133. Estão incluídas nesses cálculos empresas não dependentes do governo, com controle indireto da União (87); empresas com controle direto da União que são dependentes do Tesouro Nacional (18), e as que não são dependentes do Tesouro Nacional (28).  

Existem diferentes tipos de estatais com relação ao retorno para o estado. Algumas estatais geram retornos sociais e também financeiros, outras só sociais. Mesmo as que só apresentam retornos sociais ou baixos retornos financeiros são um importante investimento do governo, porque servem para fornecer produtos e serviços importantes para a população.

A Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (HEMOBRAS) é uma das empresas que sempre estão recebendo subsídios do governo, mas ela é responsável por fornecer derivados do sangue e biofármacos, ampliando o acesso da população a medicamentos essenciais para milhares de pessoas com hemofilia, imunodeficiências genéticas, cirrose, câncer, Aids, queimaduras, entre outras doenças.

Existem empresas que prestam serviços que não seriam rentáveis para as empresas privadas. Os Correios, por exemplo, atingem com seus serviços muitas cidades que têm um custo maior do que o que arrecada, mas garante os seus serviços para essa população. O seus ganhos e custos são computados nacionalmente, onde os locais mais rentáveis suprem os custos dos locais pouco rentáveis ou que geram prejuízo. As empresas privadas têm como preocupação obter lucro e não oferecer um produto ou serviço em última instância. Se os Correios fossem privatizados, dificilmente os novos donos manteriam os serviços não rentáveis ou que geram custos.

Existem outras empresas que poderiam ser rentáveis, mas os governos sucateiam e aplicam uma má administração e não disponibilizam verbas para justificar a sua privatização. Se uma empresa estatal que não tem como principal interesse dar lucro está dando prejuízo, por que alguém iria querer comprar? A Infraero poderia ser rentável se o governo quisesse e tivesse política para melhorar a empresa, assim como estão fazendo as empresas adquiriram a concessão para administrar os aeroportos. A Imbel que é uma estatal que produz armas e munições é um exemplo de sucateamento, ao invés dos governos investirem e adquirirem armas da Imbel, preferem privilegiar a compra de armas de outras empresas privadas.

As pequenas empresas estatais, sejam rentáveis ou as que precisam de aportes do governo, representam apenas 10% dos ativos totais e do patrimônio líquido das empresas estatais federais, enquanto que os conglomerados de empresas estatais federais que são Petrobras, Banco do Brasil, Caixa, BNDS e Eletrobras correspondem a 90%. 

Esses conglomerados de estatais vêm crescendo o seu valor de mercado e seu patrimônio líquido, mesmo enfrentando os últimos anos de crise econômica. De acordo com o boletim das estatais número 10 de julho de 2019: 

“As empresas estatais federais apresentaram lucro de R$ 71,8 bilhões em dez/2018, resultado 2,8 vezes maior que o do mesmo período do ano anterior (R$ 25,2 bilhões). 

A variação positiva nos resultados entre dez/2017 e dez/2018 foi de R$ 46,6 bilhões, resultante principalmente do aumento de R$ 26,3 bilhões no lucro do Grupo Petrobras e da reversão de prejuízo do Grupo Eletrobras, com impacto positivo de R$ 15,1 bilhões.

Em relação aos resultados do primeiro trimestre de 2019, os conglomerados das empresas estatais federais, na comparação com o mesmo período do ano anterior, passou de um lucro de R$ 15,6 bilhões para um lucro de R$ 24,6 bilhões (aumento de 57,5%).”

Como podemos ver, as empresas estatais federais que precisam de aporte são uma pequena minoria, demonstrando que as empresas estatais podem sim ser rentáveis e oferecer benefícios para população.

6- Abrir mão das estatais não afeta a soberania nacional?

Qualquer país para ter soberania nacional e se desenvolver economicamente precisa ter empresas nacionais fortes, desenvolvimento científico e um controle sobre suas riquezas nacionais. As grandes economias do mundo, apesar de uma relativa abertura comercial, tem grandes empresas nacionais que comandam o comércio no seu país e atuam nos outros países periféricos sugando suas riquezas econômicas e naturais. 

Desde o fim da ditadura que o Brasil vem passando por um processo de desnacionalização da economia impulsionado pelos sucessivos governos, inclusive os do PT. Uma das consequências desse processo é que o país fica mais dependente das multinacionais estrangeiras, como pudemos observar na crise econômica, que para preservar e fortalecer as suas matrizes as empresas reduziram os investimentos, demitiram em massa, e enviaram remessas de lucros para suas matrizes para enfrentar a crise. Isso fez com que a nossa economia fosse fortemente afetada por causa dessa dependência das empresas de fora.

Se a desnacionalização pode ter consequências desastrosas, se aliarmos a isso a entrega através da privatização das riquezas nacionais e setores estratégicos do país a nossa dependência e vulnerabilidade vão aumentar muito.

 Se hoje as empresas estatais, por causa da política dos governos, têm privilegiado o mercado internacional e o favorecimento às empresas de outros países, imagina se o controle for completamente dessas empresas?

O exemplo da Vale é bem emblemático. A Vale extrai o minério, vende para fora ele bruto e nós compramos o minério transformado lá fora com um valor agregado muito maior. E por que não transformamos esse minério aqui mesmo e vendemos com esse valor agregado que fortaleceria a nossa economia? 

Desde o governo Temer vemos uma política nesse sentido também com relação a política de privatização das refinarias da Petrobras. Ao colocar o refino na mão das empresas privadas multinacionais nós entregamos de mão beijada o processo que agrega mais valor ao petróleo que é o refino, criando uma dependência maior e uma subimissão maior ao preço de mercado dessas empresas que podem inclusive privilegiar a venda no mercado externo nos obrigando a importar petróleo mais caro.

O domínio e o controle das nossas riquezas naturais e dos setores estratégicos são muito importante para um país que pretende ser soberano e fornecer melhores condições de vida para a sua população.

Até mesmo a Inglaterra, o país pioneiro no “Estado Mínimo”, estuda a reestatização de setores de serviços básicos da economia como água, luz, gás e as linhas férreas, e com um apoio de mais de 70% da população britânica.

Com a manutenção e até a ampliação das estatais nós poderíamos diminuir a nossa vulnerabilidade econômica, melhorando a vida do conjunto da população.

7- Privatizar vai ajudar o país sair da crise?

O governo vem fazendo uma campanha de que com a privatização a economia vai melhorar, os preços vão baixar, os empregos vão aumentar, etc. Na realidade a tendência é outra.

Já vimos que não existe uma garantia da melhoria dos serviços e muito menos de queda do preço dos produtos e serviços com as privatizações. Além disso, normalmente os valores das vendas das estatais são baixíssimos e vão ser utilizados para pagamento da dívida externa não tendo assim nenhum retorno para movimentação da economia.

Para completar deve haver uma redução do emprego já que as empresas privadas têm uma política de superexploração dos trabalhadores com salários e condições de trabalho bem inferiores aos da maioria das estatais.

As Estatais em seu conceito devem dar boas condições de trabalho, financeira e de vida para seus funcionários, pois estes fazem parte da sociedade que ela deve beneficiar. Poucas empresas dão grandes benefícios para a maioria dos trabalhadores. A maioria paga baixos salários, dão péssimas condições de trabalho e grandes benefícios para os acionistas, gerentes e diretores. A discrepância pode ser observada por todos os lados na maioria das empresas. E mesmo aquelas que oferecem benefícios para seus trabalhadores estão ganhando infinitamente mais, por isso conseguem dar essas concessões. 

É bem verdade que as estatais a mando dos governos vêm adotando políticas ofensivas de retiradas de direitos, mas ainda não se compara com a realidade dos trabalhadores das empresas privadas.

Com a privatização a tendência é a redução dos salários e dos benefícios trabalhistas, diminuindo consequentemente o poder de compra dos trabalhadores, afetando diretamente o consumo e a economia.

Em nome de garantir o lucro das empresas de uns poucos empresários e do capital financeiro internacional, a política submissa e entreguista de Bolsonaro e Guedes vai levar o Brasil a uma vulnerabilidade e dependência econômica gigantesca, piorar as condições de trabalho, os serviços e consequentemente condição de vida da população. 

Como pode o lucro estar acima das pessoas? 

Por isso a nossa tarefa é impedir esses ataques à soberania nacional, unificando a luta das estatais e explicando pacientemente aos trabalhadores que as privatizações vão piorar ainda mais a economia e suas vidas. Dessa forma conseguiremos barrar as privatizações de Bolsonaro e Guedes buscando a implementação de uma política de fortalecimento das estatais com um funcionamento voltado para atender as necessidades da população e não ao lucro.

 

* Esse texto paz parte de um dossiê do Esquerda Online sobre as consequências das privatizações no Brasil. Acompanhe pelo site as outras publicações sobre o tema.

 

Referencias Bibliográficas:

 

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https://arxiv.org/PS_cache/arxiv/pdf/1107/1107.5728v2.pdf