Pular para o conteúdo
Colunas

O baile sem fim ou o fim do baile? A grande burguesia e o governo Bolsonaro

Felipe Demier

Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É autor, entre outros livros, de “O Longo Bonapartismo Brasileiro: um ensaio de interpretação histórica (1930-1964)” (Mauad, 2013) e “Depois do Golpe: a dialética da democracia blindada no Brasil” (Mauad, 2017).

O governo Bolsonaro sempre foi – e ainda é – uma tentativa de resolver, para a burguesia, a crise na qual a própria burguesia se enredou. Bolsonaro se propôs a salvar a grande burguesia, mas não com os homens e os métodos habituais da grande burguesia. Bolsonaro quer e sempre quis ajudá-la, mas do seu próprio jeito, à sua maneira rude e plebeia, apoiado pela mobilizada pequena-burguesia que o mitifica, por quadros cesaristas de farda e de toga, e pela lumpemburguesia que ele, ébrio pelo fausto eleitoral e um tanto inadvertidamente, alocou nos postos-chave do poder.

 

Charles Huard.

Vautrin e Rastignac

 

Como uma espécie de Rastignac tosco e tropical, cercado de arrivistas e ambiciosos de todo o tipo, penetrou nos grandes salões como se fosse o dono da festa, se esquecendo de que, na verdade, só foi aceito no baile pois os verdadeiros anfitriões o viram como o único capaz de barrar outro penetra, muito mais indesejável, com passado fabril e cheiro de povo e cachaça. Com horror aos trabalhadores e suas pingas baratas, a Casa Grande, meio eufórica, meio resignada, preferiu dançar ao som da playboyzada iletrada, e deixou mesmo que os livros de enfeite da sala servissem de apoio para os copos das vodkas absoluts dos milicianos extasiados.

Agora, enquanto a turba vai às ruas, e a senzala começa a se rebelar, a grande burguesia tenta lembrar ao inconveniente convidado que suas inconveniências estão se tornando realmente inconvenientes, e que já passou da hora de desligar o som, acabar com a festa e começar a tocar o ramerrão da plantation. O show do capital deve continuar, mas sem muito show, de preferência. Agora, Bolsonaro, aquele que biblicamente se propôs a trazer a espada e não a paz, parece perceber que a grande burguesia tem na primeira um mero meio, e na segunda, um verdadeiro fim. Sem um mínimo de paz, mesmo que a “paz sem voz” do saudoso Yuka, mesmo que a paz obtida pela espada, não pode haver tranquilidade para os negócios.

Se os ociosos asseclas de Bolsonaro, se todos esses seus espadachins mercenários, sonharam com um governo de batalhas incontinentes e estridentes, pois é disso que ociosamente vivem, a grande burguesia, de uns dias pra cá, parece, por sua vez, decidida a alertar ao desajeitado Rastignac que se o governo é, por enquanto, dele, o Estado é e sempre foi dela, e que, portanto, sentado na cadeira presidencial, convém de vez em quando ele olhar para o teto para se lembrar da espada de Dâmocles que paira sobre a sua cabeça e a de seus convivas aventureiros. Se for o caso, insinua a grande burguesia ao seu Bonaparte trapalhão, há sempre a possibilidade de alegar alguma conspiração tramada pelo “sistema” e suas “forças terríveis”, e, assim, tentar salvar a pele, a fama e alguma grana. Não seria a primeira vez, mas dessa vez pode até virar uma série do Padilha na Netflix.

Marcado como:
Governo Bolsonaro