Neste dia 15 de maio, recordamos os 70 anos da Nakba, em meio aos ataques de Israel à Marcha do Retorno, que no dia anterior mobilizou cerca de 50 mil palestinos em Gaza e teve 60 mortos e 2.400 feridos. Nabka em árabe significa “catástrofe”, em referência à expulsão de cerca de 80% da população palestina do país, com a criação de Israel. Centenas de milhares de palestinos transformados em refugiados, que, com seus descendentes, somam cinco milhões de pessoas, a maioria vivendo em precários campos em países vizinhos, a poucos quilômetros de suas terras.
Israel domina desde 1967 todo o território do que foi a Palestina Histórica e submete seus habitantes a graus variados de opressão.
É um regime de apartheid legalizado. Os palestinos que são cidadãos israelenses possuem direitos civis limitados, mas não direitos nacionais, e são discriminados duramente na distribuição de verbas, na moradia, saúde e educação. Além de estarem sob suspeita permanente de serem leais a seus irmãos que não são cidadãos.
Os 300 mil palestinos de Jerusalém Oriental, anexada por Israel após a guerra de 1967, possuem residência permanente no país, mas não são cidadãos e podem perder esse status a qualquer momento e sofrem cada vez mais um processo de “israelização” ou “judaização” (assim chamado pelos próprios israelenses) patrocinado pelo governo.
Os palestinos da Cisjordânia são submetidos à presença cada vez mais agressiva de centenas de milhares de colonos judeus, que recebem subsídios do Estado, proteção militar e são regidos pelas leis de Israel, ao passo que para os palestinos vale a legislação da ocupação, herdada do Mandato Britânico.
Já os habitantes de Gaza ocupam o patamar mais baixo na intrincada hierarquia de opressão organizada pelo estado de Israel. Gaza era uma pequena cidade de 80 mil habitantes em 1948 e tornou-se um dos lugares com maior densidade populacional do planeta com a chegada de 250 mil refugiados em 1948, até chegar aos dois milhões hoje. O Egito, em particular a partir dos anos 1980, participa ativamente no controle da população da Faixa.
Seus habitantes nunca se resignaram e sempre procuraram retornar a suas terras. Muito antes do surgimento do Hamas – movimento nacionalista islâmico – já sofriam as “expedições punitivas” do exército de Israel que resultaram em incontáveis mortes. A ocupação de 1967 piorou muito sua vida. Como era impossível colonizar a Faixa, a alternativa foi a de sufocá-lacada vez. Em 1988, a primeira grande rebelião contra a ocupação, conhecida como Intifada, começou justamente em Jabaliah, o maior campo de refugiados de Gaza e se expandiu para toda a Palestina ocupada.
A Primeira Intifada só foi encerrada com os Acordos de Oslo, em 1993, nos quais Israel prometeu atender às demandas palestinas, mas nunca cumpriu. Somente ganhou tempo para retomar o controle absoluto da região, mesmo aceitando a existência de um autogoverno que alguns como Edward Said – intelectual e ativista palestino (1935-2003) – chamavam de governo de colaboração com a ocupação, o que se mostrou tragicamente correto.
Os sionistas aproveitaram a ilusão de Oslo para acelerar drasticamente a colonização e esmagar militarmente as tentativas de resistência palestina. Em 2005, Israel realiza um simulacro de “desocupação” de Gaza, retirando os poucos colonos judeus e impondo um bloqueio quase absoluto por meio do controle da “fronteira” que construiu para impedir a livre movimentação dos seus habitantes. Contou para isso com a colaboração dos diversos governos egípcios das últimas décadas.
Em 2006, em eleições livres, os palestinos deram a maioria relativa em seu parlamento para o Hamas. É bom recordar que nos anos 1980, o Hamas foi estimulado por Israel a fazer oposição à OLP (Organização de Libertação da Palestina) de Yasser Arafat, à época mais radical. Em 2007, com apoio dos israelenses, o Fatah, principal organização da OLP, tenta depor o governo e o Hamas reage e mantém o controle de Gaza, ficando a Cisjordânia com Mahmoud Abbas, do Fatah. Isso selou a divisão ainda maior entre os palestinos e o isolamento de Gaza.
A tentativa de romper o bloqueio por parte dos habitantes de Gaza, de qualquer forma que fosse, sempre encontrou uma agressividade israelense, cada vez mais brutal. A partir de 2008, Israel efetuou três ataques militares a Gaza, incluindo bombardeios aéreos e com tanques. O último dos quais, em 2014, deixou milhares de mortos. Há um mês, o ministro da Defesa de Israel, Avigdor Lieberman, declarou que “não há gente inocente” em Gaza.
Trump: um novo momento, uma nova ofensiva
A ascensão de Donald Trump fez com que Israel se animasse a aumentar o cerco sobre a população de Gaza. Seu objetivo é tornar a vida tão miserável que uma parte importante da população aceite a “transferência” para qualquer lugar, inclusive o mais óbvio, o deserto do Sinai. Mas não contava que surgisse um movimento das organizações sociais e políticas palestinas que planejou a “Marcha do Retorno”, uma série de manifestações de massas, sem o uso de armas, que tentaria por várias semanas, se aproximar da “fronteira” de Gaza.
Jerusalém e Tel-Aviv fazem festa. Gaza sangra.
A atitude de Israel foi brutal: desde o primeiro dia de manifestações, posicionou seus atiradores de elite para assassinar a sangue frio os que se atreviam a desafiar o domínio colonial. O total de mortos já chegou a mais de 100, os feridos se contam aos milhares.
Em um contraste de um simbolismo macabro, a poucas dezenas de quilômetros da Gaza, em Jerusalém havia uma festa de Gala na inauguração da embaixada americana. Como em todo o passado colonial. Enquanto se divertiam, riam, comiam, bebiam e tramavam maldades contra os povos da região, seus soldados assassinavam o povo rebelde de Gaza. E em Tel Aviv, milhares festejavam nas ruas a vitória inédita de uma cantora israelense no Festival Eurovisão. Vida normal.
Nenhuma emoção com os dois milhões aprisionados, massacrados, desesperados, esfomeados, sem emprego, sem saúde (nem para tratar seus feridos) – mas não rendidos.
Alguns, inclusive no Brasil, atribuem as manifestações do Dia do Regresso a uma possível manipulação do Hamas. A disposição das pessoas para a Marcha do Regresso só se explica por motivos sociais profundos. Nada explica a quantidade de pessoas dispostas a encarar a morte, tendo diante de si um exército assassino, em uma ação friamente calculada e preparada por seu regime e seu estado.
Impedir o massacre em Gaza. Palestina Livre!
Esse massacre precisa ser parado imediatamente. Qualquer que seja a opinião sobre a solução definitiva para a Palestina e Israel, não há desculpa para a omissão. Nenhuma organização dos trabalhadores, do movimento popular e democrático pode se omitir. É preciso realizar atos e manifestações em apoio ao povo palestino, e fortalecer os que já estão marcados no dia de hoje, a exemplo da grande manifestação que ocorreu ontem em Istambul.
Devemos exigir o posicionamento dos países, como o da África do Sul, que retirou seu embaixador de Israel, e vários outros governos, que condenaram a repressão de Israel. Precisamos exigir do governo ilegítimo brasileiro que adote uma medida imediata e rompa relações diplomáticas com Israel, suspendendo ainda os acordos comerciais, em especial, a compra de armamentos, tecnologia e treinamento militar. O Brasil é hoje um dos maiores compradores de Israel, inclusive de blindados, que são utilizados nas comunidades do Rio de Janeiro e nas periferias das grandes cidades, para reprimir a população negra e pobre, que vive em um regime de apartheid social, agravado com a ocupação militar.
Não há um minuto a perder. O massacre mostrou para todos a real natureza do estado de Israel, baseado na colonização e opressão contra outro povo e que promove uma política de extermínio.
Que os que caíram lutando pelos seus direitos iluminem as lutas dos que sobreviveram na Palestina e no mundo. Pelo fim imediato ao massacre e fim incondicional do bloqueio a Gaza. Hoje, tanto quanto a 70 anos atrás, ainda tremula bem alto junto aos palestinos na “Marcha do Retorno” a bandeira da Palestina Livre. Essa é também a nossa bandeira.
LEIA TAMBÉM
Palestina: aberta a embaixada dos EUA em Jerusalém e 55 palestinos pagaram com sua vida hoje
Comentários