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MUNDO

Colapso no mercado de ações: 1987, 2007 ou 1937?

 

Por Michael Roberts, publicado em 6 de fevereiro de 2018

Tradução: Wilma Olmo Corrêa

Ontem, o mercado de ações norte-americano caiu o máximo já visto, para um único dia, desde meados de 2007, pouco antes da crise do crédito, do colapso bancário e do início da Grande Recessão.

Está a história configurada para repetir-se a si mesma? Bem, o velho ditado diz que a história nunca se repete, mas rima. Em outras palavras, há ecos do passado no presente. Mas quais são os ecos desta vez? Há três possibilidades.

Este colapso será semelhante ao de 1987 e será seguido por uma recuperação rápida e decisiva, e o mercado de ações e a economia dos EUA retomarão sua recente marcha ascendente. O colapso será visto como um pequeno desvio na recuperação desde a Longa Depressão dos últimos dez anos.

Ou este poderia ser como 2007. Em seguida, a quebra da bolsa anunciava o início do colapso mais poderoso na produção capitalista global desde a década de 1930 e o maior colapso no setor financeiro desde sempre – seguido pela mais fraca recuperação econômica desde 1945.

Ou, finalmente, poderia ser como 1937, quando o mercado de ações retrocedeu à medida que o Fed dos EUA aumentou as taxas de juros e o “New Deal” da administração Roosevelt parou de gastar para impulsionar a economia. A Grande Depressão prosseguiu e apenas terminou com a corrida armamentista e a entrada dos EUA na guerra mundial em 1941.

Tenho discutido, em postagens anteriores, a relação entre o mercado de ações (capital fictício, como Marx o chamou) e a economia “real” de capital produtivo.

No dia do colapso, um novo presidente do Fed, Jerome Powell, foi empossado para substituir Janet Yellen. Powell agora enfrenta alguns novos dilemas.

Marx fez a observação fundamental de que o que impulsiona os preços do mercado de ações é a diferença entre as taxas de juros e a taxa global de lucro. O que tem mantido os preços do mercado de ações em alta tem sido o nível muito baixo das taxas de juros no longo prazo, geradas deliberadamente por bancos centrais como o Federal Reserve em todo o mundo, com zero taxas no curto prazo e com o QE[1] (flexibilização quantitativa ou política de harmonização financeira quantitativa – compra de ativos financeiros com injeções de crédito). A diferença entre o retorno do investimento no mercado de ações e o custo dos empréstimos para fazê-lo tem sido enorme.

Obviamente, todos os dias, investidores tomam decisões “irracionais”, mas, ao longo do tempo e, no conjunto, as decisões dos investidores para comprar ou vender ações ou títulos serão baseadas no retorno que receberem (em juros ou dividendos) e os preços de títulos e ações se moverão em conformidade com isso. E esses retornos, em última análise, dependem da diferença entre a rentabilidade do capital investido na economia e os custos de financiamento. Se os preços das ações estiverem deslocados em relação à rentabilidade do capital em uma economia, eles, sem dúvida, retrocederão. Quanto mais deslocados estiverem, maior será a queda.

Portanto, há dois fatores que são fundamentais para julgar se este crash na Bolsa é uma situação do tipo de 1987, 2007 ou 1937: a rentabilidade do capital produtivo (ela é ascendente ou descendente?); e o nível de dívida detida pela indústria (ela se tornará muito cara para ser paga).

Em 1987, a rentabilidade do capital estava em ascensão. Estávamos bem no meio do período neoliberal de crescente exploração do trabalho, da globalização e de novos desenvolvimentos tecnológicos, que foram fatores que agiram contra a tendência de queda da taxa de lucro. A rentabilidade continuou a crescer até 1997. E as taxas de juros, que foram aumentadas pelo Fed, estavam sendo reduzidas à medida que a inflação caía.

Em 2007, a rentabilidade estava caindo (estava em declínio desde o final de 2005), o mercado imobiliário estava começando a desandar e esperava-se que a inflação aumentasse e, ao mesmo tempo, o Fed planejava aumentar sua política de juros, como está planejando agora em 2018. Mas atualmente há diferenças em relação a 2007. O sistema bancário não está tão estendido e envolvido em derivativos financeiros de risco. E enquanto a rentabilidade na maioria das principais economias ainda está abaixo do pico de 2007, o lucro total está aumentando atualmente.  Pode ser que os salários estejam começando a subir e isso poderia reduzir os lucros no futuro. Além disso, o Fed planeja elevar as taxas de juros e, portanto, também reduzir os lucros à medida que os custos do serviço da dívida aumentam.

 

 

Talvez 1937 esteja muito mais perto de onde o capitalismo dos EUA está agora. Eu escrevi anteriormente sobre os paralelos com 1937. A rentabilidade em 1937 se recuperou das profundezas de 1932, mas ainda estava bem abaixo do pico de 1926.

E mais preocupante agora é que a dívida corporativa desde o final da Grande Recessão em 2009 não foi reduzida. Pelo contrário, nunca foi tão alta. Com base em uma amostra global de 13.000 entidades, a agência S & P estima que a proporção de empresas altamente alavancadas – aquelas cuja proporção da dívida em relação ao rendimento é superior a 5x – era de 37% em 2017, em comparação a 32% em 2007 antes da crise financeira global. Ao longo de 2011-2017, a dívida corporativa global não financeira cresceu 15 pontos percentuais, chegando a 96% do PIB.

O crash do mercado de ações me diz duas coisas. Primeiro, que é a economia dos EUA, ainda a maior e mais importante economia capitalista, que lidera. Não é a Europa, nem o Japão, nem a China que desencadearão uma nova crise global, mas os EUA. Em segundo lugar, desta vez nenhuma queda será desencadeada por uma crise imobiliária ou por um crash bancário, mas por uma crise no setor corporativo não financeiro. Falências e inadimplências aparecerão à medida que as empresas capitalistas mais fracas apresentarem dificuldade em cumprir os encargos de suas dívidas e produzirem uma reação em cadeia.

Mas a história não se repete, mas rima. A massa de lucros nas principais economias ainda está subindo e as taxas de juros, a inflação e os aumentos salariais ainda são baixos em termos históricos. Isso deve melhorar o colapso dos preços do capital fictício (e eles ainda são altos). Mas a direção dos lucros, taxas de juros e inflação pode mudar em breve.

[1] Quantitative easing (QE), conhecido também como flexibilização quantitativa ou política de harmonização financeira quantitativa é a criação de quantidades significantes de dinheiro novo eletronicamente, por um banco, mas autorizado pelo Banco Central, mediante o cumprimento das normas de percentuais pré-estabelecidos. É um jargão para uma ação de política monetária do Banco Central.

A estratégia macroeconômica usualmente empregada pelo banco central de um país sob risco de deflação, no curto prazo, é alterar a taxa básica interbancária de juros, mas quando essa taxa está próxima de zero, a estratégia é ineficaz. É sob tais condições que o quantitative easing pode ser útil. De  https://pt.wikipedia.org/wiki/Quantitative_easing