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TEORIA

Leia artigo de Michael Roberts sobre a crise de produtividade no capitalismo

Pixabay

A crise de produtividade

Publicado em 30/05/2021 no blog The next recession.
Tradução de Gabriel Dayoub

A missão histórica do capitalismo foi o desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, tecnologia e trabalho necessários para aumentar a produção de bens e serviços que a humanidade precisa ou deseja. Na verdade, o principal argumento dos apoiadores do sistema é justamente afirmá-lo como o modo de produção mais capaz (ou mesmo o único) de desenvolver conhecimento científico, tecnologia e “capital” humano, tudo através do “mercado”.

A melhor forma de medir o desenvolvimento das forças produtivas na história é observando o nível e ritmo de mudança na produtividade do trabalho. E, como afirmaram pela primeira vez Marx e Engels no Manifesto comunista, o capitalismo tem sido, sem sombra de dúvida, o modo de produção mais bem sucedido até hoje nesse quesito (veja meu post recente). No gráfico abaixo, podemos observar o rápido aumento da produtividade do trabalho a partir dos anos 1800.

Aumento da produtividade sob o capitalismo. 

No entanto, Marx também mostrou que a principal contradição do modo de produção capitalista se dá entre lucro e produtividade. O aumento da produtividade do trabalho deveria gerar uma melhora nas condições de vida da humanidade, incluindo a redução de horas, semanas e anos de trabalho necessários para a produção de bens e serviços. Mas, no capitalismo, mesmo com esse aumento, a pobreza continua a existir em todo o mundo, a desigualdade aumenta e a maior parte da população não foi libertada da necessidade de trabalhar todos os dias.

Em 1930, John Maynard Keynes, famoso defensor dos benefícios do capitalismo, argumentou que, se bem “gerenciado” (por homens sábios como ele), o sistema poderia proporcionar, através da ciência e tecnologia, um mundo de lazer e o fim do trabalho pesado para a maioria da humanidade. Foi o que ele afirmou a estudantes da Universidade de Cambridge em uma palestra concedida no meio da Grande Depressão dos anos 1930. Ele disse mais ou menos o seguinte: é verdade, as coisas podem parecer ruins para o capitalismo agora. Mas não se deixem seduzir pelas ideias socialistas ou comunistas (pelas quais muitos estudantes estavam optando na época), porque na geração de seus netos, graças à tecnologia e ao consequente aumento da produtividade do trabalho, todos trabalharão 15 horas por semana e o problema da economia não será o trabalho, mas o lazer (“Possibilidades econômicas para nossos netos”).

Keynes concluía que, “assumindo que não haverá guerras importantes nem aumento significativo da população, o ‘problema econômico’ pode ser resolvido, ou pelo menos estar em vias de solução, dentro de cem anos. Isto significa que ele não é – se olharmos para o futuro – o problema permanente da raça humana”. Apenas com essa citação é possível ver a falência do prognóstico keynesiano. Sem guerras? Isso foi dito apenas dez anos antes da Segunda Guerra Mundial. Além disso, nunca se refere ao mundo colonial em sua previsão, apenas às economias avançadas. Nem menciona a desigualdade econômica, que aumentou fortemente desde a década de 1930. E, conforme nos aproximamos do aniversário de cem anos de sua palestra, não há sinais de que o “problema econômico” tenha sido resolvido.

E o cultuado economista continuava: “pela primeira vez desde sua criação, a humanidade será forçada a encarar seu real e eterno problema – como utilizar a libertação das necessidades econômicas, como gastar seu tempo de lazer garantido pela ciência e pelos juros compostos (!!) para viver bem, sabiamente e sem conflitos”. Keynes previu a superabundância e uma jornada de trabalho de três horas diárias – o sonho de todo o socialista, mas sob o capitalismo. Bem, a semana média de trabalho nos EUA de 1930 – para quem tinha trabalho – girava em torno de 50 horas. Ainda hoje, se consideradas as horas extras, está acima das 40 para trabalhadores com contrato permanente. Nos anos 1980, a média de horas trabalhadas ao ano nas economias avançadas era de mais ou menos 1800. Hoje, seguimos aproximadamente no mesmo patamar. Então, novamente, sem novidades.

Mas há algo mais desastroso ainda para a missão histórica do capitalismo e para as previsões de Keynes: nos últimos 50 anos, os ganhos de produtividade do trabalho têm diminuído em todas as potências capitalistas. O sistema não está cumprindo a única condição que lhe deu fama, a expansão das forças produtivas. Ao contrário, mostra claros sinais de exaustão. Enquanto a desigualdade aumenta, o crescimento da produtividade cai.

O crescimento econômico depende de dois fatores: (i) o tamanho da população empregada e (ii) a produtividade da força de trabalho. Em relação ao primeiro, as economias avançadas estão ficando sem margem para expansão. Mas neste texto vamos nos concentrar no segundo fator. O crescimento global da produtividade do trabalho está desacelerando há 50 anos.

Para as 50 maiores economias do mundo, incluindo a chinesa, a expansão da produtividade caiu para uma taxa de apenas 0,77% ano ano.

Por que isso ocorre? O “enigma da produtividade”, como os economistas do mercado gostam de chamar, tem sido debatido há algum tempo. Os keynesianos argumentam que o sistema está em uma estagnação secular devido à falta de demanda efetiva necessária para encorajar os capitalistas a investirem em tecnologias que aumentem a produtividade. Há também as explicações que privilegiam a dimensão da oferta: não há tecnologia disponível para se investir que aumente a produtividade. A era do computador e da internet estão próximos do fim e não há nada novo que terá impacto semelhante.

Vejamos a taxa de crescimento da produtividade do trabalho nas economias capitalistas mais importantes desde a década de 1890. Note que, em todos os casos, o índice registrado entre 1890 e 1910 é maior que o calculado entre 2006 e 2018. Falando genericamente, o aumento da produtividade atingiu o ápice nos anos 1950 e foi caindo nas décadas posteriores até atingir as taxas pífias que vemos nos últimos 20 anos. A chamada Era de Ouro (1950 a 1970) marcou o pico do desenvolvimento das “forças produtivas” sob o domínio do capital. Desde então, sua expansão tem diminuído de forma acelerada. O aumento médio de produtividade na França caiu 87% desde os anos 1960. O mesmo ocorre na Alemanha. No Japão, o índice tombou 90% e no Reino Unido, 80%. Apenas os EUA se saem um pouco melhor: ali, a taxa foi reduzida em apenas 60%. 

Há três fatores por trás do crescimento da produtividade: a quantidade de mão de obra empregada; o volume investido em maquinaria e tecnologia; e a qualidade e capacidade de inovação da força de trabalho. No último item está o x da questão. Os economistas do mercado o chamam de Produtividade Total de Fatores (PTF), medida como a contribuição “não contabilizada” depois de o capital ser investido e a mão de obra, empregada. Este índice está em declínio secular.

Correspondendo a esse declínio do desenvolvimento da produtividade do trabalho, o investimento em ativos fixos em relação ao PIB está em queda nas economias centrais nos últimos 50 anos.

À exceção da China, os investimentos vêm caindo em relação ao PIB nas maiores economias do mundo. Em 1980, tanto as potências capitalistas como os países “emergentes”, excluindo a China, ostentavam uma taxa de investimento que girava ao redor de 25% do PIB. Agora, a taxa está em quase 22%, um declínio de mais de 10%. Durante a Grande Recessão, esse índice caiu para menos de 20% nos países centrais.

A desaceleração nos investimentos e no crescimento da produtividade começou nos anos 1970. E isso não é acidental. A longa dificuldade no aumento da produtividade está claramente ligada à diminuição de investimentos produtivos. Há novas evidências que indicam esse fenômeno. Em um estudo abrangente, quatro economistas tradicionais destrincharam os componentes que causam a queda na produtividade.

Sobre os EUA, eles descobriram que, de um total de 1,6% de desaceleração na média de crescimento anual de produtividade desde os anos 1970, aproximadamente 45% se deveu à diminuição de investimentos, causada pelas crises recorrentes ou por fatores estruturais. Outros 13% [Another 20bp of 13% foram atribuídos a um “erro de cálculo” (este é um novo argumento mobilizado na tentativa de mostrar que a queda não existiria). O estudo atribui outros 17 pontos ao aumento de investimentos “intangíveis” (“goodwill”), que se revertem em ativos fixos, o que levanta o questionamento se esse tipo de investimento de fato cria valor. Em torno de 9% refletiriam o declínio das trocas globais desde o início dos anos 2000. E, finalmente, 25% são ligados ao investimento capitalista em setores improdutivos, como propriedade imobiliária e finanças. Os economistas resumem assim suas conclusões: “Comparando o período pós-2005 com a década anterior em 5 economias avançadas, procuramos explicar a desaceleração de 0,8 a 1,8%. Isso se deve, em grande parte, à redução da Produtividade Total de Fatores (PFT) e ao aumento do capital [capital deepening??], sendo que a manufatura é o setor mais atingido”.

Em outras palavras, se excluirmos os erros de cálculo, os investimentos improdutivos e os “intangíveis”, a causa da diminuição do crescimento da produtividade é o declínio do investimento produtivo. O estudo também aponta que não houve redução de gastos em pesquisa em desenvolvimento. Pelo contrário. O que ocorre é que novos avanços técnicos não estão sendo aplicados pelos capitalistas na produção. Talvez a ascensão dos robôs e da inteligência artificial poderá fortalecer a produtividade nas economias centrais no mundo pós-Covid. Mas não conte muito com isso. Como dizia Robert Solow, grande estudioso do tema nos anos 1980, “você pode ver a era da computação em todos os lugares, menos nas estatísticas de produtividade”.

Se o investimento é central para o ganho em produtividade, a pergunta que se abre é: por que os investimentos começaram a cair nos anos 1970? Será a “falta de demanda efetiva” ou a ausência de tecnologias que possam gerar aumento de produtividade, como argumentam os economistas do capital? A explicação marxista é a mais provável. Desde os anos 1960, empresas nas potências capitalistas sofrem com uma longa queda na lucratividade do capital. Por isso, percebem ser cada vez menos vantajoso investir em novas tecnologias para a substituição do trabalho vivo.

Na comparação entre produtividade do trabalho e taxa de lucro do capital nos EUA, é perceptível uma correlação estreita.

Analisando os dados das Penn World Tabels, também podemos observar uma relação de variação positiva de 0,74% entre as mudanças no investimento e a produtividade do trabalho nos EUA entre 1968 e 2014. A correlação entre mudanças na taxa de lucro e o volume de investimentos é também fortemente positiva (0,47%) e  a correlação entre alterações na lucratividade e na produtividade do trabalho é ainda mais (0,67%).

E, como também conclui o já citado estudo sobre a desaceleração da produtividade, há outro fator central que levou ao declínio no investimento em trabalho produtivo: a preferência dos capitalistas por investir em “capital fictício”, na esperança de que os ganhos do mercado de ações serão mais rentáveis que o investimento em tecnologias para a produção de bens e serviços. Quanto mais a taxa de lucro na produção caía, mais atrativos ficavam os investimentos em ativos financeiros. Vem daí o que novos estudos chamam de “eficiência alocativa” dos investimentos. Tudo isso se acelerou durante a crise da Covid-19.

Há uma contradição básica na economia capitalista. O objetivo da produção é o lucro, não o atendimento de necessidades sociais. O crescente investimento em tecnologia para substituir o trabalho humano, criador de valor, leva a uma tendência de queda na lucratividade. Em dado momento, essa tendência entra em conflito com o desenvolvimento das forças produtivas. O longo declínio da taxa de lucro do capital por todo o mundo tem desacelerado o investimento produtivo e, consequentemente, o aumento da produtividade do trabalho. Torna-se cada vez mais difícil expandir as “forças produtivas”. O capitalismo está falhando no cumprimento de sua “missão histórica”, na qual Keynes expressou tanta confiança há 90 anos.