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BRASIL

OPINIÃO | Sobre a volta dos que não foram: o PT em terra de Renans

Ex pres Lula ao lado do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e do governador Renan Filho. Foto Ricardo Stuckert

Por: Gabriel Santos, de Maceió, AL

No último dia 31 de outubro, a Executiva Estadual do PT Alagoas aprovou a volta do partido à base do governo de Renan Calheiros Filho. A notícia, que já era esperada há algumas semanas, foi matéria nos principais jornais do País e gerou críticas de diversos setores da esquerda e crise dentro do próprio PT. Até mesmo o prefeito da Maceió, Rui Palmeira (PSDB), aproveitou para tirar uma casquinha, ao dizer que PT e os Renans se merecem.

O namoro do PT Alagoas com os Renans não vem de hoje, é fruto de um flerte muito antigo. Mas antes de entrarmos nos pormenores desta relação, acho que precisamos falar um pouco sobre Alagoas, sua política e o peso até desproporcional que nosso estado tem no cenário político nacional.

O coronelismo
Para qualquer pessoa que já se envolveu em disputa política, seja participando de eleições para Centro Acadêmico, DCE, ou para o que seja, deve saber que “política não se faz com o estômago, ou com o coração”. Ou seja, a nossa relação política não se faz com os gostos pessoais que temos com pessoa x ou y. Aqui em Alagoas esse famoso ditado se completa com “política não se faz com estômago, mas também com balas e pistolas”.

Alagoas é um dos estados mais pobres do País, figurando nas últimas posições quando se trata de educação e de IDH, e entre as primeiras quando vemos o índice de violência contra mulheres e LGBTs, assassinato de jovens e de analfabetos. A população sofre uma imensa influência e pressão das elites do estado. Uma elite que é das mais conservadoras do Brasil. Ela é reacionária, clientelista, extremamente violenta e coronelista, preconceituosa e viciada no Poder.

A elite alagoana, dona de grandes latifúndios, normalmente produtores de cana de açúcar, possui o Estado, e de forma praticamente canônica segue exercendo seu poderio político-econômico sobre a população. As grandes usinas são o sustento de centenas de famílias nas mais diversas cidades do interior, e quando esta usina decreta falência, toda a cidade entra em colapso.

No terreno da política, as elites são extremamente violentas, utilizando o coronelismo para exercer seu domínio. Não deixam de usar a força e resolver na base da bala quando necessário. Os coronéis do estado disputam as posses de terra e o Poder como se estivessem parados na história há 200 anos.

Recentemente, vimos o caso que ocorreu na cidade de Batalha, quando o vereador conhecido como Neguinho Boiadeiro foi assassinado. A família Boiadeiro, uma das mais tradicionais do Interior, acusou em alto e bom som membros da família Dantas de terem encomendado o assassinato. A rixa entre as duas famílias já deixou seis mortes.

Ao longo da história, temos diversos casos que parecem sair de cena de filmes ou novelas, mas aconteceram por essas terras. Podemos citar o caso que ocorreu há exatos 50 anos, quando da tentativa de impeachment do então governador Muniz Falcão, que gerou um tiroteio entre deputados durante uma seção dentro da Assembleia Legislativa. Ou para sermos mais recentes, o caso de Ceci Cunha de 1998, assassinada junto a familiares, na casa de sua sogra, no dia em que foi diplomada deputada federal, por um grupo de pistoleiros contratado por um concorrente de Ceci ao cargo. Temos também a morte de PC Farias, o famoso tesoureiro de Collor, e seu assassinato nunca esclarecido. Bata uma andança pelos Interiores do estado e conversar com moradores sobre os diversos crimes políticos cometidos por grupos e famílias tradicionais que detém o poder, pois exemplos são o que não faltam.

O jogo eleitoral em Alagoas é um verdadeiro jogo de cartas marcadas. No Interior, membros de famílias tradicionais vão deixando os postos de Poder para membros mais novos os sucederem, num verdadeiro clã, como se fosse uma capitania hereditária, ou um feudo. Não é difícil fazer demarcações por lotes e saber qual família domina qual parte do estado.

O peso político de Alagoas
Apesar de seu pequeno tamanho territorial na Federação, sendo maior apenas que Sergipe, o estado tem uma representação no quesito importância, maior que diversos estados de poderio econômico mais significativo. Foram destas terras que vieram os dois primeiros presidentes do País, Marechal Deodoro e Marechal Floriano Peixoto. De Alagoas vieram também outros dois presidentes, Hermes da Fonseca e Fernando Collor que, apesar de carioca, é radicado e fez carreira no estado. Este, o primeiro presidente eleito após redemocratização.

Nos tempos atuais, podemos colocar que recentemente Aldo Rabelo e José Tomás Nonô presidiram a Câmara dos Deputados. JHC faz parte da Mesa Diretora da Câmara. Marx Beltrão e Mauricio Quintella são ministros na pasta de Temer, com Turismo e Transporte, respectivamente. Temos também Fernando Collor, líder do PTC e do Bloco Moderador. Arthur Lira, líder do PP e do Bloco Parlamentar PP, Avante. Ronaldo Lessa na vice-liderança do PDT, e Benedito de Lira, no mesmo posto do Bloco Parlamentar Democracia Progressista. Isso sem falar na imponente figura de Renan Calheiros e tudo que ele representa na política brasileira hoje.

No campo da esquerda, veio de Alagoas um dos principais quadros fundadores do PCB, Octavio Brandão, e o primeiro delegado brasileiro a ir para o Congresso da Internacional Comunista, Antonio Canelas. Foi de Alagoas também que vieram importantes quadros que combateram a ditadura militar por meio da luta armada, entre eles Manuel Lisboa. Nesse século, não podemos deixar de falar da figura controversa e polêmica de Heloísa Helena, que apesar de tudo, teve um papel fundamental na construção e legalização do PSOL.

O PT
Chegamos, então, no PT de Alagoas. Atualmente, o partido passa por sérios problemas financeiros. O da capital conta com recursos muito escassos e o diretório estadual encontra-se com as contas bloqueadas. O partido possui apenas duas Prefeituras, dos 102 municípios do estado. E conta com cerca de 40 diretórios municipais, a maioria não funciona regularmente. Até as eleições de 2014, o partido nunca havia elegido um deputado federal, Paulão foi o primeiro. Vale apontar que Maceió é a única capital em que Lula nunca venceu uma eleição, e Alagoas foi o único estado em que o PT perdeu em 2002. Na época, o partido não conseguiu trazer Lula para discursar no estado, por problemas financeiros que já eram recorrentes.

O PT no estado tem sérios problemas organizativos, sofrendo de uma notável falta de renovação e de engessamento. As criticas vindas de setores internos que são oposição à atual direção passam pelo fato do grupo dirigente não respeitar as instâncias partidárias, executivas, plenárias, congressos, fazendo o que for a vontade imediata do grupo hegemônico. Criticam também a intervenção nacional, que incentivou a política de trocar um apoio local por um apoio nacional.

Construir uma alternativa mais à esquerda num estado como Alagoas, dominado por oligarquias, é uma tarefa hercúlea. Ao longo dos anos, foram poucas as tentativas de projetos mais à esquerda que conseguiram se sagrar vitoriosas. Podemos citar aqui o ano de 1992, quando Ronaldo Lessa ainda era uma figura progressista e foi eleito prefeito pelo PSB, e Heloisa Helena vice-prefeita pelo PT. Helois,a anos mais tarde, viria a se destacar e se construir uma figura pública de porte nacional, e se elegeria senadora pelo partido, antes de ser expulsa e iniciar a construção do PSol. Lessa viria se tornar governador pelo PSB, mas mudaria de legenda, indo para o PDT.

Os anos 90 foram uma importante página na história alagoana, e a esquerda teve um papel notável ao protagonizar diversas lutas. Entre elas, o impeachment do governador Divaldo Suruagy, em 1997. Após o Plano Real implementado pelo governo de FHC e de um governo do estado feito para salvar os usineiros locais, o pagamento dos servidores públicos ficou atrasado por nove meses e o estado entra em um verdadeiro caos. O impeachment do então governador foi marcado por uma batalha campal, onde após diversas greves e manifestações, servidores públicos, a população e a militância de esquerda, com grande papel da CUT, PT e da então prefeita de Maceió pelo PSB, Katia Born, derrubaram as grades e tomaram a Assembleia Legislativa.

Podemos citar estes exemplos de mais de década de distância que confirmam um fato, apesar de ser hegemonia no movimento social e sindical, o PT nunca conseguiu ter grande força política em Alagoas. Nunca conseguiu se conformar como uma verdadeira alternativa à esquerda e traduzir os desejos do povo pobre e oprimido. Desta forma, o processo de transformismo e adaptação à ordem política atual que a organização sofria, fez com que no PT do estado isto se refletisse de formas mais profundas. E o partido, por meio de sua direção estadual e nacional, foi se engessando, priorizando a disputa pelo aparato interno, se localizando nos balcões de negócios.

Nas eleições de 2014, o PT Alagoas apoiou Fernando Collor do PTB para o Senado, e Renanzinho (PMDB) para o governo do estado. Ambos estiveram no palanque de Dilma, quando a mesma visitou Maceió em sua campanha presidencial. Após negociação, Paulão do PT/Construindo um Novo Brasil (CNB) teve o apoio dos Renans para deputado federal, ganhando assim a primeira cadeira petista na Câmara Federal. Após o processo de Impeachment e o apoio de Renan Calheiros ao golpe, o PT do estado entrega todos os cargos no governo estadual do PMDB, no dia 05 de setembro de 2016, menos a presidência da Serviços de Engenharia do Estado de Alagoas S/A – SERVEAL, que pertence a Judson Cabral, atualmente sem corrente interna.

A volta
Durante alguns meses, em especial desde a caravana de Lula pelo Nordeste, quando o ex-presidente subiu no palco com Renan Calheiros, em Alagoas, ouvia-se e falava-se sobre a possibilidade do PT voltar à base do Governo. Citando a caravana de Lula, é importante colocar que a estrutura da passagem do ex-presidente pelo estado foi em grande medida bancado por Renan, visto a imensa debilidade financeira do PT Alagoas. Lula abriu a brecha que a direção local tanto esperava. Os dias passavam, rumores aumentavam, até que se concretizou.

Uma reunião extraordinária da Comissão Executiva Estadual, no dia 31 de outubro, foi puxada para discutir o tema. O presidente do PT/AL, Ricardo Barbosa (CNB), elencou os motivos de seu grupo ser favorável à volta ao governo. Dirigentes da CNB apontaram que isto era necessário “para melhor conseguir apoio às candidaturas petistas”. E que, “apesar de não ser a candidatura dos sonhos, era necessário para eleger Lula, e essa era prioridade”. O próprio ex-presidente da República teria se reunido com Ricardo Barbosa e teria dado o aval e o apoio ao retorno do PT à base de Renanzinho.

Na reunião, a CNB ficou isolada, visto que as demais correntes foram contrárias à volta. A Democracia Socialista (DS); Esquerda Popular Socialista (EPS); Diálogo e Ação Petista (DAP), grupo formado por O Trabalho e dissidentes da CNB); e a Articulação de Esquerda (AE) foram os grupos que se posicionaram contrários. Diversos fizeram notas públicas contrárias à posição de volta ao governo do estado, o DAP chegou a impulsionar um manifesto com mais de cem assinaturas.

A decisão final da Executiva Estadual do PT, por nove votos contra seis, foi de “autorizar imediatamente as negociações para o retorno ao governo de Renan Filho”. A decisão seguiu gerando polêmica. Correntes como a AE e o DAP afirmaram que vão recorrer no Diretório Nacional sobre a decisão. E informaram também que a mesma rasga o estatuto do partido, pois somente uma reunião do Diretório Estadual tinha poder para discutir ou rever essa posição. Os grupos contrários criticaram a falta de discussão na base sobre este tema tão importante, e nas palavras de Sandro Regueira da AE, “no momento que o PT mais precisa de sua base, o grupo majoritário à impede de discutir”.

O destaque negativo do debate ocorrido na CEE vai para o Secretário Adjunto de Organização, Adelmo dos Santos, fundador do PT em Alagoas e membro da CNB. Na defesa do governo de Renanzinho, no que se tratava sobre a violência aos jovens da periferia, Adelmo mostrou dados da violência em governos petistas em outros estados, comparou com o do PMDB local, e mostrou que o motivo não seria suficiente para não retornar ao governo, visto que existe violência em diversos locais.

Terminada a reunião da CEE, os petistas contrários iniciaram uma disputa para reverter a decisão. Uma plenária convocada pela Executiva municipal, em Maceió, contou com cerca de 70 militantes, a imensa maioria contrária à proposta. O presidente municipal, que faz parte da CNB, abandonou a plenária com militantes de seu grupo e a mesma não pôde deliberar nada sobre o assunto.

A posição de voltar ao governo rompe também com a decisão do Sexto Congresso, como apontou as correntes de oposição. Pois nele foi declarado que seriam estabelecidas políticas de aliança apenas com “setores anti-imperialistas, antimonopolistas, antilatifundiários e radicalmente democráticos”, que com certeza não é o caso do PMDB em Alagoas e da família Calheiros.

Existe todo um malabarismo por parte de alguns para colocar Renan como um “golpista arrependido”. É bem verdade que o mesmo vem fazendo críticas ao governo Temer e reconheceu ter sido um erro o Impeachment de Dilma. O mesmo vem tecendo críticas à Reforma da Previdência. Porém, o mesmo apoiou a PEC dos gastos, afirmando que ela foi uma vitória para o País. Como diz o ditado popular, Renan é “macaco velho”. Sabe bem onde se cria e com quem quer sua imagem para poder se eleger novamente próximo ano.

A polêmica decisão da CEE acaba por demonstrar inúmeras coisas. A primeira delas é desrespeito pela base. A segunda é que a direção do PT querer utilizar o partido como uma moeda de troca. Focados apenas no jogo eleitoral, fazem um verdadeiro toma lá da cá, e não buscam ou se preocupam com a imagem do partido frente aos movimentos sociais.

Superar velhos vícios para construir o novo
Todas estas velhas práticas, de desprezo com a base; com os espaços deliberativos da organização; de priorizar o eleitoral ao invés da construção direta no movimento; são práticas que não cabem mais. Não cabem mais numa esquerda que pós-golpe precisa se reinventar e se reorganizar para enfrentar os golpistas, a nova direita e o conservadorismo, ganhando novamente as mentes e corações das pessoas.

Construir uma alternativa verdadeiramente de esquerda não pode ser feita com base em velhas alianças, que servem para alimentar a atual ordem social do estado, que é de uma elite oligárquica violenta e sedenta por lucro e poder. Assim, como também não podem repetir velhas práticas políticas que dão descrédito diante de uma população que tem o perigoso sentimento de negação de todo o qualquer partido e ato político. Velhas práticas e velhas aliançasa servem à atrasada elite que temos. É preciso pensar o novo, porque ele sempre vem. É preciso buscar construir uma verdadeira alternativa de mudança social para o estado, e esta alternativa somente pode vir à esquerda.

Foto: Ex pres Lula ao lado do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e do governador Renan Filho na Caravana Lula pelo Nordeste.
Foto Ricardo Stuckert