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MOVIMENTO

Greve de Soldados

Por: Bruno Figueiredo, de São Paulo, SP

O Hino da Internacional Comunista conclama:

“Façamos greve de soldados!” (…)

“Se a raça vil, cheia de galas,

Nos quer à força canibais,

Logo verá que as nossas balas

São para os nossos generais!”

Alguns temas envolvendo polícia e Exército têm ocupado os noticiários nos últimos dias. De um lado, tudo indica que, no Rio de Janeiro, uma aluna foi morta por tiros dos policiais dentro da escola, além dos dois jovens executados na frente das câmeras. Outra notícia é a constatação das práticas de torturar nos “treinamentos” do exército. E em paralelo surge a notícia da proibição do direito de greve para os policiais.

Tais notícias estão mais entrelaçadas do que se pode parecer. Pessoas que são submetidas sistematicamente a torturas no seu treinamento passam a sofrer de desvios psicológicos e morais graves. Ocorre que o chamado “treino” dos policiais é permeado de abusos sistemáticos, que deformam a fibra moral dos indivíduos submetidos a tais “treinos”. O resultado é que, depois de tudo isso, tais indivíduos podem vir a matar pessoas e “plantar provas”, executar uma aluna dentro de uma escola, ou praticar qualquer tipo de atrocidade, sem qualquer remorso moral.

Isto está diretamente vinculado à estrutura de hierarquia que existem dentro das Polícias Militares e das Forças Armadas. Tal hierarquia impõe uma obediência cega. Ou seja, se por hipótese, um comandante praticar um crime, em geral seus subordinados tendem a criar uma “justificativa moral” para tanto, e se somam para acobertar o crime. A prática de torturas é um dos crimes sistemáticos, cujas vítimas são principalmente a classe trabalhadora das periferias, mas também os próprios policiais.

Um setor da esquerda tende a não ver nestes policiais trabalhadores, confundindo seu ódio de classe com o ódio aos policiais. Entretanto, este é o discurso dos oficiais, comandantes e generais, que faz com que o indivíduo policial se sinta parte da instituição “Polícia Militar”. Todavia, se um policial é colocado numa ação sem capacete, depois sofre um acidente, poderá ser descartado tal qual qualquer trabalhador que laborou sem EPI (equipamento de proteção individual). Os indivíduos policiais não são a instituição, esta confusão beneficia tão somente a classe dominante.

O direito do soldado de se insubordinar contra ordens ilegais é um Direito que formalmente existe. Mas, na prática, é castrado pela existência das inúmeras práticas ilegais que fazem parte da vida estrutural das polícias. O policial é submetido a uma prática de ilegalidade estrutural. Pois ao conviver com torturas e execuções, jamais poderia se insurgir contra ordens ilegais.

Outra ilegalidade estrutural foi praticada pelo STF esta semana. Ao retirar por completo o Direito de Greve dos policiais, o STF ataca um Direito do conjunto dos trabalhadores. Os trabalhadores do setor de segurança pública são parte da classe trabalhadora. Embora que seus “generais” tentem lhes convencer do contrário. Embora amplos setores da própria classe trabalhadora confundam as Instituições da Polícia com os soldados de base.

Entretanto, o soldado faz parte da classe trabalhadora, ainda que lhes digam o contrário, ainda que a maioria deles assim não se veja, ainda que a classe também não entenda a necessidade dessa unidade. Deste modo, hoje houve uma derrota do conjunto da classe trabalhadora. Derrota cujo principal protagonista foi o Sr. Alexandre de Moraes, ministro nomeado por Michel Temer. Ministro que caiu sob encomenda. Que foi secretário de Segurança Pública de São Paulo.

A libertação da classe trabalhadora passa, inevitavelmente, pela unidade de todos os setores explorados. A revolução que vai libertar os trabalhadores não será protagonizada somente pelo proletariado industrial fabril metalúrgico. Mas pelo conjunto da classe. Principalmente, tendo um papel fundamental para tanto, os setores de trabalhadores de da base da segurança pública.

A disciplina militar que é imposta a estes trabalhadores é violenta. O assédio moral faz parte de sua rotina, e brutaliza tais profissionais. Que passam a ser profissionais da violência, e não da segurança. A ideia do inimigo interno permanente os aliena, no sentido de se sentirem alheios nas suas próprias comunidades. A classe trabalhadora tem uma missão, paciente, de fazer com que o conjunto dos policiais se identifiquem como classe. Para assim superarem, em parte, tal alienação.

Por outro lado, é o mecanismo da greve que poderia garantir uma negociação, garantir o combate ao assédio moral, garantir condições de trabalho adequadas. Entretanto, ao suprimir tal mecanismo inviabiliza qualquer reivindicação das categorias de segurança pública. Na prática, torna “militar” as polícias civis e a federal.

Concretamente, por este entendimento há o risco de se tornar ilegal até mesmo a paralisação de seguranças do Metrô, que foram um setor fundamental nas greves ocorridas em São Paulo nos últimos anos. Portanto, é necessária, neste momento, a solidariedade da classe trabalhadora de conjunto para com os companheiros policiais e trabalhadores do setor de segurança pública.

Tradicionalmente, os socialistas defendem um determinado modelo de segurança pública. Os socialistas não defendem o fim imediato da polícia e do exército. Isto quem defende são os anarquistas, que creio que estejam equivocados. Os socialistas defendem que as polícias não estejam subordinadas a uma estrutura militar. Que preferencialmente as próprias comunidades façam a segurança de seus bairros, com o armamento da própria classe trabalhadora. Os comitês de defesa por bairro teriam sua direção eleita pelas comunidades. Haveria um corpo de profissionais técnicos e especializados.

Mas, o mais importante é a garantia de que as ilegalidades poderiam vir a ser denunciadas sem que haja a coação do policial que apontar os erros de seus superiores. Portanto, de imediato, defendemos a desmilitarização da polícia. Ou a unificação da polícia civil e polícia militar em uma única polícia civil. Por fim, devemos sempre lembrar: “Ei, Soldado, você também é explorado! Ei, Soldado, vem lutar do nosso lado”. Pelo direito de greve dos policiais!

Foto: Du Amorim/ A2 FOTOGRAFIA