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BRASIL

PEC 55 não deve diminuir o endividamento do Estado brasileiro

Por: Eli Magalhães, de São Paulo, SP

Nesta quarta feira (25), o Tesouro Nacional divulgou dados oficiais segundo os quais a dívida pública federal encerrou 2016 em R$ 3,112 trilhões. A quantia representa uma alta de 11,4% em relação a 2015. Dessa forma, é reconhecido pelo próprio órgão como o maior patamar já atingido em 12 anos, quando foi iniciada a série histórica.

No entanto, o montante encontra-se dentro do previsto e planejado pelo Programa Anual de Financiamento (PAF). Este crescimento apenas confirma uma tendência já verificada. Nos últimos dez anos, dos quais a maior parte estiveram sob governos do PT, a dívida mais que duplicou saltando de R$ 1,23 trilhões em 2006 para a atual quantia.

Além disso, o planejamento para 2017 indica que a dívida deverá fechar o ano entre R$ 3,450 e R$ 3,650 trilhões. O que aponta, então, para um novo aumento de, pelo menos, R$ 338 bilhões, representando aproximadamente mais 11%.

Uma análise superficial dos dados fornecidos pelo próprio Tesouro Nacional coloca em questão uma das principais medidas contra a crise tomada até o momento pelo governo Temer em conjunto com o Congresso Nacional. Trata-se da PEC 55, aprovada em definitivo pelo Senado no dia 13 de dezembro de 2016.

A PEC, apelidada de “PEC do fim do mundo” pelos movimentos sociais que fizeram oposição à mesma, determina o congelamento dos gastos “primários” do governo por 20 anos. Estes são gastos de manutenção do Estado brasileiro, seja na esfera do executivo, legislativo ou judiciário.

Para a maior parte da população, isto deve significar uma sensível piora nos serviços públicos como educação e transporte, no desempenho das empresas estatais, e em programas assistenciais, como é o caso do Bolsa Família. Segundo pesquisa realizada pelo IPEA, supondo-se um cenário de crescimento médio do PIB de 2%, os serviços de saúde, por exemplo, terão uma perda estimada de R$ 654 bilhões.

Por outro lado, a PEC 55 não estipula qualquer limite de gastos com as despesas financeiras de pagamento da dívida pública. Dessa maneira, ela altera a Constituição Federal incluindo nesta um privilégio absoluto de entidades financeiras a lucrarem a partir da apropriação do orçamento público.

Em 2015, segundo levantamento realizado pela Auditoria Cidadã da Dívida, 42,43% do orçamento federal foi gasto com serviços da dívida. Ou seja, quase metade de todo o gasto do país. Foram beneficiados, dessa forma, grandes credores que detêm o grosso dos títulos do tesouro nacional: fundos de previdência (25%), instituições financeiras (23%), fundos de investimento (22%) e investidores estrangeiros (14,3%)

O planejamento de crescimento da dívida em 2017 em algo em torno de 11%, mesmo com a já aprovação do congelamento de gastos por 20 anos, denuncia o mecanismo cruel de transferência do dinheiro arrecadado em impostos pagos pela população diretamente para as mãos dos banqueiros. A comemoração do Ministro da Fazenda Henrique Meirelles, segundo o qual os indicadores da dívida refletem melhora na economia, é apenas sintoma do conforto que pode sentir a camada rentista do país. Seus pagamentos serão garantidos e, mesmo em tempos de crise, não apenas devem lucrar, como o farão em proporção imoralmente superior a 2015-2016.

Uma saída razoável
Em tempos de crise econômica o governo federal e a grande imprensa que lhe dá apoio buscam adotar um discurso didático para justificar medidas como o congelamento de gastos no orçamento. Para isso, buscam a imagem de chefes de família simples, que adequam seus gastos de acordo ao que arrecadam com seus salários e fontes de renda alternativas. Para completar a imagem, no entanto, seria necessária, ao menos, a figura do agiota que arranca frequentemente metade de toda a renda da família.

Qualquer pessoa em situação semelhante acharia razoável a suspensão de uma dívida abusiva, com juros extorsivos e que não para de crescer independente do quanto é gasto com ela. Mais que isso, ninguém estaria disposto a sacrificar a saúde e educação dos filhos em nome de pagamentos de débitos que nunca se resolverão.

Este é justamente o funcionamento da dívida pública brasileira, que cresce a partir de juros sob juros, swaps cambiais ilegais, remuneração de sobra de caixa de bancos e outras transações puramente financeiras, que não representam real arrecadação de recursos para o país. Uma dívida que, em 2015, fechou em 66,23% de tudo o que foi produzido de riqueza. Proporção que deve aumentar, já que é estimado que o PIB brasileiro caiu em torno de 3% em 2016, enquanto a dívida cresceu.

Compromissados até a alma com o grande capital financeiro, no entanto, os governos arrepiam-se à simples menção de possibilidade de suspensão do pagamento da dívida. Acontece que é sabido que a realização de uma auditoria na mesma, ferramenta garantida também pela Constituição Federal, demonstraria o quanto o aumento de seu montante se deu através de operações financeiras questionáveis. De forma que, calculando-se o que já se gastou com a dívida, seria comprovado que ela já foi paga diversas vezes.

À PEC 55 Temer, Meirelles e o Congresso Nacional buscam somar agora a Reforma da Previdência, que reduzirá ainda mais os gastos do Estado, dessa vez com a aposentadoria e benefícios para a classe trabalhadora. A continuidade do crescimento do montante da dívida, independente do quanto se gaste com ela a partir do sacrifício de direitos básicos da população faz cair por terra o já desacreditado discurso do governo. E demonstra que parte central do debate sobre as saídas para a crise em que se encontra o país passa por uma verdadeira guerra em torno do fundo público. Para que uma minoria simplesmente para de parasitar e espoliar toda a nação.

Foto: Secretária do Tesouro Nacional afirmou, em vídeo, que aprovação da PEC vai trazer ganho de confiança e investimentos | Valter Campanato/Agência Brasil