A Resolução Normativa nº 017/CUn/97 de 30 de setembro de 1997 é o documento que regulamenta os Cursos de Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina. A 017 discorre sobre renovação, cancelamento e trancamento de matrícula; frequência e aproveitamento; arredondamento de notas; orientação para elaboração de currículos dos cursos; entre diversas outras questões centrais para o cotidiano estudantil e docente. Sendo assim, a Resolução é o principal documento institucional que rege as atribuições das coordenações de curso, departamentos e demais órgãos colegiados da universidade.
Levando em conta novas diretrizes nacionais da educação e modificações em regimentos internos da UFSC, uma comissão foi instituída em 2018 com o objetivo de apresentar uma proposta revisada e atualizada da 017. A comissão possui representação discente e, apesar das trocas de representantes ao longo dos anos, sempre tentou-se manter algum nível de acompanhamento dos trabalhos e disputar os rumos da nova resolução. Mesmo com o debate se desenvolvendo no interior da comissão nos últimos anos, a comunidade universitária segue pouco informada sobre as possíveis alterações e, consequentemente, apartada do processo de tomada de decisão dos rumos da 017.
Agora, após quase 5 anos da abertura dos trabalhos, a comissão apresenta uma proposta de reformulação da 017, que será assunto de uma Audiência Pública no início do mês de setembro, além de outros espaços de debate. O presente texto busca discorrer brevemente sobre o signo geral das alterações propostas, entrando de forma breve em alguns pontos de grande impacto no cotidiano discente, servindo assim como uma contribuição ao debate e um convite ao engajamento estudantil na disputa para que a UFSC, desde seu regimento interno, encampe a luta pela democratização do ensino superior.
Quais mudanças estão sendo propostas para a 017?
De forma geral, vemos que apesar de a nova proposta apresentar alguns avanços, a partir de definições que não estavam anteriormente especificadas no regramento da universidade, o signo geral da nova 017 é de risco à permanência dos estudantes. É importante apontar que essa vem sendo uma tendência observada nos processos mais recentes de reformulação de normas internas da universidade, com uma clara investida elitista bastante contraditória com a realidade estudantil e com os recentes avanços da luta pela ampliação do acesso à Universidade, exemplificados pela instituição das Cotas Trans na UFSC. Neste contexto, as disputas internas pelas representações discentes têm se tornado cada vez mais difíceis, com pouca abertura de fato para o debate.
É bastante marcado o caráter elitista e punitivista da nova proposta, que pode ser exemplificado por diversos pontos da resolução, como a penalização dos estudantes pela demora na digitação das notas por parte dos docentes; o impedimento de estudantes que apresentem falta disciplinar ou reprovação por FI de cumprirem funções de representação discente; a responsabilização do discente pelo acompanhamento de sua frequência, sem que essa venha acompanhada da exigência de que o docente mantenha o controle da frequência acessível e atualizado; entre tantos outros pontos que poderiam ser elencados.
Aqui, nos deteremos brevemente em três temáticas, que avaliamos ter o potencial de impactar um grande número de estudantes, quais sejam: 1) o novo formato do arredondamento das notas, 2) a manutenção das notas de disciplinas que o estudante foi reprovado no histórico escolar e 3) recusa da matrícula dos estudantes que tenham desempenho acadêmico ‘insuficiênte’.
Sobre o arredondamento das notas, exposto nos novos artigos 117 e 118, a proposta apresentada modifica o fracionamento das notas para uma casa decimal (anteriormente apenas 0,5), acabando com o arredondamento para cima das frações de 0,25 e 0,75. O que a modificação coloca, na prática, é a possibilidade de deixar de recuperação ou mesmo reprovar estudantes com uma nota de até 5,9, uma vez que estas não precisarão mais ser arredondadas, podendo impactar a graduação e o planejamento de vida de inúmeros discentes. Conhecemos bem a realidade de disciplinas, principalmente na área de exatas, em que o número de estudantes aprovados é mínimo e que a definição pela reprovação ou não se dá nas casas decimais. Não podemos instituir critérios mais rígidos de aprovação em disciplinas enquanto o debate não for acompanhado por uma maior adequação didática dos docentes e uma rediscussão sobre seus métodos avaliativos.
Ainda sobre a questão das notas, a modificação do artigo 143 também nos coloca uma preocupação. O que se está propondo é mudar a forma como aparecem as notas no histórico.
Atualmente, apenas as notas de aprovação são expostas enquanto, na nova proposta, poderiam aparecer tanto as notas de aprovação quanto as notas anteriores da disciplina, caso o estudante a tivesse cursado uma segunda vez. Novamente, o único sentido dessa mudança seria o de dificultar a vida dos estudantes, sem ter um objetivo claro.
Outro ponto que merece destaque é a recusa da matrícula de estudantes a partir de alguns critérios relacionados ao “desempenho insuficiente”. Destacadamente, o novo artigo 108 da 017 indica essa recusa da matrícula de estudantes que tenham reprovado a) em todas as disciplinas do semestre anterior; b) 4 vezes em uma mesma disciplina; ou c) mais de 20 vezes desde seu ingresso no curso. Conhecemos as diversas questões de saúde, trabalho, família, entre tantas outras que nos atravessam ao longo de um semestre e podem nos impedir de cursar as disciplinas com a dedicação que gostaríamos. Além disso, não podemos ignorar a perseguição por parte de professores a estudantes, que infelizmente é uma realidade. Essas medidas apenas contribuem com a expulsão de diversos estudantes da universidade, apresentando uma punição excessiva para as reprovações.
Qual o embasamento pedagógico das novas propostas? Em que as alterações contribuem para melhorar a qualidade do ensino na UFSC? As três alterações nos servem de exemplo para evidenciar o caráter elitista e punitivista que a nova proposta da 017 parece vir tomando, ignorando a realidade da grande maioria dos estudantes que moram longe da universidade e que, para além de estudar, trabalham. Não faz sentido, em um momento em que temos o aumento do número de jovens catarinenses entre 14 e 24 anos no mercado de trabalho (1), uma nova proposta para a 017 que ignore essa realidade e crie novos obstáculos na vida e experiência universitária dos estudantes.
Ampliação do acesso precisa ser acompanhada de política de permanência!
No último dia 8 de agosto foi aprovada a política de acesso, inclusão e permanência para pessoas trans, travestis e não binárias na UFSC. Essa decisão histórica é resultado do trabalho e da articulação do movimento trans, representado pela Rede Trans UFSC que foi a grande responsável por essa conquista. A política contempla graduação, pós e concursos públicos e, de maneira pioneira, reflete profundamente sobre a necessidade de que o acesso estudantil seja acompanhado por políticas de permanência e enfrentamento à transfobia dentro da instituição.
Além disso, no final do ano passado foi aprovada a Política de Enfrentamento ao Racismo Institucional, também conhecida como Resolução Antirracista da UFSC. Essa política representa um importante avanço em direção a uma universidade que valorize a permanência de estudantes pretos, pardos e indígenas, colocando o enfrentamento ao racismo e a valorização da cultura e dos conhecimentos africanos e afro-brasileiros como centrais na universidade. É nesse movimento de ampliação do acesso e especialmente da permanência de todes estudantes que a UFSC deve se alicerçar e, por isso, não podemos aprovar uma nova 017 com retrocessos que vão na contramão dessas importantes conquistas.
Como dito, ao longo das discussões da comissão para a reformulação da 017, as representações estudantis têm encontrado pouca abertura nas esferas de representação para disputar os rumos da nova proposta. Dessa forma, devemos nos apoiar na mobilização estudantil para garantir que essas medidas regressivas não sejam aprovadas. É papel do Movimento Estudantil da UFSC se apropriar desse debate, fazendo-o nas suas bases, levando os acúmulos dos CAs para os CEBs e lutando por uma universidade que reconheça a realidade da maioria dos estudantes. Não podemos ficar parados frente a possibilidade de aprovação de uma normativa que ataca e exclui diretamente uma grande parcela do corpo estudantil que já enfrenta diversas adversidades para permanecer na universidade. A UFSC deve ser para todes e é por essa universidade que precisamos lutar.
Notas
1 https://necat.ufsc.br/santa-catarina-atinge-maior-nivel-de-ocupacao-da-serie-historica-da-pnad-continua-no-2o-trimestre-de-2022/#:~:text=trimestre%20de%202022-
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