Por Bruna Sartori e Gleice Barros do ABC, SP.
Quando fomos ao cinema, não imaginávamos que o novo filme do diretor britânico, Ken Loach, iria ser tão impactante. O filme, que estreou nesta quinta (05) nos cinemas brasileiros, é uma pedrada na cabeça e no coração. Só de relembrar o filme dá vontade de chorar.
“Eu, Daniel Blake” é um retrato do Reino Unido dos pobres e marginalizados. É um retrato dos pacotes de austeridade. É um retrato fiel e contraditório do que há de mais podre nas políticas imperialistas e o de mais humano que resta em nós.
O filme conta a história de Daniel Blake que é afastado do trabalho após sofrer um ataque cardíaco. Todo o problema piora quando o Estado, diferente das recomendações dos médicos, afirma que Daniel tem plenas condições de retorno ao trabalho. A partir disso, o carpinteiro é obrigado a enfrentar uma batalha individual e cruel contra uma burocracia fria e cínica.
O personagem passa o filme todo tentando conseguir benefício financeiro, mas esbarra na burocracia do governo: Ele precisa provar em cada detalhe que passou 35 horas/semanais procurando emprego, precisa fazer um workshop sobre como fazer o currículo, cadastrar-se no sistema online, etc.
Acontece que Daniel é um senhor simples, que “só escreve com lápis” e não sabe sequer manusear um mouse. O problema então é que a burocracia estatal é assim por projeto, de propósito.
O filme não fala apenas disso. Aprofunde o olhar e você sairá do cinema pensando “O que é a vida? ”. O carpinteiro representa milhões de pessoas que precisam viver com o mínimo (sem falar dos bilhões que sequer isso tem) e retrata como a burocracia e o tratamento dado a ele o humilham, desesperam, e fazem com que ele perca aos poucos a sua dignidade.
Em entrevista ao El País, Loach, diretor do filme, explica:
O Estado deve apoiá-las, mas não quer ou não tem recursos. Por isso cria a ilusão de que, se você é pobre, a culpa é sua. Porque você não preencheu seu currículo direito ou chegou tarde a uma entrevista. Montam um sistema burocrático que te pune por ser pobre. A humilhação é um elemento-chave na pobreza. Rouba a sua dignidade e a sua autoestima. E o Estado contribui para a humilhação com toda essa burocracia estúpida.”
Mas ao mesmo tempo em que é barrado pelo sistema aos seus direitos e os benefícios de seguro desemprego/doença, Daniel Blake emociona ao ser um indivíduo humano, acima de tudo, e apesar de tudo. Solidário com os vizinhos imigrantes, Katie e seus filhos, que conhece na agência de seguridade e passa a adotá-los como uma família.
Aliás, a narrativa construída pelo roteiro e direção para contar também a história de Katie e seus filhos é outro ponto alto do filme.
E essa é a genialidade de Loach. Ao humanizar os personagens e a vida difícil que Daniel e Katie vivem, Loach mostrou quão desumano é o sistema. Para o Estado, Daniel era só mais um número como tantos outros trabalhadores na fila de espera por ajuda do governo.
O filme nos desperta diversas sensações: Raiva do sistema, da sua hipocrisia e como ele massacra e mata milhões de pessoas com seus procedimentos, falta de assistência, etc., amor por Daniel Blake e sua nova família, esperança por ainda ver a solidariedade entre os que precisam e uma garra enorme em superar os problemas e lutar contra o sistema, de alguma forma.
A vida é única, bonita e rápida. Não é para ser vivida sem saber se teremos comida amanhã, sem ter acesso a um médico, a educação, a arte, lazer, trabalho digno. É disso que trata o filme, acima de tudo.
Foto: Extraída da internet
Comentários