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CULTURA

Fascismo nunca mais, nem lá, nem cá, ó pá! Viva o 25 de abril!

Neste ano comemoram-se 49 anos da queda da ditadura portuguesa, então comandada por Marcelo Caetano

Por Michelangelo Torres, prof. do IFRJ

A Revolução Portuguesa, Revolução dos Cravos, como é conhecida, deslocou a ditadura fascista[1] que perdurava há quase meio século no país, 48 anos para ser preciso. Apesar de ser considerada uma revolução tardia, derrubou uma ditadura que reprimia as liberdades democráticas portuguesas e nas colônias africanas. Seu método foi a Frente Única!

Em Portugal, no dia 25 de abril de 1974 ruia a ditadura mais antiga do continente europeu. As bandeiras que se agitavam eram vermelhas, assim como as flores da estação, os cravos. Desde os anos 1920 Portugal vivia um regime fechado e antidemocrático, de inspiração fascista.

A revolução política solapou o que havia do salazarismo e abriu uma nova possibilidade histórica. Tratou-se de uma revolução fortemente influenciada pelas revoluções políticas africanas, destacando-se as lutas no continente africano pela independência (com centralidade para o papel da classe trabalhadora, sobretudo rural), os movimentos separatistas em Angola, Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Moçambique; mas que, em Portugal, assumiu as particularidades do centro urbano metropolitano (com destaque para o setor operário e juvenil) e no interior das forças armadas (em função do domínio colonial e o levante dos jovens capitães do MFA que absorveram os sentimentos populares) até se transformar em uma revolução contra a ditadura e a burguesia monopolista portuguesa. Ao fim e ao cabo, as ações de resistência em Portugal e nas colônias africanas abriram caminho de uma luta anticolonial à derrubada da ditadura, com possibilidades da afirmação de uma revolução anti-capitalista.

A revolução política contra a ditadura foi vitoriosa. Contudo, a revolução social que se abria entre 1974 e 1975 foi derrotada após o primeiro um ano e meio revolucionário. Se hoje Portugal ocupa uma posição subordinada na Europa e é um de seus países mais pobres do flagelo neoliberal europeu, isto se explica porque o avanço revolucionário contra o capitalismo português foi suspenso e não consolidou as perspectivas de uma revolução social mais ampla, diante da reação das classes proprietárias e seus aliados nas classes médias, sobretudo após o autogolpe de 25 de novembro de 1975 e as eleições presidenciais de 1976.

Como já se disse, foi uma revolução solitária. Não abriu um novo ciclo revolucionário europeu. Mas é preciso lembrar que em dezoito meses a revolução construiu um legado espetacular para a geração adulta dos anos 1970 naquele país. Controle operário e auto-gestão (com expropriação e nacionalização dos bancos e grandes corporações empresariais), fuga da burguesia lisboeta, assembleias livres e ocupações operário-estudantis generalizadas, projetos políticos libertários na ordem do dia: um processe de ascenso organizativo e o protagonismo da classe trabalhadora. Era a força do povo contra os ditames da ordem. Naquele biênio, pode-se dizer, Portugal foi o país mais livre do mundo. Não obstante, os estudantes e os trabalhadores, em unidade, não conseguiram mudar tudo. Mas a revolução os modificou certamente pelo resto de suas vidas. É preciso que se cumpra plenamente o abril português. A história nos mostra que revoluções sociais são possíveis. Viva a Revolução dos Cravos! Viva o Socialismo!

Recentemente, às vésperas do 25 de abril de 2023, o cantor e escritor brasileiro Chico Buarque de Holanda recebe o prêmio Camões, o mais importante da literatura portuguesa, apenas quatro anos após ter ganhado a premiação. A demora da solenidade se deu em função do ex-presidente Bolsonaro – um neofascista apoiador de ditaduras fascistas – ter se recusado a assinar a documentação necessária para a concessão do prêmio ao emblemático artista da esquerda brasileira. “Conforta-me lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu prêmio Camões, deixando espaço para a assinatura do nosso presidente Lula”, destacou o artista.  Lembrando, uma de suas canções fortemente influenciadas pela revolução portuguesa, “Tanto Mar” – afinal a Revolução dos Cravos teve profundo impacto na vanguarda do Brasil, que vivenciava uma ditadura militar protofascista: “Foi bonita a festa, pá… guarde um velho cravo para mim”.

Deixo aqui, o hino-senha, “Grândola, Vila Morena” (de composição do músico comunista Zeca Afonso) daquela que é, para mim, uma das mais apaixonantes lições da história. Afinal, tudo pode ser subvertido quando um processo revolucionário se coloca em movimento e quando a classe trabalhadora toma para si as rédeas do processo histórico e se dirige contra os poderes do Estado e da ordem. O povo é quem mais ordena! Este é o principal significado da revolução portuguesa. Viva o 25 de abril.

Como afirmou um colega brasileiro vivendo em Portugal, “Fascismo nunca mais, nem lá, nem cá, ó pá!”.

[1] O regime ditatorial português que iniciou com o golpe de Estado articulado pelos militares inaugura o período do Estado Novo, tendo Antônio de Oliveira Salazar à frente do governo durante 35 anos.
Michelangelo Torres é professor de Sociologia do IFRJ

 

 

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