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MUNDO

Alguns acertos do governo Petro e Francia na Colômbia

David Cavalcante, de Recife (PE)

A Colômbia foi um dos países que mais viveu ondas de mobilizações sociais, na América Latina, entre os anos 2019 e 20211. Como se fora verdadeiros tsunamis de lutas coletivas, ocorreram greves gerais, bloqueios de estradas, lutas indígenas, operárias e camponesas, dos movimentos negros, da juventude e das mulheres, não sem dezenas de vítimas fatais que tiveram suas vidas ceifadas naquelas jornadas.

Tanta opressão e insatisfação social de pelo menos 3 décadas, confluíram depois numa estupenda vitória democrática que foi a histórica eleição da Chapa Petro/Francia2, um ex-dirigente da Guerrilha M-19 e uma líder dos movimentos negros colombianos, cujo governo neste abril completaram 8 meses do primeiro presidente e vice com origens nas esquerdas daquele país.

Os desafios, resultante de uma vitória presidencial com uma minoria parlamentar da coalisão denominada Pacto Histórico, associados a uma estratégia de governo com amplas sinalizações aos setores das classes dominantes, incluído aí o uribismo3, em prol de um ciclo de desenvolvimento nacional e produtivo com concessões sociais, nos marcos do capitalismo, logo tenderiam a assumir grandes proporções e gerariam novos conflitos.

A situação se evidencia ainda mais complexa quando buscamos contextualizar um país com histórico de mais de 50 anos de guerra civil, movimentos guerrilheiros, grupos paramilitares de extrema direita, setores econômicos e políticos com profundas relações com o mundo do narcotráfico. Além da existência de fortes vínculos econômicos, diplomáticos e militares com os governos imperialistas dos Estados Unidos e órgãos da repressão militar e de inteligência ligados ao Departamento de Estado Americano e CIA.

Mas mesmo ante tais desafios, o atual governo colombiano, tem mobilizado importantes setores sociais e apostado em alguns projetos ousados para o que havia de herança neoliberal e Estado policial anterior. Além da reforma da estrutura ministerial, que criou por exemplo a criação do Ministério da Igualdade, que é chefiado pela Vice-Presidente, Francia Márquez, iniciou importantes políticas e projetos, por exemplo, relacionados às relações exteriores afirmando a soberania nacional, o Plano de Paz Total com os movimentos guerrilheiros remanescentes (ELN, dissidência das ex-FARC, etc), o projeto de reforma trabalhista e da previdência, reforma da saúde, reforma tributária e reforma agrária são alguns temas de destaque.

Medidas efetivas

Destaque-se que Petro quebrou um grande mito que predomina nas narrativas das esquerdas quietistas cujas narrativas sempre exaltam a suposta intocabilidade da cúpula das forças armadas em exercício. Pois bem, já no início de governo, ainda em agosto, sem deixar a poeira das teorias conspirativas levantar, o novo governo de uma só tacada trocou a cúpula militar determinando que um grupo significativo de oficiais das três Forças Armadas e da Polícia Nacional passassem para a reserva, antes do tempo previsto na regra de antiguidade. Foram pelo menos 70 generais levados à reserva (aposentados). Além disso, substituiu todos os Comandos de todas as forças armadas e do Estado Maior.

Outros dois temas que merecem evidência estão na política exterior e no projeto de reforma trabalhista onde tem demonstrado igualmente uma inflexão em relação aos governos anteriores. Um dos grandes acertos do governo Petro/Francia foi a ruptura com a linha do seu antecessor, Ivan Duque, que assumia a função de cão de guarda da OEA e dos EUA no Cone Sul, no tema das relações com a Venezuela. As relações comercial e diplomáticas com a Venezuela foram reatadas.

Em 26 de setembro de 2022, houve a reabertura da fronteira com Venezuela, pela via da ponte binacional que une as cidades de Cúcuta (Departamento de Norte de Santander, Colômbia) e Ureña (Estado de Táchira, Venezuela), que já tinha 7 de anos de fechamento parcial e 3 anos de fechamento total. Finalmente, no dia 1 de novembro, após anos de ruptura diplomática, um Presidente colombiano visitou oficialmente o governo da República Bolivariana da Venezuela, na Casa Presidencial daquele país, o Palácio de Miraflores dirigida pelo Presidente Nicolás Maduro.

As relações diplomáticas e comerciais entre os dois países irmãos haviam sido rompidas desde 2019, quando num ápice para tentar deslegitimar o governo de Maduro, o então presidente Duque reconheceu o golpista, Juan Guaidó, como presidente “interino”. A Colômbia também havia sido base para várias ações hostis contra a Venezuela, com boicotes, provocações e utilização do território colombiano, patrocinados pelos grupos opositores da direita, a serviço de ações terroristas e campanhas falsamente “humanitárias” para tentar invadir e desestabilizar o governo da Venezuela.

Por outro lado, junto com os governos do México, Argentina e Bolívia, o atual governo colombiano se pôs nitidamente ao lado da defesa da democracia ante o processo golpista peruano que destituiu o governo do Professor Castillo. A carta assinada pelos referidos governos, ao contrário do posicionamento de Lula, convocou:

Não é novidade para o mundo que o presidente Castillo Terrones, desde o dia de sua eleição, foi vítima de assédio antidemocrático, em violação ao artigo 23 da Convenção Americana de Direitos Humanos, o ‘Pacto da Costa Rica’, aprovado em 22 de novembro de 1969, para posteriormente ser objeto de tratamento judicial da mesma forma, em violação ao artigo 25 da referida convenção… Nossos governos convocam todos os atores envolvidos no processo anterior a priorizar a vontade dos cidadãos que se manifestou nas urnas. É a forma de interpretar o alcance e os significados da noção de democracia contida no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Exortamos os que compõem as instituições a absterem-se de contrariar a vontade popular expressa com o sufrágio livre”

O outro tema de fortes repercussões internas para a classe trabalhadora é o enfrentamento ao tema da precarização do trabalho. Além do aumento inicial do salário mínimo em 16% , o governo Petro apresentou um projeto de reforma trabalhista cuja mobilização em apoio ao governo foi convocada pelas centrais sindicais, neste 16 de março, pela CUT, CTC, CGT e outras entidades sindicais, em seis capitais do país, Bogotá, Medellin, Cali, Barranquilla, Bucaramanga e Pereira.

O projeto de Petro, se aprovado pelo Congresso, poderá recuperar uma parte significativa do que foi perdido nas contrarreformas neoliberais trabalhistas (Lei 50 e Lei 789), principalmente nos governos Gaviria (1990-1994) e Uribe (2002-2010). Prevê-se uma relativa estabilidade trabalhista, buscando a contratação por tempo indeterminado como modelo predominante de contrato de trabalho. Nenhum trabalhador poderá ser dispensado de forma imotivada, nem trabalhadores com funções sindicais, chefes de família, portadores de deficiência, trabalhadoras estatais gestantes, entre outros casos.

Os empregadores principais responderão judicialmente pela subcontratação de força de trabalho. Os trabalhadores que exercem atividades permanentes e subordinadas em empresas públicas e privadas não poderão ser enquadrados em qualquer outra modalidade de contratação que pretenda burlar o vínculo trabalhista, como por exemplo, prestação de serviços.

O pagamento das horas extras serão readquiridos com a majoração de 100% sob o valor da hora normal nos domingos e feriados. Importantíssimo! A jornada semanal de trabalho normal prevista será de 40 horas, modelo que deveria servir de exemplo ao governo Lula.

Estão previstos direitos para o exercício da atividade sindical, com garantias de licenças sindicais obrigatórias e o acesso dos dirigentes sindicais a todas as áreas de trabalho, além de acesso aos meios de comunicação interno das empresas. O direito de greve será ampliado, inclusive no setor de serviços públicos essenciais, podendo uma greve ultrapassar mais de 60 dias.

Nos próximos artigos, abordaremos outros pontos como economia e limites dos projetos das reformas da saúde e previdência, a reforma tributária, além dos tropeços encontrados pelo governo Petro/Francia em um dos seus principais eixos do seu programa que é o Plano de Paz Total com os movimentos guerrilheiros ainda existentes no país, como o Exército de Libertação Nacional-ELN, que sofreu um recente revés em vista de um ataque de uma das frentes do Exército de Libertação Nacional (ELN) a uma base do Exército, na zona rural do município de El Carmen, departamento de Norte de Santander, no nordeste da Colômbia, o qual deixou nove militares mortos – sete soldados e dois suboficiais – além de oito feridos.

David Cavalcante é cientista político e da Editoria Mundo do EOL

 

1 https://esquerdaonline.com.br/2020/02/13/a-nova-situacao-politica-na-colombia/
2 https://esquerdaonline.com.br/2022/06/21/a-vitoria-da-esperanca-na-colombia/

3 https://esquerdaonline.com.br/2020/09/10/a-crise-do-governo-colombiano-e-a-prisao-do-direitista-alvaro-uribe