Ernest Mandel nasceu no dia 05 de abril de 1923, em Frankfurt, mas cresceu na Bélgica. Mandel foi um dos raros casos de uma figura histórica com grande talento para elaboração política e teórica, combinado com uma atuação duradoura e dirigente no movimento revolucionário. Seja como intelectual ou como dirigente, Mandel sempre destacou-se entre os seus. É importante aproveitarmos a comemoração dos 100 anos do seu nascimento para rememorar, mesmo que de forma breve, suas contribuições na luta de classes e para a elaboração da teoria revolucionária.
No campo da teoria, Mandel destacou-se no estudo da economia e na análise aprofundada das dinâmicas do capitalismo contemporâneo. Sua maior contribuição talvez tenha sido a obra “O Capitalismo Tardio” (1972), considerada por muitos sua magnum opus. Nesta obra, Mandel faz uma análise do capitalismo desde o século XIX até os anos 1970. Para ele, estaríamos na terceira fase do capitalismo — o capitalismo tardio — caracterizado pelo surgimento de grandes corporações multinacionais, uma profunda concentração de capital, um maior papel do Estado na regulação da economia, uma maior interdependência econômica entre as nações, a crescente destruição da natureza e um aumento do imperialismo. Além dessa importante produção no campo da economia marxista, Mandel também escreveu diversas outras obras que visavam a elaboração e divulgação do marxismo, como: “Tratado de Economia Marxista” (1967), “A Formação do Pensamento Econômico de Marx” (1968), “Teoria Marxista do Estado” (1969), entre outros.
Apesar de ser um destacado teórico, a função que Mandel exerceu com mais paixão e duração na sua vida foi a de militante e dirigente revolucionário. Infelizmente, a historiografia oficial de diversos momentos cruciais da luta de classes do século XX omite o papel que Mandel desempenhou. Pouco se fala sobre a relação próxima de Mandel com Che Guevara, e o papel que seus trabalhos sobre economia tiveram na compreensão do revolucionário argentino durante seu tempo como ministro. Menos ainda é dito sobre a amizade e influência que Mandel exerceu sobre figuras como Rudi Dutschke, o grande dirigente do 1968 alemão, e que foi amigo íntimo de Mandel. Ainda sobre 1968, é preciso destacar o papel de referência política e ideológica que Mandel teve para uma grande parcela dos revoltosos estudantes franceses durante o maio daquele ano. Mais do que apenas um ideólogo do processo, Mandel participou ativamente das barricadas do maio francês e esteve ombro a ombro com Daniel Bensaïd, Daniel Cohn-Bendit, Alain Krivine e outras lideranças do movimento. Desde sua juventude, quando aderiu ao movimento de resistência ao nazismo, até seus últimos dias, Mandel foi um importante combatente da luta de classes.
Podem existir várias razões para a participação de Mandel ser “esquecida” em relação a esses processos. Mas uma gritante —- a mais política —- não pode ser ignorada: Mandel era um dirigente trotskista. Comprimido entre a história oficial burguesa e a história oficial soviética da época, o movimento trotskista é frequentemente esquecido na sua participação nos grandes eventos históricos. É bem verdade que, historicamente, o trotskismo sempre foi uma corrente minoritária no movimento socialista, o que não quer dizer que tenha sido uma corrente sem importância. Pelo contrário, os trotskistas estiveram sempre envolvidos nas principais batalhas da luta de classes. Mandel esteve, durante praticamente toda sua vida adulta, à frente da Quarta Internacional, sendo um dos seus principais dirigentes históricos. Falar da história do trotskismo é, inevitavelmente, falar da história de Mandel. Tanto nos acertos, quanto nos erros.
Munido de uma compreensão aberta do marxismo, Mandel foi capaz de dialogar com figuras e teorias fora do “dogma” de sua tradição, lhe permitindo uma elaboração sempre renovada e atualizada para os desafios do seu tempo. Tal disposição intelectual e política permitiu a Mandel acompanhar os fenômenos e novas dinâmicas da luta de classes, sempre atento ao desenvolvimento das lutas feminista, racial, ecológica e de outros pontos de partida que, por muito tempo, foram secundarizadas pelo movimento socialista em termos mais gerais. Isto permitiu ao movimento trotskista manter-se relevante no decorrer das décadas e aparecendo como uma alternativa para as novas gerações de militantes. Por óbvio, os méritos de todo um movimento e tradição não podem ser resumidos a um dirigente apenas, mas Mandel foi parte importante dessa dinâmica.
De todo modo, sua força também indicava sua fraqueza. Mandel foi um dirigente afeito aos fenômenos. Como dizia Moreno, principal adversário político de Mandel dentro do trotskismo, Mandel era acometido constantemente por um “impressionismo”. Isto é, a força dos fenômenos políticos de cada momento acabavam exercendo uma forte impressão em Mandel que, então, tendia a inclinar-se na sua direção. Talvez o exemplo mais marcante dessa questão tenha sido a adesão, mesmo que crítica, de Mandel à uma lógica guerrilherista durante os anos 1960 e 1970, muito em voga na esquerda em geral e que exerceu forte influência em uma parcela do trotskismo internacional. Tal posição ocasionou em grandes derrotas e teve duro impacto no movimento trotskista.
Entre erros e acertos, é indiscutível o papel histórico de Mandel. Um abnegado dirigente, um talentoso intelectual e um fervoroso crente na vitória do socialismo. Michael Löwy costuma dizer que na famosa fórmula gramsciana sobre “o pessimismo da razão e o otimismo da vontade”, Mandel sempre pesou muito mais a mão no otimismo. Isto é reflexo na confiança total que Mandel sempre teve no potencial revolucionário da classe trabalhadora e dos povos oprimidos diante das mazelas do capitalismo. Que possamos nos inspirar em Mandel, reconhecendo na sua história as lições que suas vitórias e derrotas nos deixaram. Mandel é parte da história da luta da classe trabalhadora, do socialismo, nossa.
Viva Mandel!
* Matheus Hein é mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
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