A semana foi agitada no mercado financeiro global. Mais uma vez, a crise provocada pela insolvência de importantes bancos deixou investidores e governos com a respiração em suspenso.
Tudo começou no domingo passado, com a determinação de recuperação judicial e liquidação de ativos (de fato, falência) do Silicon Valley Bank (SVB), um banco especializado em startups de tecnologia e que, como todos os outros bancos, se dedica à especulação com títulos privados e governamentais. O SVB figurava nas listas especializadas como 16º banco norte-americano em volume de ativos (depósitos), e sua falência é a segunda maior da história dos Estados Unidos, perdendo apenas para a quebra do Washington Mutual em 2008, devido à crise do subprime.
A crise do SVB explodiu por uma série de motivos bastante difíceis de serem explicados tecnicamente. Mas basicamente o que houve é que o banco tinha a maior parte de seus ativos (recursos concretos) aplicada em títulos do tesouro norte-americano de médio e longo prazo, que são mais seguros e lucrativos. Por outro lado, seus passivos (suas obrigações financeiras) eram de curto prazo. Isso gerou uma desequilíbrio nas contas, que começaram a vencer, sem que o banco pudesse honrá-las. Somado a isso, houve uma queda nos depósitos de startups, o que acelerou o processo de insolvência e acabou desencadeando a falência.
Praticamente no dia seguinte, foi determinada a intervenção federal no Signature Bank, um importante banco regional norte-americano. Aqui já apareceu a clássica ideia de que os lucros no capitalismo devem ser privados porque são, supostamente, mérito do capitalista. Já os prejuízos, quando acontecem, devem ser socializados com toda a sociedade, dada a importância econômica e social da atividade bancária. A operação do Signature Bank foi assumida pelo Federal Deposit Insurance Corporation (Fundo Garantidor de Crédito dos EUA – FDIC), uma instituição pública que resgata, com dinheiro público, bancos privados.
Evidentemente, a coisa começou a ficar feia e a ansiedade (mais do que nervosismo, menos do que pânico) começou a se instalar no mercado financeiro norte-americano. Foi aí que Biden entrou em cena e declarou que nada ameaça o sistema bancário norte-americano, cuja liquidez está totalemente garantida por um forte sistema regulatório. Biden garantiu ainda que nenhum cliente de nenhum banco será prejudicado e que todos poderão ter acesso ao seu dinheiro quando quiserem. Prometeu também uma regulação ainda mais rígida e, referindo-se aos investidores, disse que estes sim perderão dinheiro porque fizeram escolhas erradas e que é assim que o capitalismo funciona. Veremos…
Na quarta-feira foi a vez do Credit Suisse, uma instituição considerada das mais sólidas do mundo, fundada nada menos do que em 1856 e com uma larga história no capitalismo mundial.
O caso todo aconteceu porque o Credit Suisse tornou pública a informação de que um de seus principais acionistas, o Saudi National Bank (sim, devemos lembrar que sob o capitalismo sociedades por ações são acionistas de sociedades por ações, que por sua vez podem ser acionistas de outras sociedades por ações e assim sucessivamente, gerando o oligopólio, que é carinhosamente chamado de “livre mercado”), pois bem, que o Saudi National Bank não poderia aumentar a sua participação acionária (investir dinheiro) no Credit Suisse por questões regulatórias. O tema é importante porque o SNB havia se comprometido a investir 1,5 bilhão de francos suíços (US$ 1,5 bilhão) no Credit Suisse após ter adquirido 10% de participação na instituição no ano passado por meio de um aumento de capital. Esse tão sonhado investimento do SNB aumentaria em muito a liquidez do Credit Suisse e daria um novo fôlego ao banco. A notícia caiu mal no mercado e surgiram rumores de que o Credit Suisse não conseguiria honrar parte de seus compromissos.
O resultado foi um clássico do gênero. As ações do Credit Suisse caíram nada menos do que 20% na quarta-feira, o que iniciou uma onda de desvalorizações em outros bancos europeus, cuja queda chegou a 10%. é preciso lembrar também que as coisas já não estavam muito boas para os bancos europeus. Na sexta-feira passada, importantes bancos do continente como HSBC, Deutsche Bank, Barclays, Unicredit e Commerzbank registraram perdas de 2,6% a 7,4% em suas ações. No que diz respeito ao próprio Suisse Credit, este já vinha de um quinto prejuízo consecutivo em suas contas, o que aumentou ainda mais a sensação do mercado de que o banco é administrado por um chimpanzé nervoso. Para se ter uma ideia, recentemente, duas empresas deram ao Credit Suisse um prejuízo de US$ 15 bilhões ao falirem após tomarem recursos do banco. As investigações mostraram que houve falhas na análise de riscos por parte da instituição suíça. Ou seja, como dizia a minha vó, o olho foi maior que a barriga. Resultado: os papéis do Credit Suisse despencaram 30,8%, o que levou a uma queda de 7% no índice bancário europeu.
Enquando acompanhamos o desfecho da crise nos Estados Unidos e Europa, começam os debates sobre as possíveis consequências da quebradeira no mundo em geral e no Brasil em particular.
Ao que tudo indicado, a crise do SVB não deve afetar fortamente o Brasil, pelo menos em curto prazo, dada a baixa exposição das instituições brasileiras ao banco norte-americano. Já com o Credit Suisse a coisa é mais complicada, as relações são mais estreitas e será preciso esperar os próximos dias para ver.
É verdade que o mundo inteiro e também o Brasil estão mais preparados do que em 2008 para enfrentar uma nova crise financeira. Novos mecanismos de controle e regulação foram criados, mecanismos estes que inexistiam naquele então e que hoje mitigam os efeitos de uma possível queda abrupta no valor dos papéis.
Mas a verdade é que a maior garantia, o grande bote salva-vidas do sistema financeiro mundial e brasileiro segue sendo o dinheiro do povo. Nas discussões dos últimos dias tem se falado muito da “solidez” do sistema bancário brasileiro. É verdade. Mas em que se baseia essa solidez? Na expeculação em cima de juros exorbitantes que promovem o enriquecimento de meia dúzia de bilionários, enquanto impedem o desenvolvimento econômico nacional. Além disso, caso tudo dê errado, não vai faltar dinheiro do Banco Central para mais um “resgate”, dada a “importância econômica” dos bancos.
Ora, se o sistema financeiro é tão importante social e economicamente, se tantas vidas e tantas produções dependem dele, então por que ele não está nas mãos do Estado? Se alguém resolve falsificar uma nota de 50 reais vai para a cadeia. Mas os bancos criam dinheiro falso todos os dias, gerando papéis em cima de papéis em cima de papéis. São máquinas legalizadas de falsificar dinheiro. Só que eles falsificam bilhões e bilhões. E quando a pirâmide de falsificações desaba porque as pessoas “deixaram de acreditar” (sim, esse é o nível de fragilidade do sistema), os pobres pagam com o dinheiro do Tesouro Nacional e do Banco Central.
Nenhuma crise capitalista é “a crise final”. O capitalismo não vai morrer de causas naturais. Tampouco as crises são necessariamente boas para o movimento de massas, como acreditam algumas organizações de esquerda. Está aí a crise de 2008 que não nos deixa mentir: gerou a crise de refugiados, o ressurgimento do fascismo e outras tragédias que até já esquecemos. Nem sempre as crises geram ascensos das lutas. Às vezes, ao contrário, geram frustração e desmoralização na classe trabalhadora.
O que as crises sim sempre fazem é mostrar a irracionalidade do sistema capitalista, seu caos disfarçado de ordem complexa. E isso é levado à máxima potência no sistema financeiro. Parecem senhores respeitáveis, mas não passam de ganaciosos sem limites gerando dinheiro no computador, sem criar uma única nova riqueza.
É hora da esquerda voltar a discutir a estatização do sistema financeiro. E tudo começa com uma forte regulamentação do setor. É preciso parar a máquina de fazer dinheiro falso em cima de dinheiro falso. O sistema bancário deve servir ao progresso nacional, fomentar o desenvolvimento econômico, social e científico e a preservação do meio ambiente. Basta de enxergar as crises como parte da paisagem natural. Não são. Não podemos nos acostumar com a ideia de que a cada 7 ou 8 anos perdemos todas as conquistas do período anterior porque é preciso estancar a crise gerada por um sistema irracional.
O socialismo tem sido apresentado como um sistema fadado ao fracasso por sua regulação supostamente excessiva. Em contraposição, o capitalismo se postula como racional. Cada crise capitalista demonstra que trata-se exatemente do oposto. Somente a racionalidade do planejamento socialista pode salvar o mundo da destruição irracional das bombas nucelares, da mudança climática e – Deus nos livre sobretudo – dos bancos.
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