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BRASIL

O que significou o aumento de preços pela Petrobras?

Para entendermos melhor o cenário e o que induziu a Petrobras a elevar preços, trataremos neste artigo sobre a nova política de preços da Petrobras e como a questão do desabastecimento e das importações é um tema chave para compreendermos o que ocorreu.

Eric Gil Dantas, economista do IBEPS - Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Como todos os leitores já sabem, a Petrobras aumentou o preço da gasolina e diesel na semana passada em R$ 0,41 e R$ 0,78, respectivamente. Isto não ocorria desde janeiro deste ano para a gasolina e desde junho de 2022 para o diesel S-10. Mas não era este o comportamento esperado por muitos, dado o fim do PPI.

O que é a nova política de preços?

No comunicado de 16 de maio de 2023, onde descrevia a nova política de preços, a Petrobras afirmou que: “A estratégia comercial usa referências de mercado como: (a) o custo alternativo do cliente, como valor a ser priorizado na precificação, e (b) o valor marginal para a Petrobras. O custo alternativo do cliente contempla as principais alternativas de suprimento, sejam fornecedores dos mesmos produtos ou de produtos substitutos, já o valor marginal para a Petrobras é baseado no custo de oportunidade dadas as diversas alternativas para a companhia dentre elas, produção, importação e exportação do referido produto e/ou dos petróleos utilizados no refino”. Isto é, a própria descrição da nova política afirma que a estatal leva em conta o fator preços internacionais, o qual está especificado no ponto B. Tampouco seria verdade afirmar que ela considera o preço internacional como fazia o PPI, simplesmente a simulação de uma importação.

Para compreender o que de fato é a nova política de preços temos que olhar também para o ponto A. Nele a Petrobras diz que ofertará preços melhores do que o da concorrência, o que de fato está acontecendo.

Como podemos ver no gráfico 1, após o fim do PPI (17/05/2023) a Petrobras vendeu sistematicamente a gasolina com preços abaixo da concorrência, muito mais do que no período anterior. De 1/12/2021, data do início da operação da primeira refinaria privada, até o fim do PPI (16/05/2023) a Petrobras vendeu gasolina 4,6% abaixo da média da Acelen, Ream e 3R. Desde o início da nova política (17/05 a 21/08), esta média foi para 8,6%. E hoje, 21/08, está em 10,5%.

Gráfico 1 – Preço diário da Gasolina A vendida pela Petrobras e a média das refinarias privadas (Acelen, Ream e 3R)

Fonte: Petrobras; Acelen; Ream; 3R

Para o diesel S-10 a diferença é ainda maior. Durante o período do PPI a Petrobras vendeu o combustível 1,5% mais barato do que a concorrência. A partir da nova política, a média foi de um diesel 10,2% mais barato. Hoje a diferença está em 9%.

Gráfico 2 – Preço diário do Diesel S-10 A vendido pela Petrobras e a média das refinarias privadas (Acelen e Ream)

Fonte: Petrobras; Acelen; Ream

Mas como disse anteriormente, a Petrobras também não repete o PPI. Utilizando-se dos dados da ABICOM, temos que desde o dia 17/05/2023, a Petrobras vendeu gasolina 13% abaixo do PPI e diesel s-10 12% abaixo do PPI. Para hoje, 21/08, a Petrobras estaria com gasolina e diesel 11% e 13%, respectivamente, abaixo do PPI.

Em síntese, a nova política de preços da companhia está sim fazendo com que ela venda preços abaixo da concorrência e do PPI, mas isto não quer dizer que ela “abrasileirou” os preços, pois ainda mantém uma relevante conexão com preços internacionais. Mas é importante deixar claro que sempre abaixo do PPI.

A chantagem via importações

Mas o que pudemos enxergar nestas últimas semanas é que a pressão para que esta conexão não se perca está vindo de importadores de combustíveis e do mercado financeiro. É notório que a Petrobras, ao subir os preços na semana passada, simplesmente cedeu a pressão destes dois agentes privados. Mas também é verdade que a pressão se deu também no campo material, com articulação de importadores, distribuidores e revendedores para dificultar a oferta do produto ao consumidor final. Apesar de não ter faltado sistematicamente nos postos, as distribuidoras e revendedoras tiveram um certo grau de dificuldade para garantir o diesel na bomba (como a importação de gasolina é inferior a 10%, o poder de boicote é menor).

Ainda não temos dados oficiais para interpretar fielmente o que aconteceu. O que dá para saber é que sim, as importações de combustíveis em julho e agosto (para as três primeiras semanas) caíram 24% e 48%, respectivamente, quando comparado ao ano passado. Mas também é verdade que o Brasil produziu 6% a mais de gasolina e diesel no primeiro semestre deste ano se comparado ao mesmo período do ano anterior (o dado mais atualizado para isto ainda é o de junho/2023), o que diminuiria a necessidade de importação.

De qualquer forma, no curtíssimo prazo (sem considerar aqui aumento de produção, expansão do parque de refino ou reestatização de ativos no refino e distribuição) a Petrobras só terá plena liberdade para cobrar os preços que ela quer e pode, sem que seja vítima de campanhas difamatórias e de boicotes de importadores, se ela reassumir o papel de garantidora do suprimento de combustíveis do país, importando aquilo que não consiga produzir.

Isso é indiscutivelmente a melhor fórmula para a economia brasileira. As privatizações e desorganizações feitas no setor de petróleo e gás tiveram por objetivo, dentre várias outras coisas, retirar poder de mercado da Petrobras. Se o programa privatista fosse ainda mais exitoso e a Petrobras não tivesse mais um grande parque de refino, o “mercado” teria que escolher seus preços ótimos para que eles ofertassem seus produtos em todo o território nacional. Preços ótimos aqui seriam o que já estão ocorrendo no RN, BA e AM, isto é, preços 10% superiores ao da Petrobras, e até mesmo superiores aos preços de importação. Hoje, por exemplo, a REAM está vendendo gasolina 30 centavos acima do PPI e o diesel S-10 20 centavos acima. Essa é a “eficiência” do mercado privado.

Não estou querendo isentar a direção da Petrobras. A estatal cedeu, e não precisava ceder. Mas se ela não reassumir o total das importações (no curto prazo), assim como se não retomar os investimentos para expansão do parque de refino (no médio e longo prazo), o poder de barganha e de chantagem de importadores e do mercado financeiro, invariavelmente, serão enormes para enquadrar não só a Petrobras, mas toda a opinião pública, a favor de novos aumentos nos preços dos combustíveis e de retomada de uma política de preços que reproduza as necessidades do mais ineficiente dos importadores brasileiros.