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BRASIL

Como a maior taxa real de juros do mundo sangra o país e prejudica o povo

Gabriel Casoni, de São Paulo (SP)
Notas de 100 e 50 reais
Lucas Miranda por Pixabay

A gritaria na Faria Lima é ensurdecedora. A grande imprensa, partidária dos bancos e dos rentistas de modo geral, soa as trombetas do apocalipse. Acusado de blasfêmia, Lula é apedrejado em praça pública pelo suposto pecado mortal. Afinal, o presidente ousou questionar a sacrossanta autonomia do Banco do Central (BC) e o presidente da instituição, Campos Neto, responsável pelo estabelecimento da maior taxa real de juros do planeta. O petista estaria, dessa maneira, lançando a economia no mar da irresponsabilidade fiscal, abrindo portas ao descontrole inflacionário e provocando a quebra de confiança dos investidores.

O problema aos fiéis da religião liberal é que, os fatos, teimosos como são, desmentem o tal mercado e sua imprensa paga. Descontada a inflação anual, a taxa de juros reais do Brasil é de 7,38%, maior do que em qualquer outro país. E não há nenhum argumento sólido que justifique esse patamar abusivo. Se não vejamos.

Argumentos falsos para justificar o assalto

A inflação anual medida pelo IPCA ficou em 5,79% em 2022. Em 2021, o índice foi de 10,08%, Ou seja, houve redução expressiva da inflação ao longo do último ano. O último boletim Focus, do BC, divulgado na segunda (6), prevê alta da 5,78% do IPCA em 2023. Quer dizer, a inflação tende a permanecer no mesmo patamar de 2022. Em âmbito internacional, verifica-se diminuição das pressões inflacionárias no início desse ano, relativamente a 2022.

Observa-se que a taxa de juros do BC (SELIC) permanece em patamar estratosférico (13,75%), apesar do recuo da inflação de quase 50% em 2022 e do fato de que não há previsão de elevação do índice do IPCA em 2023, segundo o próprio Banco Central. Em outras palavras, a taxa de juros subiu aceleradamente com a justificativa de conter a inflação crescente, mas quando a inflação decaí de modo significativo, a taxa SELIC mantém-se inalterada. Quanta incoerência!

Mas se o argumento da inflação demonstra-se falacioso diante das evidências, poderia-se apresentar a justificativa da deterioração do quadro fiscal. Mas tampouco essa narrativa se sustenta. Em 2022, houve superávit de R$ 126 bilhões, equivalente a 1,3% do PIB. A dívida pública bruta, que supostamente estaria em trajetória explosiva, caiu 1,1% em proporção do PIB, para 73,5%. A dívida pública brasileira está em nível semelhante aos dos demais países considerados em desenvolvimento. E há vantagem nosso caso, pois toda nossa dívida está em moeda nacional. Além disso, o país tem 20% do PIB em reservas internacionais. A PEC da Transição, que garantiu o Bolsa Família de R$ 600 e outros investimentos sociais emergenciais, implicará, no máximo, elevação da dívida bruta do país de 74% para 78%. Verifica-se, assim, que o cenário real passa longe do colapso fiscal anunciado com alarmismo na grande imprensa.

A quem interessa manter os juros nas alturas?

Quanto maiores os juros, mais caras ficam a rolagem da dívida pública e a tomada de empréstimo financeiro por pessoas físicas e jurídicas. Por esse mecanismo há a drenagem de recursos para o bolso dos banqueiros e detentores da papéis do Tesouro, os quais, em sua grande maioria, estão nas mãos de fundos de investimentos, bancos e mega especuladores.

Com a taxa SELIC nas alturas, estima-se que os gastos com os juros da dívida pública consumirão cerca de R$ 800 bilhões de reais do governo em 2023. No ano passado, foram gastos R$ 586,4 bilhões exclusivamente com pagamento de juros. Desse modo, foi transferido um oceano de dinheiro para os cofres de uma pequena elite rentista, a mesma que pressiona, ameaça e chantageia com o caos para manter a SELIC na lua. O mercado financeiro, com a ajuda da mídia serviçal, advoga em causa própria.

Chama atenção o fato de que pouquíssimos empresários industriais, do varejo e do setor de serviços, em tese prejudicados pela alta absurda dos juros, que encarece os empréstimos necessários para tocar e expandir seus negócios, tenham vindo à público defender a queda da SELIC. Isso é revelador de que boa parte da burguesia “produtiva” é também beneficiada pela lógica rentista, porque ela própria tem capital aplicado em investimentos financeiros remunerados pelas taxas de juros.

Quem paga a conta?

O principal prejudicado pelos juros abusivos é o povo. Ao financiar a compra da geladeira, televisão, casa, celular, o que seja, o trabalhador paga uma taxa absurda de juros. O mesmo acontece com as famílias que pegam empréstimos para quitar dívidas – e quase todo mundo está endividado no país, menos os muito ricos.

E o povo paga a conta também com a redução do crescimento econômico, que diminui a geração de empregos e pressiona os salários para baixo. Outro mecanismo de penalização da população trabalhadora ocorre por meio da transferência de recursos públicos (orçamento da União), que deveriam ir para as área sociais (como saúde e educação), para o pagamento dos juros da dívida pública aos grandes especuladores e banqueiros.

O que fazer?

Lula acerta em criticar a manutenção da maior taxa real de juros do mundo pelo presidente do BC, Campos Neto, que foi indicado ao cargo por Bolsonaro. O presidente também está correto em questionar a autonomia do Banco Central, que sendo independente do governo se torna cada vez mais submisso aos interesses do mercado financeiro.

Com o presidente do BC atuando para boicotar o país e o governo, mostra-se necessário exonerá-lo do cargo pelo não cumprimento do seu dever — o que está previsto em lei. É preciso, junto com isso, que o governo e os partidos de esquerda ajam no sentido de votar no Congresso o fim da autonomia do Banco Central, para que o poder público volte a ter o comando sobre a política monetária que foi sequestrada pelos rentistas.

Lula, para o sucesso do seu governo, não pode ficar somente em palavras. São necessárias ações concretas no embate com a elite parasitária. Para esse objetivo, não ajudam declarações de Tebet (MDB), ministra do Planejamento, e Haddad (PT), ministro da Economia, que acenam ao mercado, fazendo concessões à ideologia liberal-fiscalista. Os ministros parecem mais preocupados em mostrar rigor fiscal aos rentistas do que defender medidas econômicas em prol da maioria do povo, como a valorização real e efetiva do salário mínimo e a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.

Entregar ao povo trabalhador as promessas de campanha é crucial para derrotar politicamente o bolsonarismo, evitando que o golpismo volte a ganhar fôlego mais à frente. Para tanto, para alocar recursos nas áreas sociais, fazer a economia crescer e gerar empregos com salários dignos e direitos, se faz obrigatório o enfrentamento ao receituário neoliberal, que no Brasil adquire características particularmente perversas de apropriação da renda nacional por um punhado de grandes especuladores, banqueiros e bilionários.