Em texto anterior, nos questionamos se haveria um racha do agronegócio entre os dois principais candidatos presidenciais. Observamos que, muito embora figuras proeminentes tenham se posicionado ao lado de Lula, as principais entidades do setor seguem fortemente com Bolsonaro. Neste texto, levantamos alguns pontos a partir da entrevista que Lula deu ao Jornal Nacional na última quinta-feira. Ao final da entrevista, Renata Vasconcellos fez uma pergunta citando o MST e explorando o afastamento do agronegócio em relação a Lula. Em sua resposta, Lula explica que essa ausência de apoio tem a ver com a sua defesa do meio ambiente e logo causa uma reação da jornalista:
Agora, antes da gente abordar um pouquinho mais sobre os sem-terra é preciso fazer esse esclarecimento. Porque, como o senhor colocou, parece que o setor do agronegócio é contrário, faz oposição ao meio ambiente, ao meio ambiente sustentável, que não é verdade1
Lula retrucou afirmando que o agronegócio – pelo menos parte dele que apoia o presidente Bolsonaro – não está preocupado com o meio ambiente. A argumentação de Renata Vasconcellos despertou alguns comentários no dia seguinte. A apresentadora de TV e chef de cozinha Bela Gil foi uma das que convidou Renata para visitar um assentamento do MST2.
Duas questões nos chamaram atenção. A primeira delas é que esse argumento não é fruto de uma ignorância, ou incompreensão da âncora do JN sobre o assunto, mas reflete o posicionamento da rede Globo sobre o agronegócio. A Globo veicula desde 2017 a campanha de marketing intitulada “Agro: a Indústria-Riqueza do Brasil” cujo slogan “agro é tech, agro é pop, agro é tudo” consagrou e popularizou a marca “agronegócio”. Uma análise superficial nos ajuda a perceber a intenção de inculcar a ideia do agronegócio como “celeiro para o mundo” e para o Brasil, coisa totalmente inverídica3, pois a produção de alimentos para o mercado interno é realizado, em sua maioria, pela agricultura familiar. Além disso, é importante destacar que a emissora é agro, ou seja, a rede Globo é associada da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), entidade que agrega diversos setores do que chamamos “depois da porteira” (por exemplo, transporte, armazenamento e melhoramento de produtos, como a extração do óleo de soja). Segundo Caio Pompeia4, a Abag lidera a Coalizão Clima Brasil Floresta e Agricultura (Coalizão), criada em 2015, iniciativa do setor para reunir agentes do agronegócio no debate de pautas ambientais5. O principal mote aqui é que é possível ser sustentável e aumentar a produtividade, defendendo, por exemplo, o mercado de carbono.
Portanto, a jornalista apresentou a visão da emissora do JN que tenta estabelecer, mesmo que de maneira contraditória, a conciliação do aumento da produtividade pelo agronegócio respeitando pautas ambientais. Esse malabarismo retórico tem origem na preocupação internacional que muitos produtores exportadores para os países europeus desenvolveram por ser o meio ambiente uma agenda prioritária nas relações internacionais. Além disso, a entrada de empresas do agro no mercado de capitais traz uma série de exigências e selos de responsabilidade ambiental que são repetidos e defendidos. Por exemplo, em maio desse ano a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) lançou o Índice Agro Free Float Setorial (IAGRO B3)6, que consiste em uma carteira de ações de empresas ligadas ao agronegócio.
O segundo ponto a ser observado foi a menção de Lula a Blario Maggi. O ex-presidente fez questão, em cadeia nacional no horário nobre, de citar nominalmente o maior produtor de soja do Brasil. Sabemos que Maggi assinou a carta pela defesa da democracia encampada pelos ex-alunos da faculdade de Direito do Largo de São Francisco7. Além disso, Lula possui uma retórica muito eficaz de tentar diferenciar os “empresários rurais”:
[…] Veja, o agronegócio, sabe, que é fascista e direitista porque os empresários sérios, que trabalham no agronegócio, que tem comércio com o exterior, que exporta para a Europa, para a China, esses não querem desmatar8.
A sua estratégia é a crítica àqueles que estão apoiando Bolsonaro, mas sem afastar o diálogo com demais. Acredito que esse é um aceno e/ou uma confirmação do apoio de Maggi à candidatura de Lula. Arrisco a dizer, em pura hipótese, de que podemos ver cada vez mais essa proximidade e, na possível formação de um governo Lula, a figura de Maggi na liderança das pautas da agricultura.
por Pedro Cassiano
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