Povos indígenas e movimentos sociais do Equador estão há 12 dias realizando protestos, em um paro, um levante nacional iniciado em 13 de junho, convocado pela CONAIE (Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador) e outras organizações, que se confirmou como uma greve geral no país. Neste período, bloquearam estradas, realizaram grandes marchas e ocuparam sedes de governos de pelo menos três províncias do país. O epicentro dos atos ocorre na capital, Quito, onde os serviços de transporte chegaram a ser totalmente suspensos, mas também foram registradas grandes marchas em cidades importantes, como Guayaquil. Em todo o país, manifestantes enfrentam forte repressão, com decretação de estado de sítio, quatro mortos e dezenas de feridos.
A jornada teve início após quatro encontros com o novo governo do Equador, presidido pelo banqueiro Guilherme Lasso, ao longo de um ano, sem resultados. As reivindicações foram sistematizadas em 10 pontos, em um documento entregue ao governo e assinado também por organizações da cidade, operárias e de trabalhadores da saúde.
O principal motivo é a grave crise social que atinge o país, com aumento dos preços, volta da inflação, após um período de deflação, crescimento do desemprego e da miséria, explosão da violência urbana e uma nova onda migratória. Atualmente, 32,2% dos equatorianos vivem na pobreza, com quase metade na extrema pobreza. Cenário que contrasta com o aumento dos lucros das mineradoras, que ocupam 8% do território do país, e principalmente do capital financeiro, a partir das políticas de austeridade do novo governo. Apenas em maio, os 24 bancos privados do país aumentaram seus lucros em quase 70%.
A principal reivindicação diz respeito a redução dos preços dos combustíveis. O diesel subiu 90% e a gasolina, 46% em quase um ano, o que impacta no custo de vida e na cadeia de distribuição dos pequenos produtores. A mobilização nacional pede o congelamento do litro do diesel em 1,50 dólar e o da gasolina em 2,10 dólares, com subsídios para os setores vulneráveis – a moeda oficial do Equador é, desde 2000, o dólar americano.
O movimento social exige ainda: congelamento dos itens da cesta básica; Moratória da dívida pública e perdão das dívidas dos pequenos e médios agricultores e proteção para estes diante da ação grandes empresas estrangeiras, através do TLC (Tratado de Livre Comércio); Geração de empregos e garantia de direitos trabalhistas; Defesa do meio ambiente, com restrições a atividade mineradora e revogação de decretos; respeito aos direitos e autodeterminação dos povos indígenas; garantia do direito a educação e saúde, com abastecimento dos hospitais, e combate à violência e ao crime organizado, sem repressão aos movimentos sociais.
Repressão e quatro mortes
O governo do banqueiro Guilherme Lasso, eleito em maio de 2021, respondeu com repressão e provocações. No primeiro dia dos protestos, prendeu Leônidas Iza Salazar, presidente da CONAIE, que passou 24 horas detido ilegalmente, sendo 15 completamente incomunicável, e, em seguida, foi processado. Depois, demorou sete dias para responder oficialmente a pauta de reivindicações, cujos pontos já haviam sido apresentados diversas vezes. Ao invés de negociar a pauta de reivindicações, emitiu um decreto que criminaliza as manifestações, com estado de exceção em seis províncias para atuar com as forças policiais e militares. A resposta foi a radicalização das mobilizações.
Após o decreto, forças policiais chegaram a ocupar a Casa da Cultura de Quito e a Escola Politécnica, locais que historicamente servem como espaço de acolhimento para as marchas indígenas e como ponto de apoio para as mobilizações. Depois de batalhas, os espaços foram retomados. Na Casa de Cultura, as entidades estão instalando no local uma Assembleia Popular, para decisão da condução dos protestos.
Nesta quinta-feira, 23, um novo confronto se deu no local. Uma marcha pacífica que saiu do Parque del Arbolito (em frente a Casa da Cultura de Quito) até a Assembleia Nacional, foi duramente reprimida, com bombas de gás sendo lançadas do alto sobre a concentração de pessoas. Na sequência, ocorreram batalhas campais no centro da cidade.
Com a repressão, mais um manifestante foi morto. Henry Quezada Espinoza, 39, faleceu atingido no peito e na barriga, por balas de borracha e perdigones, pequenas esferas de metal, utilizados por forças de segurança para cegar manifestantes. Segundo a imprensa, outros dois manifestantes morreram. Na segunda, 20, um jovem caiu em uma encosta, de cerca de 100 metros, após forças policiais lançarem bombas de gás contra uma marcha na estrada, a caminho de Quito. No mesmo dia, outro manifestante faleceu, por conta da violência e do gás. No dia seguinte, em Puyo, capital da província de Pastaza, um jovem morreu, com o impacto de uma bomba de gás em sua cabeça, lançada a curta distância. Nesta sexta, o chefe de Polícia chamou as mortes de “danos colaterais”.
Na manhã desta sexta-feira, a região do Parque del Arbolito segue novamente com repressão aos protestos e com bombas sendo lançadas pela polícia, enquanto manifestantes realizam a primeira sessão da Assembleia Popular na Casa de Cultura. Mais do que nunca, é preciso dar máxima divulgação aos protestos e a repressão no Equador, como garantia do fim da violência policial e atendimento das reivindicações e a derrota das políticas de fome do governo Lasso.
Em uma carta divulgada no dia 22, organizações de defesa dos direitos humanos e do meio ambiente exigem o respeito ao direito de manifestação no Equador: “O tratamento que o atual governo do Equador dá aos protestos sociais em curso e a resolução do caso judicial contra Leonidas Iza enviaram uma clara mensagem aos territórios, ao país e ao mundo se o Equador é um país onde se reprimem os direitos dos povos indígenas e do movimento social ou se existe independência judicial e se respeitam seus direitos de exigir políticas mais justas e inclusivas que assegurem o bem estar se sua gente e seus territórios”. O PSOL também se pronunciou, repudiando a prisão do presidente da Conaie e a repressão.
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