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MUNDO

Equatorianos vão às urnas em meio ao clima de violência

Neoliberalismo dos governos de Moreno e Lasso resultaram no aumento dos índices de violência política e policial. As mortes violentas quadruplicaram desde 2019. Desde que tomou posse, Lasso decretou 19 Estados de Exceção sem que nada tenha se resolvido.

David Cavalcante, da Redação
Reprodução/Luisa González

Neste 20 de agosto, os equatorianos vão às urnas eleger a ou o Presidente e Vice-Presidente da República, além dos 137 Deputadas e Deputados da Assembleia Nacional, o parlamento unicameral daquele país. São pouco mais de 13 milhões e 400 mil eleitores habilitados para votação de uma população de cerca de 18 milhões de habitantes, nas 24 províncias e no exterior. 7 homens e 1 mulher estão inscritos para votação do Chefe de Governo/Estado. Fernando Villavicencio que foi assassinado teve seu nome substituído na chapa, após uma controvérsia jurídica sobre sua filiação ou não ao partido do falecido. 

As eleições, previstas para acontecer em 2025, foram antecipadas por uma manobra parlamentar denominada “morte cruzada”, um Decreto com evidente desvio de finalidade que utilizou o banqueiro e Presidente, Guillermo Lasso, para escapar do processo de impeachment que estava em andamento no parlamento (1). Seu governo que já era rejeitado por ampla maioria da população pelo desastre econômico e social e crescentes protestos, greves e levantes indígenas e populares, se deparou ante fortes denúncias de corrupção. Já havia ocorrido duas votações de tramitação, no parlamento, favoráveis à sua destituição definitiva, restando somente a última após sua defesa. 

O assassinato à luz do dia de um dos candidatos da direita equatoriana, Fernando Villavicencio (2), revelou ao mundo a falência a que chegou o Estado equatoriano ante o aprofundamento do neoliberalismo no país. Os governos de Moreno e Lasso resultaram no aumento dos índices de violência política e policial. As mortes violentas quadruplicaram desde 2019. Desde que tomou posse, Lasso decretou 19 Estados de Exceção sem que nada tenha se resolvido. 

Villavicencio não foi a única vítima do que se suspeita serem operações de grupos mafiosos com conexões colombianas, mexicanas e albanesas, cujos nomes mais conhecidos são Los Choneros, Los Tigrones e Los Lobos, este último especula-se a autoria depois de um obscuro vídeo ter circulado nas redes sociais, ainda sem confirmação de veracidade. Há também suspeitas de relações das máfias com segmentos empresariais e das forças armadas e polícia. 

Houve outros assassinatos de lideranças políticas e dos movimentos sociais indígenas que a grande mídia empresarial do país não deu repercussão. No mês de fevereiro deste ano, Eduardo Mendúa, que era integrante da guarda indígena Irisiundekhû, envolvido na defesa dos territórios ancestrais e recursos naturais lutava contra o extrativismo predatório mineiro-petroleiro. Era dirigente de Relações Internacionais da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador – CONAIE, foi assassinado com mais de 12 tiros, na Comunidade Dureno, na Província de Sumcubíos, deixando esposa e 6 filhos.

Conaie

No mês de julho, também foi assassinado a tiros de fuzil, o prefeito da cidade portuária de Manta, Agustín Intriago, que tinha 36 anos, que havia sido reeleito pelo Partido Melhor Cidade. Um dia após o atentado contra Villavicencio, uma candidata a Assembleia Nacional pela Alianza Claro Que Se Puede da província de Los Ríos, Estefany Puente, sofreu um atentado à balas contra seu carro, conseguindo escapar. Estefany apoia a candidatura de Yaku Pérez à presidência. Também foi eliminado cinco dias após, o Dirigente do Partido Revolução Cidadã em Esmeraldas, Pedro Briones.

Nesse contexto, há um justificável clima de medo de parte da população para a data das eleições. Por outro lado, será a chance dos segmentos populares e subalternizados em derrotar de uma vez por todas o principal responsável pelo caso que se encontra o país, o banqueiro Guillermo Lasso, e seus aliados da direita e extrema direita que o apoiaram nas eleições e no governo e que hoje se encontram representados em outras candidaturas, principalmente nas de Otto Sonnenholzner (empresário de ascendência alemã que declarou um patrimônio pessoal de mais de 3,9 milhões de dólares) e o extremista, Jan Topic, o empresário do armamento privado cujas empresas faturaram mais de 289 milhões de dólares, no ano passado.

A grande mídia utiliza o assassinato de Villavicencio para prejudicar a candidata Luisa González

O aumento da criminalidade e da violência política no encantador e de histórico revolucionário (3) país andino se entende a partir de suas raízes históricas de capitalismo dependente que forjou um Estado à semelhança dos interesses das oligarquias submissas exportadoras de produtos primários ao grande capital estrangeiro. 

Nas últimas duas décadas, o Equador aprofundou os laços de dependência em relação ao imperialismo, tendo abolido inclusive sua moeda nacional para a dolarização total de sua economia, fato que gerou uma abrupta desvalorização salarial em relação aos preços dos bens e serviços. Além disso, aprofundou sua função de eixo de escoamento da produção de cocaína que vem do Peru e Colômbia em direção à Europa e Estados Unidos. 

A história contemporânea do país está repleta de movimentos de resistência e lutas populares radicalizadas, com destaque para o protagonismo que tem assumido a CONAIE, liderando as nacionalidades indígenas, mas que frequentemente arrasta o movimento dos trabalhadores urbanos, estudantil e segmentos populares das periferias pauperizadas das cidades e até segmentos das forças armadas como foi levante de 21 de Janeiro de 2000 que depôs o Presidente Jamil Mahuad de seu cargo. 

Anos depois, um dos líderes do 21 de Janeiro, o Coronel Lúcio Gutierrez foi eleito com o apoio de amplos segmentos das esquerdas e do ativismo social do país, ocorre que deu uma guinada à direita para implantar medidas neoliberais e foi igualmente apeado do poder pela via da revolta que ficou conhecida como Rebelião dos Forajidos, em 2005. 

O economista, Rafael Correa, foi eleito presidente do país capitalizando os sentimentos da Rebelião dos Forajidos, em 2007, num contexto da 1a ascensão do progressismo e do bolivarismo, na América Latina. Na sequência, o seu sucessor, Lênin Moreno, repetiu o roteiro de abandonar o programa e as promessas às quais o elegeram, desencadeando uma guerra de law fare (utilização do sistema judicial com apoio da mídia, estilo Lava Jato) para perseguir os seus antigos aliados da Aliança País e principalmente o ex-presidente Correa que sofre até hoje diversos processos judiciais e sequer pode pisar no seu país para não ser preso. 

Correa, apesar dos limites das reformas das suas gestões que durou 10 anos e enfrentamentos com segmentos dos movimentos indígenas sobre temas ambientais, se converteu em um dos principais alvos dos Estados Unidos por tomar medidas desenvolvimentistas no campo econômico e políticas sociais. Além de ter tomado medidas anti-imperialistas e soberanas como as relações econômicas com a Venezuela chavista, houve a concessão de asilo político para o jornalista, Julian Assange, na Embaixada do Equador em Londres por vários anos, enfrentando interesses dos governos norte-americanos e ingleses em temas de inteligência e espionagem que foram denunciados no site do Wikileaks. 

Villavicencio que na juventude teve origem no campo da esquerda, tendo inclusive papel na fundação da Coordenadora dos Movimentos Sociais que surgiu após o levante de 21 de Janeiro, foi progressivamente assumindo um papel de franco-atirador autosider cujo jornalismo denuncista com tintas policialescas se converteu em instrumento de uma ala mais reacionária da burguesia contra o correísmo até ser um dos principais parlamentares mais raivosos da base de apoio do atual governo do banqueiro Lasso. 

Daí que ante a ameaça da única candidata mulher, Luisa González, da Revolução Cidadã, estar na iminência de ganhar no primeiro turno, como indicava a maioria das pesquisas, o trágico assassinato de Fernando ter se transformado em mais uma leviana campanha anticorreísta da grande mídia empresarial e da direita e extrema-direita para tentar derrotar Rafael e impedir a vitória de Luisa. 

Após o assassinato de Fernando e a suja campanha em associar sua morte ao correísmo há poucos dias da votação, não se sabe ao certo quais impactos trará tal apelo, mas seguramente o velho discurso direitista militarista e policialesco aumentou sua audiência.

Notas

1 https://esquerdaonline.com.br/2023/05/22/o-presidente-do-equador-dissolveu-assembleia-nacional-para-impor-neoliberalismo-por-decretos/

2 https://esquerdaonline.com.br/2023/08/10/candidato-a-presidente-no-equador-e-assassinado-a-11-dias-das-eleicoes/

3 https://esquerdaonline.com.br/2020/08/06/210-anos-do-massacre-aos-lideres-do-1o-grito-de-independencia-do-equador/