Nos últimos dias uma notícia triste tomou conta das redes sociais – o assassinato do imigrante congolês Moise Kabagambe. O laudo do óbito aponta traumatismo craniano, mas se fizermos a autópsia mais de perto, veremos que Moise foi realmente morto pelo racismo e pela xenofobia. Ele teve seus pés e mãos amarradas e foi espancado com pedaços de madeira até mesmo após a sua morte. O vídeo da cena é um soco no estômago. O caso é tão brutal que deveria ter parado o Brasil e o mundo. Todas as instituições democráticas que prezam pelos direitos humanos deveriam estar empenhadas na denúncia e investigação para responsabilizar os culpados.
Ficam algumas perguntas: Por que isso não está acontecendo? Por que a indignação brasileira é tão seletiva? Por que o estabelecimento seguiu funcionando mesmo após o assassinato? Por que o caso que ocorreu dia 24 de janeiro só ganhou as mídias após uma semana? Por que vidas negras seguem sendo a carne mais barata do mercado?
O que é ser um refugiado africano no Brasil?
Moise e sua família saíram de seu país para fugir dos horrores que assolam o Congo. Esses conflitos, de caráter étnico, político e econômico, são complexos, porque têm origem desde sua colonização, e envolve atores e interesses distintos: nacionais e internacionais, estatais e não estatais. O congo, que é o segundo maior país da África, é rico em recursos naturais e minérios, fator que desperta disputas geopolíticas. Apesar de independente desde 1960, na prática segue sendo um país colonial, onde o imperialismo manda e desmanda, financiando diversos grupos armados e facções para disputa e exploração do território. A principal consequência é que a população civil é quem mais sofre, com constantes violações de direitos humanos e riscos de vida. Por isso, milhões de congoleses fogem dos efeitos do neocolonialismo. Muitos, como a família de Moise, se tornam refugiados políticos em outro país, como o Brasil.
A secretaria Nacional de Justiça, registrou desde 2010 mais de 200 mil pedidos de refúgios políticos no Brasil, sendo a maioria de pessoas vindas do continente Africano. Esse número tende a ser muito maior, já que nem todos fazem o devido cadastro legal. Os refugiados que vem para cá, apesar de terem histórias distintas, tem também algo importante em comum: a esperança de uma vida mais tranquila e com segurança aqui no Brasil. Porém, o país que aparenta ser acolhedor aos estrangeiros, é seletivo na sua receptividade. Para alguns, acaba sendo cruel e intolerante.
Dizer que o Brasil é um país acolhedor aos imigrantes é contar só um pedaço da história. Se fizermos um pequeno resgate histórico, lembramos de algo que é basilar também para os dias atuais. No pós abolição e transição para o trabalhado assalariado, o Brasil implementou leis que incentivavam a vinda de imigrantes europeus para trabalhar no país, ao passo que proibia a entrada de africanos e haitianos. Essas leis também fizeram parte do pacote das políticas higienistas e de embranquecimento que respingam em toda história do Brasil até hoje. A ideia de que a população brasileira é receptiva a todos estrangeiros reside na mesma lógica do mito da democracia racial, que disse ao mundo que o Brasil era uma harmonia de raças, onde não cabia o racismo. Aqui, o racismo não só cabe. Ele estrutura e molda todas as relações, inclusive as que fazem com que um estrangeiro caucasiano seja muito bem recebido, e imigrantes refugiados vindo de países africanos ocupem o lugar de subcidadania.
Afronte o racismo e a xenofobia!
Moise foi assassinado por cobrar seu salário atrasado. Como abolimos a escravidão, o trabalhador assalariado teoricamente tem o direito de receber seu pagamento. Mas o racismo e a xenofobia, mais uma vez, disseram que uma vida negra vale menos que R$ 200,00.
Casos como esse não podem seguir impunes, como se fosse só mais um. Eles refletem um passado escravagista que determina as relações racistas, autoritárias, violentas e assassinas que temos hoje. A sociedade civil precisa se escandalizar! Os movimentos sociais, as entidades e partidos políticos, as instituições democráticas nacionais e internacionais precisam exigir respostas.
O movimento negro, em parceria com o movimento de imigrantes e a própria família de Moise, está organizando atos para exigir justiça. Em São Paulo, no Rio de Janeiro e Belo Horizonte os atos estão marcados para sábado às 10h, respectivamente no MASP, no quiosque onde ocorreu o crime, e na Praça Sete. Várias outras capitais também estão organizando manifestações e atos simbólicos. O Afronte estará presente em todas elas gritando Justiça por Moise! Chega de racismo e xenofobia!
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