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Portaria do governo que impede demissão de trabalhador sem vacina deveria ser declarada inconstitucional

Fabio Rodrigues Pozzebom | Agência Brasil

Aderson Bussinger

Advogado, morador de Niterói (RJ), anistiado político, diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ e diretor da Afat (Associação Fluminense dos Advogados Trabalhistas).

O recém recriado Ministério do Trabalho e Previdência editou no primeiro dia de novembro a Portaria n. 620/2021 que trata do tema da vacinação de empregados, ou candidatos ao emprego, sob o ponto de vista da proibição da dispensa de quem se recusar a ser vacinado e também a testagem, sendo que este último assunto consta no seu artigo 3 apenas como possibilidade de oferecimento de teste por parte dos empregadores, mas não a obrigação de garantir este serviço. A Portaria aborda prioritariamente o tema da dispensa capitulada no art. 482 da CLT, que dispõe sobre a justa causa, mas é um equívoco resumir este debate ao aspecto apenas punitivo, conforme pretendo demonstrar neste texto, embora adiante que sou plenamente a favor do afastamento do empregado recalcitrante em se imunizar.

Antes, contudo, de adentrar no conteúdo da Portaria, precisamente sobre a polêmica de saber se pode demitir, ou não, o empregado resistente à vacinação, quero dizer que, como advogado trabalhista e sindical exclusivamente de trabalhadores, sou um defensor do trabalho, acima de tudo, enquanto dever social, como igualmente assegurar o emprego entendo ser a mais importante obrigação do Estado, embora isto não esteja de forma objetiva tratado na Constituição Federal e CLT, sendo ainda que, sob o viés de direito constitucional, filio-me ao entendimento de que a o artigo 70 da Constituição Federal, que protege a relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, impede até a típica dispensa “sem justa causa” prevista no art. 477 da CLT, que considero uma negação ao mencionado preceito constitucional, um verdadeiro “cheque em branco” para que o empregador possa se desfazer do ser humano empregado, embora sua remuneração lhe seja vital. Em verdade, o Estado brasileiro deveria adotar a Convenção 158 da OIT que proíbe a dispensa sem motivo, esta sim uma norma jurídica que pode conter a dispensa discriminatória.

Também gostaria de registrar, que, sob o aspecto sanitário, estive dentre muitos advogados(as) sindicais que, ainda no ano de 2020, ajuizou dezenas de Ações Civis Públicas, em nome de entidades sindicais a fim de obrigar as empresas a assegurar a testagem e fornecer EPI, por sua conta, aos seus empregados, entendendo que é obrigação do empregador manter e zelar pelas condições de saúde no interior das empresas que estavam autorizadas a funcionar durante a pandemia, o que foi uma importante resistência da advocacia trabalhista e sindical em defesa das condições de saúde do trabalhador.

Feitas estas considerações, a fim de situar o patamar em que enxergo o trabalho e a questão geral da dispensa do empregado, quero dizer que considero a Portaria em comento, assinada pelo Ministro Onix Lorezoni um ato infeliz e objetivamente em favor da disseminação da Covid-19 no denominado mundo do trabalho em nosso país, que cada vez menor pelo desemprego, mas que iniciativas como estas somente contribuem para prejudicá-lo ainda mais, sobretudo o meio ambiente do trabalho e a proteção à saúde e segurança do empregado. Por incrível que pareça, a inusitada Portaria parte do pressuposto dos valores e princípios contidos nos artigos 1 e 3 da Constituição Federal, notadamente a dignidade humana, cidadania, valores sociais do trabalho, o que significa, em outras palavras, “dourar” e encobrir com citações genéricas aos direitos humanos e fundamentais, o estímulo a um comportamento anti-sanitário que já custou a vida de mais de 600 mil mortos pela Pandemia no Brasil, pela falta de vacinação quando mais precisava-se imunizar,(em tempo e quantidades adequadas), sendo este o principal motivo da matança generalizada.

O Ministério do Trabalho deveria editar portarias que incentivassem a vacinação e, inclusive, disponibilizasse cursos e material didático de educação sanitária para aqueles que honestamente ainda estão convencidos de que não é bom vacinar, ou que acreditem que irão contrair HIV por meio da vacina, conforme faz questão de propagar o presidente da República.
Analisando diretamente, agora, a questão do empregado recusar-se a vacinar, sob o prisma de sua punição, é inegável que este trabalhador que não se imuniza estará atraindo o risco da doença para si próprio e para os seus colegas de trabalho, não podendo-se aquiescer e coonestar com um comportamento anti-sanitário de tal magnitude ofensiva à saúde coletiva. E se fosse o contrário? Se a Portaria determinasse que o empregador pode afastar funcionários que se recusassem a vacinar e este se recusasse a afastá-los? Estaria errado igualmente o empregador, como errado está o empregado que abstém-se da vacinação, assumindo o risco de contaminar seus pares, quando, inclusive, já pode ter transmitido o vírus para sua própria família! O STF já se manifestou que o Estado pode, sim, determinar obrigatoriedades e impor restrições em relação às medidas sanitárias, de modo que o argumento do “faço o que quero”, ou da “defesa da liberdade absoluta” não tem sabidamente guarida na cúpula do judiciário brasileiro, como, ademais, não a possui na maioria dos sistemas judiciários ao redor do mundo.

Nesta linha de raciocínio, entendo que esta Portaria é inconstitucional, porquanto coloca em risco o direito à vida, atingindo em cheio e contrariando o “Princípio da Dignidade da Pessoa Humana do Trabalhador” e “direito à vida”, incentivando empregados a não vacinarem e permanecerem no mesmo local de trabalho dos que se precaveram e vacinaram. Além do Ministro do Trabalho não ter competência constitucional para legislar sobre dispensas, também entendo que igualmente ilegal, porque a indisciplina no trabalho, contrariando especialmente normas federais sanitárias( art. 158, I e II da CLT) está igualmente contemplada no rol de casos previstos no art. 482 da CLT e, portanto, inseridas no âmbito do poder disciplinar do empregador. Não precisa o art. 482 dispor literalmente sobre vacina para se entender que é também um ato de indisciplina deixar de adotar normas sanitárias no ambiente laboral!! Mas, por outro lado, entendo que o enfoque correto deveria ser a prevenção e o afastamento do trabalho, mas sendo, este último, não necessariamente através de demissão, mas por meio do licenciamento, sem remuneração, até que não haja mais risco sanitário, uma vez que foi opção do empregado não se vacinar, o que já irá lhe impor prejuízos remuneratórios e para contagem de direito de férias, FGTS, etc. Mas, afinal, esta foi sua escolha ao não aceitar a vacina pública! Embora entenda que são plausíveis os argumentos que fundamentam, no caso de recusa de vacinação, as hipóteses de dispensa por justa-causa previstas no art. 482, especialmente, ao meu juízo, as letras “a” (mau procedimento), “b” (ato de indisciplina e insubordinação) e também “j” (ofensa física) pelo perigo biológico causado ao coletivo, entendo que, pelo fato do atual negacionismo anti-sanitário ser um fenômeno social produzido e incentivado por forças políticas poderosas na sociedade, inclusive no governo federal e outras instâncias, sou da opinião que, salvo alguns casos que resvalarem para indisciplina funcional, à luz do art. 482 da CLT, de modo geral estas situações deveriam ser tratadas com informação e afastamento do trabalho, pela via suspensiva do trabalho, em que o empregado somente poderia retornar quando não houvesse mais o risco sanitário, ou então se convencesse a vacinar, o que seria a solução ideal.

Para finalizar, tamanha é sua importância do tema da saúde do trabalhador, que a nossa Constituição incluiu entre os direitos dos trabalhadores o de ter reduzido os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII), e determinou que, no sistema de saúde, o meio ambiente do trabalho deve ser protegido (art. 200, VIII). E também a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no artigo 154 e seguintes do Título II, Capítulo V e no Título III (Normas Especiais de Tutela do Trabalho), bem como as Portarias do Ministério do Trabalho e a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90) tratam da segurança e saúde do trabalhador. Assim, de fato, por todos estes motivos, quem não se vacina, não deve ficar no mesmo local de trabalho e nem frequentar outros lugares públicos – e nisto a Portaria acaba por incentivar os que não espalham o vírus! – mas o viés punitivo, neste caso, não é o melhor caminho a seguir, ante o fenômeno social e político como um todo examinado, que, inclusive, ultrapassa as fronteiras nacionais. E uma Portaria ministerial ilegal e inconstitucional, que incentiva a permanência as empresas de empregados que não se vacinaram, somente agravam ainda mais o problema.