Acreditamos que as posições públicas de Jones Manoel que foram expressas no texto “Três notas sobre a ação dos comunistas nas ruas e no movimento de massas” são as mesmas posições do PCB. Assim, nos sentimos na obrigação de fazer parte desse debate público provocado pela postagem do texto no blog da Boitempo. Pelo respeito, pela importância e pela parceria que construímos com o PCB em muitos espaços e momentos da luta de classes, estamos preocupados com as posições expostas pelos camaradas. Nesse momento da luta de classes no Brasil e no mundo, uma capitulação ao ultraesquerdismo seria uma derrota para a construção da frente única, instrumento privilegiado para enfrentar o bolsonarismo, leia-se: o neofascismo.
Jones Manoel diz em seu artigo que o objetivo “é refletir sobre as tarefas imediatas e a situação dos comunistas nos atos de rua e movimento de massas.”
Não é um texto para responder a uma demanda episódica, aqui há uma análise e uma política sendo propostas concretamente. Sem muitas explicações, tal análise apaga elementos decisivos da luta de classes brasileira, menospreza alguns e superdimensiona outros, pois tem um objetivo exclusivamente propagandístico e não científico. Mas o mais preocupante: propõe como tarefas imediatas o combate a organizações que constroem a campanha Fora Bolsonaro e a autoconstrução do que ele chama de “ forças comunistas”.
O menosprezo pela campanha Fora Bolsonaro e o esquecimento da Coalização Negra por Direitos como fator decisivo para a retomada das ruas…
Chama muita atenção que o artigo no qual estamos polemizando começa a análise sobre o surgimento dos atos de rua no Brasil fazendo apontamentos corretos. Relata bem a deterioração das condições de vida das pessoas em meio a uma pandemia fora de controle, provocando um relativo crescimento da insatisfação popular contra o governo Bolsonaro. Mas logo a frente, o desenvolvimento do texto deixa lacunas e esquecimentos importantíssimos, determinantes para o surgimento das mobilizações de rua. Focando num tom sectário, o autor começa a expressar um giro ultra esquerdista. Por conta própria decide quem é e quem não é comunista. E define também, sem detalhes, quem quer o “impeachment já!” e quem quer apostar tudo em 2022. Se não, vejamos:
“Essa reflexão começa com algo fundamental: como e por que voltaram os atos de rua no Brasil?…”
“…O dia 29 de maio marcou nacionalmente esse retorno. O 29M, como ficou apelidado, foi largamente boicotado por amplos setores das esquerdas. Presidenciáveis, como Lula, ficaram em silêncio; outros, como Ciro Gomes, adotaram uma postura ambígua (‘não recomendo ir, mas não condeno quem for’); outros parlamentares, governadores e lideranças políticas fingiram que nada acontecia. Não poucos intelectuais, jornalistas e formadores de opinião nas esquerdas condenaram publicamente os atos.
PT, PCdoB, PDT e parte do PSOL, no melhor dos cenários, jogaram pouco peso nesse primeiro ato. Bases do PT e PSOL chegaram a anunciar publicamente que não iriam – como foi o caso em Recife, do PT-PE e PSOL-PE, que indicaram na véspera que não participariam. O vice-presidente nacional do PT, Washington Quaquá, publicou um artigo no jornal O Dia, poucos dias antes, afirmando que as manifestações do dia 29M seriam iguais aos atos bolsonaristas.”
Mais a frente, no esforço de demonstrar que são os únicos representantes do comunismo no Brasil, impressionantemente chega a escrever esses trechos:
“ Para muitos, foi surpreendente o tamanho, a organização e a capacidade de intervenção política dos blocos comunistas…
…A partir dessa constatação era claro que as forças políticas que boicotaram, ou não jogaram peso no 29M, iriam para as ruas disputar os rumos dos atos. No 19 de junho, a presença de PT, PCdoB, PDT e as tendências do PSOL que não compareceram massivamente no 29M ainda foi pequena, se comparado com suas capacidades de ação. Dessa data em diante, porém, e em especial no recente 29J, essas forças foram em peso para as ruas e até se estabeleceu uma disputa aberta pela liderança dos atos – expressa na polêmica sobre quem determina a data do próximo ato, polarizando de um lado o PCR/UP com seu avatar “Povo na rua” e o petismo, levando a reboque o PSOL e forças aliadas…”
Para o autor, tudo começou no 29M, contra a vontade da maioria da esquerda, menos dos setores comunistas que tiveram as maiores colunas nos atos pelo país. Assim, o conjunto da esquerda só teria ido a rua de verdade depois do 29M, para disputar a direção dos atos com os “setores comunistas”. Para quem está acompanhando atentamente a luta de classes no Brasil, sabe que as primeiras manifestações que desencadearam o processo de retomada nas ruas em meio a pandemia, foram protagonizadas pelo movimento negro, através da Coalização Negra expressando a revolta legítima contra o violento massacre feito por forças policiais na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Até surgirem essas mobilizações do movimento negro, os atos de rua estavam se destacando através das carreatas, convocadas pela Campanha Nacional Fora Bolsonaro que já se organizava como frente única desde o início desse ano.
É notável o desprezo pela campanha Fora Bolsonaro, dizemos isso porque é justamente essa campanha formada pela Frente Brasil Popular, Frente Povo Sem Medo, movimentos sociais importantes e centrais sindicais de peso que convocou o 29M e todo calendário de luta unificado até agora. Atuando para que fosse grande e forte nas ruas e nas redes.
Não foi através de um processo espontâneo e fácil, que a Av. Paulista e Av. Presidente Vargas ficaram repletas de pessoas e que a hashtag #29MForaBolsonaro chegou no topo dos assuntos mais falados no Twitter durante quase todo o sábado. Não caíram do céu mobilizações nos grandes centros urbanos e em centenas de cidades do interior do Brasil, onde muitas organizações nem imaginam um dia ter ali um núcleo militante. Havia ativistas organizados, dedicados, concentrados na mobilização nas ruas e nas redes sociais, articulados numa campanha que expressa a construção de uma frente unitária para lutar contra o governo Bolsonaro. Trata-se de uma das vitórias políticas mais importantes na luta contra o neofascismo no Brasil, pois a articulação da campanha Fora Bolsonaro nacionalmente e nos estados, com funcionamento cotidiano, é uma dificílima luta política permanente. Inclusive é o que estamos fazendo nesse momento…
Polemizar com o quietismo não significa dividir a Frente Única para lutar!
É verdade que há frações que compõem as direções majoritárias no movimento de massas do país, que trabalham com a tática do quietismo e para apostar tudo na luta política nas eleições em 2022. Concordamos que é necessário combater essas posições e trabalhar para a derrubada imediata do governo Bolsonaro por tudo que representa. Mas é completamente injusto e exagerado não reconhecer que apesar de algumas falas contrárias, o que primou foi a movimentação da maior parte das direções e da própria base social do PT e da CUT, contribuindo para a construção dos atos nas cidades. A própria pressão da Frente Povo Sem Medo ajuda a tensionar para que haja movimentação na Frente Brasil Popular. Não reconhecer isso e caracterizar a Povo sem Medo de avatar do PSOL, ao mesmo tempo em que seguem participando de sua coordenação, é uma posição não só equivocada, mas oportunista.
Concordamos que seria fundamental que Lula convocasse e participasse dos atos, mas isso não invalida reconhecer que a Campanha Fora Bolsonaro é um elemento decisivo nas mobilizações. Sem o acúmulo de forças que se expressa nessa campanha nacional, não conseguiríamos construir atos de rua com força significativa como fizemos. Pelo simples fato de não estarmos nas mesmas condições políticas que outros países latino-americanos, como as mobilizações recentes no Chile. Jones sabe disso, usa corretamente esse argumento para polemizar com as ações isoladas e ultra esquerdistas dos anarquistas, mas não se lembra dessa difícil situação para descrever em que correlação de forças estamos enfrentando o neofascismo no Brasil.
Bolsonaro está mais desgastado, varias pesquisas já confirmam esse dado, mas não está derrotado, tem influência importante nas forças armadas, ainda move base social nas ruas e conta com apoio de um terço do eleitorado. Dependendo inclusive dos erros da esquerda, pode se recuperar. Equador deixa lembranças… É por isso que defendemos unir a esquerda nas ruas e nas eleições como o caminho para impor uma derrota histórica ao desenvolvimento da extrema direita no Brasil. O que não avança, retrocede, e se não formos capazes de acumular forças em meio a posições contraditórias, a derrota histórica poderá ser nossa. Toda uma geração sofrerá as consequências, pois não adianta nesse momento se auto construir com um discurso autoproclamatório, sem garantir que seguiremos existindo, inclusive institucionalmente, ao virarmos a próxima esquina da história. O golpe está aí, cai quem quer…
Foi exatamente por esse motivo que achamos equivocado a divisão do calendário de lutas e da frente Fora Bolsonaro com a iniciativa chamada de “Povo na Rua”. Que Jones Manoel chama de avatar da UP, estranha caraterização, já que o PCB ajudou a lançar esse movimento. Estão arrependidos? Não cansamos de repetir, sem a Campanha Nacional Fora Bolsonaro, em uma articulação de toda a esquerda, não vamos achar o caminho para as grandes mobilizações de massas. A prova mais cabal do que estamos dizendo foi o resultado do próprio ato isolado convocado pela “povo na rua” no dia 13 de julho. Uma pequenina vanguarda em algumas dezenas de cidades foi às ruas. PCB, UP e MES são organizações combativas, que respeitamos, mas são apenas frações importantes de uma frente única, que não pode abrir mão de ter a ambição de aumentar o seu alcance de milhares para milhões.
Quem são as “forças comunistas”
Por fim, queremos alertar que a arrogância é uma das manifestações do sectarismo, turva as vistas e não é boa conselheira, podendo nos levar a constatações deprimentes da situação das forças revolucionárias no Brasil. Se é verdade que os únicos comunistas brasileiros são aqueles que estão nos blocos de rua do PCB e da UP, então podemos considerar que o movimento comunista no Brasil é residual. Estamos admitindo que não há comunistas nos parlamentos das cidades, dos estados e no Congresso Nacional? Bem como estamos afirmando que os comunistas não dirigem quase nenhum sindicato no país? Nem mesmo movimentos sociais com influência de massas?
O movimento comunista mundial, após a queda dos estados operários do Leste Europeu e da restauração capitalista nesses países, mergulhou numa profunda crise em todo mundo. Não é verdade que somente o movimento trotskista se espatifou em varias organizações, mas o próprio PCB é expressão de tal crise. Do Cidadania, PSB, passando pelo PCdoB, UP, destacando correntes que compõem o próprio PSOL e o PT. Todos tiveram origem em divisões e crises que fazem parte da história do partidão…
Reconstruir os caminhos que nos leve a uma ofensiva revolucionária mundial, num momento onde a extrema direita se articula internacionalmente mostrando os dentes, vai nos exigir táticas que nos ajudem a sobreviver, a paralisar as forças inimigas da classe trabalhadora, a nos localizar para que as massas nos ouçam e aproveitar os momentos de avançar. O socialismo e a construção de um partido revolucionário de massas são estratégias permanentes, que não serão alcançadas nos auto intitulando os únicos comunistas no Brasil, nem mesmo menosprezando a necessidade da frente única para acumular forças em momentos desfavoráveis.
A Resistência/PSOL é uma organização socialista e revolucionária, somos comunistas, temos orgulho de nossa referência no partido Bolchevique, temos uma posição crítica ao legado de Stálin. Pensamos que a autocrítica das experiências soviéticas é fundamental para entendermos os tempos em que vivemos e achar saídas. Acreditamos que Leon Trotsky tem contribuições muito relevantes, em especial no combate à burocratização dos estados operários do século XX. No dia 21 de agosto, recordamos sua morte, assassinado por Ramón Mercader, agente enviado ao México pela polícia política de Stalin. Esse fato compõe uma coleção de derrotas para o movimento comunista mundial e nos ajuda a explicar a situação que nos encontramos hoje.
Em um momento em que o termo comunista é banalizado pela extrema direita, que considera até nossos inimigos de classe dessa forma, é lamentável que Jones Manoel se considere no direito de julgar quem é e quem não é comunista. Temos história, viemos de longe! E assim como nós, muitas outras organizações no Brasil e no mundo.
*Da Direção Nacional da Resistência/PSOL.
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