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OPRESSÕES

Palestrante contratado pela Prefeitura de Búzios comete racismo ao vivo, em atividade para professores

da redação
Reprodução

Professores e professoras de Armação dos Búzios (RJ) não acreditaram quando o palestrante Dalmir Sant’anna, contratado pela prefeitura da cidade para uma atividade online no dia 22, colocou uma peruca e uma máscara de borracha que caricaturavam um homem negro, ligou o som com a música Retirantes, de Dorival Caymmi, trilha sonora da novela Escrava Isaura e, ao som de le-rê-le-rê, imitou alguém reclamando: “Ai, lá vou eu… trabalhar, trabalhar”. Depois de tirar a máscara, ele prosseguiu. “Temos pessoas assim, que teriam tudo para trabalhar em um trem fantasma, não precisaria nem de máscara. Se elas fizessem ‘ahhh’, o nosso aluno sairia correndo”

Veja o trecho.

 

O racismo não parou aí. Em outro momento, ele faz uma piada de cunho racista sobre a origem dos seres humanos, em um diálogo de uma mãe com seu filho. Ela responde que viemos de Adão e Eva e o garoto rebate que seu pai lhe disse que os humanos descendem “dos macacos”. A mãe responde: “Uma coisa são os parentes do seu pai. Outra coisa sãos os parentes da mamãe”.

A palestra foi marcada ainda pela difusão de preconceitos contra servidores públicos, e a defesa de que bastaria “vontade de trabalhar” para que a educação melhore. Em essência, a atividade reproduz ideias parecidas com as do líder do governo Bolsonaro, que nesta semana acusou professores de preguiçosos e acomodados. Além do negacionismo, ao tentar preparar professores da cidade ao retorno às aulas (ainda virtual), sem reclamar.

A reação foi imediata, através de comentários no chat denunciando o racismo e o preconceito, ignorados pelos representantes da Secretaria de Educação que conduziam a atividade e que elogiaram o palestrante no início.

O palestrante, que se apresenta no instagram como “Especialista em comportamento humano, professor, palestrante e mágico”, foi contratado pelo Instituto Conhecer. O valor teria sido de R$ 17 mil, sem licitação. O coach catarinense realiza palestras em cidades pequenas e médias de todo o país, a maioria no interior. Diversificado, oferece “entusiasmo” tanto para educadores como para a equipe de vendas da aguardente Pitú.

Nas redes sociais, o vídeo não está mais disponível. Comentários críticos parecem também ter sido excluídos pelo Instituto Conhecer, restando apenas comentários das pessoas indicando seus nomes e escolas. Não foi feita ainda menção ao episódio e nem declarações por parte da Secretaria de Educação ou da Prefeitura. No mesmo dia, outra live com o Instituto Conhecer, foi realizada, voltada aos pais.

Em um momento em que o mundo vive uma revolta contra o racismo, que está obrigando empresas, veículos de mídia e governos a adotarem medidas efetivas contra o racismo, a live em Búzios é um retrocesso absurdo. A luta do povo negro reforça a necessidade de uma educação antirracista, que reconte a história a partir do olhar dos vencidos, que inclua o ensino sobre a História da África e elimine todos os estereótipos associados ao povo negro, como o da preguiça, construído durante a escravidão e perpetuado como forma de manter negros e negras excluídos. 

No mesmo dia da live, o Sindicato dos Profissionais de Educação (SEPE Lagos) divulgou uma nota, em repúdio a live, e dirigida a secretária de Educação, Carla Natália Marinho, e ao prefeito, Alexandre Martins (Republicanos). Leia abaixo na íntegra.

Nota Unificada de Repúdio à Seme de Búzios e à empresa “Instituto Conhecer”

Nós trabalhadores da educação de Armação dos Búzios, em conjunto com ativistas e militantes de entidades, organizações e movimentos de diversos segmentos, vimos por meio desta Nota Unificada de Repúdio manifestar nossa indignação pelas posturas e comentários de teor racista, machista e anticientífico proferidos pelo palestrante Dalmir Sant’anna, em evento online organizado pela Secretaria Municipal de Educação de Armação dos Búzios e empresa “Instituto Conhecer”, contratada com dispensa de processo licitatório pela prefeitura de Armação dos Búzios com a finalidade de falar sobre o tema “Educação em tempos de pandemia”.
Em momento algum da live, que teve duração de 1 hora e 47 minutos, o comunicador efetivamente tratou do tema “Educação em tempos de pandemia”, assunto sobre o qual ele estaria incumbido de — e sendo remunerado para — abordar. Nós esperávamos que o palestrante tratasse da crise sanitária atual, das medidas necessárias para o retorno das aulas presenciais de forma segura para profissionais da educação e alunos; e quais, neste contexto, as dificuldades e possibilidades para a viabilização do ensino remoto nas escolas situadas principalmente em áreas mais carentes do município, ou ainda que falaria sobre as ações que a prefeitura está tomando para garantir aos alunos e aos profissionais da educação auxílio na aquisição de dispositivos digitais e conectividade para viabilização de maior interatividade nas atividades remotas.
Em contrapartida, a palestra se restringiu, ao uso insistente de frases de efeito, com ênfase em criar a já tão propalada falsa narrativa de que “servidores públicos reclamam demais”, inclusive fazendo trocadilho com a própria palavra, servidor.
Em diversos momentos da transmissão ao vivo, o palestrante contratado fez propaganda política escancarada em defesa do governo e da Seme de Búzios, tecendo inúmeros elogios ao prefeito Alexandre Martins, citando inclusive números sobre o suposto “ótimo desempenho” do prefeito frente à vacinação da população, e também enaltecendo a secretária Carla Natália. Ou seja, foi uma palestra paga com dinheiro público para elogiar a administração municipal e fazer muito mais publicidade institucional do que capacitação profissional.
Dalmir Sant’anna em toda sua intervenção individualizou os problemas estruturais do sistema de ensino municipal, reduzindo-os, todos a uma suposta “falta de motivação pessoal” dos trabalhadores da educação. Em vários momentos insinuou que a questão central era a “preguiça” dos profissionais e não o fato de estarmos submersos numa crise pandêmica sem precedentes, e  afirmou que se fôssemos mais “dispostos”, “assertivos” e tivéssemos mais “vontade de trabalhar” tudo se resolveria como “mágica”.
O ponto mais insultuoso da mal chamada “palestra” foi quando o sr. Dalmir colocou uma peruca black power e uma máscara de borracha que caricaturava um fenótipo negro, desqualificando-o como algo ligado a quem é preguiçoso, não gosta de trabalhar e vive reclamando, demonstrando nitidamente uma atitude racista, com o aval dos componentes da Secretaria de Educação, que acompanhavam a palestra e em nenhum momento consideraram o fato, inclusive ignorando os apelos feitos por educadores nos comentários da transmissão. O mais inaceitável se traduz no fato de tratar-se de palestra com supostos fins educativos.
Cabe acrescentar que a lamentável performance teatral racista do palestrante foi acompanhada da música “Retirantes”, de Dorival Caymmi, conhecida por ter sido parte da trilha sonora da novela “Escrava Isaura”. Portanto, uma música que faz evidente alusão à escravidão, fazendo conexões muito preconceituosas entre as categorias “negro”, “escravidão” e “preguiça”. Esta conduta se torna ainda mais grave se considerarmos que Armação de Búzios apresenta uma ampla população negra e quilombola (descendentes de pessoas que foram escravizadas no passado), ofendendo a história e a memória dessas pessoas que construíram esse país com seu sangue e suor, exploradas cruelmente por uma elite branca que enriqueceu à custa do trabalho escravo.
Outro momento surpreendente da palestra “motivacional” foi quando o mágico contou uma “anedota” sobre a origem do ser humano. Dalmir contou uma “piada” de um menino que perguntava à sua mãe sobre as origens dos seres humanos, a mãe responde que a humanidade foi criada por Adão e Eva. Então, o menino diz que seu pai lhe ensinou que os humanos descendem do ‘macaco’ (sic). Então, a mãe respondia ao filho que não tem nada a ver com a origem familiar do pai. Ou seja, uma palestra educacional contrária à ciência e recheada de discurso racista e fundamentalista.
A palestra de Dalmir poderia ser resumida em algumas frases imperativas, como: “professor, vai trabalhar em meio à pandemia, sem condições de segurança sanitária e sem EPIs e não reclame”, “não importa a sua saúde e a sua vida, você terá de enfrentá-lo!”, “Não importa o caos que está o país, o estado e a cidade, vá trabalhar sorrindo!”. Aliás, do início ao fim foi enfatizado que os profissionais da educação não devem reclamar os seus direitos e nada temer, confundindo o debate democrático e transparente sobre os problemas e condições de trabalho visando o ensino de qualidade e um ambiente escolar seguro e propício ao aprendizado para os estudantes com “reclamações” sem fundamento.
As apresentações de mágica também nada acrescentaram para a reflexão de nossas práticas pedagógicas para o período da pandemia, apenas reforçava a ideologia ocultada em que precisávamos ignorar os problemas e fazermos o melhor. Na mesma semana em que o congresso nacional decide pressionar pela volta das aulas presenciais, mesmo sem termos asseguradas as condições sanitárias necessárias, somos obrigados a ouvir de um palestrante pago com dinheiro público insinuações de que nós não gostamos de trabalhar. O problema então, na visão da empresa que recebeu 17 mil reais pela palestra motivacional de manutenção do caos, não é a pandemia, mas sim uma suposta preguiça dos profissionais da educação.
Não consideramos o referido palestrante qualificado para abordar temas com relação à educação pública, visto que os exemplos dados foram de atendentes de loja que não tratam bem os seus clientes. Ressaltamos ainda que a abordagem em torno de tais profissionais também se deu de forma preconceituosa, uma vez que, inclusive se valeu dos trabalhadores mais precarizados para dar seus exemplos, como se um gerente de banco não nos tratasse mal, ou um chefe de governo, ou uma secretária, secretário, apenas os mais precarizados, segundo o exemplo do palestrante.
Tal visão empresarial da educação foi desde o início afirmada pela forma como um dos membros da equipe de apoio pedagógico, ao dar as boas vindas aos presentes na live, referiu-se aos estudantes como “clientes”. A secretaria de educação não é uma empresa e a educação não deve ser tratada como mercadoria, mas sim como um direito, um requisito fundamental para a formação da cidadania e dos sujeitos. Reiteramos que esse município possui excelentes profissionais muito bem capacitados em universidades do Brasil e do mundo, que pesquisa a educação seja pela necessidade de se manter sonhando com uma educação de qualidade, seja pela formação em si, abrir mão desses trabalhadores e ir buscar em bancos de universidades privadas profissionais que atuam como marqueteiros, cujo objetivo seja vender um produto, ainda que ele nem seja tão bom, é marcar posição contrária a defesa da educação de qualidade, que no vídeo já deixou clara que esta não será laica, e que gratuita pode ser que seja, mas pela nota do instituto, nos será muito cara.
Por tudo isso, nós signatários desta nota unificada repudiamos o evento promovido pela empresa “Instituto Conhecer”, sob encomenda da Secretaria Municipal de Educação comandada por Carla Natália Marinho.
Assinam:
• Sepe Lagos, Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro, Núcleo Lagos;
• Coletivo Nacional de Educação da CONAQ, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas;
• ACQUILERJ, Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro;
• Núcleo de Estudos Afro-brasileiros Ondjango da FAETEC;
• Portal Esquerda Online;
• Resistência Feminista;
• Movimento Por Nossos Filhos (mães, pais e responsáveis por alunos de Búzios, RJ);
• Movimento Defenda o Ensino Médio em Búzios;
• Construção Coletiva Búzios;
• PSOL Búzios, Partido Socialismo e Liberdade, diretório municipal de Armação dos Búzios;
• Frente Feminista de Búzios;
• Coleduc, Coletivo de Educadores de Araruama;
• Sepe Rio das Ostras/Casimiro de Abreu, Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro, Núcleo Rio das Ostras/Casimiro de Abreu;
• UNEGRO-RJ, União de Negras e Negros Pela Igualdade do Estado do Rio de Janeiro;
IHG, Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania – BH/MG;
• MNU, Movimento Negro Unificado, seção do Rio de Janeiro (Regional Lagos);
• UP, Unidade Popular (Búzios e Cabo Frio);
• UCE, União Cabofriense dos Estudantes;
• MMRL, Movimento de Mulheres da Região dos Lagos;
• AERJ, Associação dos Estudantes Secundaristas do Estado do Rio de Janeiro;
• Campo Combativo do Sepe Lagos;
• Movimento Nossa Classe Educação;
• Portal Esquerda Diário (Movimento Revolucionário dos Trabalhadores);
• Projeto Cidade Biblioteca;
• Sepe Maricá, Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro, Núcleo Maricá;
• Sepe Macaé, Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro, Núcleo Macaé;
• FOB, Federação das Organizações Sindicalistas Revolucionárias do Brasil;
• Siga-RJ, Sindicato Geral Autônomo do Rio de Janeiro;
• PSTU Cabo Frio, Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, Regional Cabo Frio;
Pedimos às demais entidades, organizações e movimentos que queiram se somar às assinaturas, que enviem e-mail para [email protected].

 

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