Existiu por muito tempo a compreensão de que debater a mudança climática era, exclusivamente, debater o futuro. Qualquer menção sobre o aumento na temperatura média do planeta parecia se tratar de um futuro distante, ou sobre realidades alheias ao nosso cotidiano. Não é à toa que por muito tempo a imagem clássica do aquecimento global foi a de um urso polar sem encontrar terreno firme, ou frases do tipo: “qual mundo deixaremos para nossos netos?”. Hoje sabemos que não se trata apenas de ursos boiando pelo ártico ou de nossos descendentes lutando pela sobrevivência. A imagem mais precisa para a mudança climática pode ser encontrada a qualquer momento ao ligarmos a TV ou navegarmos um pouco pela internet: incêndios devastadores, eventos climáticos imprevisíveis e catastróficos, enchentes e secas, destruição de plantações, uma pandemia.
A luta pela sobrevivência está se dando agora
É bem verdade que a luta não se iniciou hoje. Há décadas ativistas no combate à mudança climática vem tentando conscientizar a sociedade dos perigosos catastróficos no uso de combustíveis fósseis, no desmatamento e em um modo de produção e consumo insustentável. De todo modo, os avisos dos militantes que vieram antes encontraram ouvidos fechados. Hoje, entretanto, vemos uma geração cada vez mais comprometida na luta por justiça climática e disposta a enfrentar aqueles que lucram com a destruição. São jovens, muitos em idade escolar, que defendem uma ação incisiva no combate ao aquecimento global. Se trata da “Geração Greta”.
A “Geração Greta”
“Como ousam”, essa curta frase carregada de indignação rodou o mundo em 2019. Uma jovem sueca de apenas 16 anos, diante de olhares indiferentes de líderes mundiais em um evento da ONU, não se amedrontou e expôs a farsa das “ações climáticas” dos governos ao redor do mundo. Segundo Greta Thunberg, não passavam de palavras vazias. O discurso inflamado de Greta e seu protesto solitário semanal no parlamento sueco serviram de exemplo para os milhões de adolescentes e jovens que observam o mundo sendo despedaçado pela catástrofe ecológica que cada dia se torna mais concreta. Logo, por todo o globo, estudantes passaram a fazer “greves pelo clima” toda sexta-feira, reproduzindo a ação de Greta. No ano de 2019 ocorreram manifestações coordenadas em 150 países, lideradas por adolescentes, na sua maioria garotas. Estava claro que uma nova geração de ativistas por justiça climática se formava — dessa vez maior e mais indignada que gerações passadas.
O ano de 2019 foi um dos anos mais potentes do ativismo ecológico, com milhões de pessoas nas ruas protestando e demonstrando ativamente sua indignação. Além do movimento Fridays For Future, organizado por Greta, também surgiu o movimento Extinction Rebellion e houve uma massificação do Ende Gelände, todos ligados à luta climática. Mesmo com as massivas manifestações de rua, “poucos adultos estão ouvindo”, como a própria Greta aponta. Nós vemos a tendência de mudança climática firme e ascendente. Os governos ao redor do mundo seguem fazendo promessas vazias e gestos simbólicos sobre a questão, enquanto por outro lado agem concretamente em apoio à indústria de combustíveis fósseis.
Mudar o sistema, não o clima
Uma palavra de ordem comum em todos movimentos ecológicos e climáticos é “mudar o sistema, não o clima”. Mais do que um trocadilho inteligente, essa frase deve resumir qualquer luta consequente que queira impedir o colapso global. O problema é o sistema. A raiz de toda destruição que acontece diante dos nossos olhos está na lógica e imperativos do sistema em que vivemos. O problema é radical, pois se encontra na raiz, e do mesmo modo as soluções para a crise devem ser radicais, devem agarrar o problema pela raiz. Esta é a única forma de garantir uma alternativa viável para a hecatombe ecológica. Para isso, precisamos dar nomes aos bois.
Identificar que o problema é estrutural e que sua origem se dá no sistema em que vivemos só pode significar uma coisa: a causa é o capitalismo. Não podemos dizer meias palavras e nem amenizar a questão, a urgência e escala da situação exige que sejamos diretos e precisos no nosso diagnóstico e nas nossas propostas. O sistema capitalista tem como base de sustentação a exploração e a extração. Por um lado, a exploração dos seres humanos, da classe trabalhadora, que faz com que a sociedade funcione, produza, viva. Nesse sistema, a imensa maioria da população global é explorada para o lucro de uma parcela infinitamente menor de pessoas. Por outro lado, a extração da natureza. O sistema capitalista transforma tudo em recurso e produto — o que chamamos de “reificação”—, meros recursos que devem ser conjugados de modo a garantir o maior lucro possível. Dessa forma, a natureza deixa de ser algo com o qual a nossa relação deve ser saudável, preservada e mediada. A natureza se torna recurso e produto também. Assim, vemos a extração desenfreada de minérios, de petróleo, de gás natural, de carvão. Nesse processo, florestas são destruídas, corpos de água contaminados e toneladas de CO2 são jogadas na atmosfera. Ou seja, no sistema capitalista é preciso destruir — vidas e natureza — para lucrar.
Isso nos coloca a tarefa de sermos tão radicais nas nossas ações quanto o sistema é radical na sua ação destrutiva. O teórico e ativista ecológico Andreas Malm diz no seu último livro — “How To Blow Up a Pipeline”, ainda sem versão em português — que o movimento ecológico é o mais educado que existe. Apesar da gravidade e seriedade do que enfrentamos, ainda nos resignamos a cobrar, tranquila ou impacientemente, que o poder político e o poder econômico — incontestavelmente os responsáveis por possibilitar a destruição ecológica — façam algo para evitar a catástrofe que se anuncia. A pandemia nos impede que tomemos a rua com potência e façamos ações com a radicalidade necessária, mas podemos usar o dia de hoje, um dia de Greve Global pelo Clima, para demonstrarmos nossa indignação da forma que for possível — e que possamos refletir e organizar a forma que teremos que agir quando o vírus nos permitir.
*Militante do Afronte no Rio Grande do Sul.
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