A direção da histórica empresa norteamericana não esperou chegar nem a primeira quinzena de janeiro desse ano para anunciar o fechamento de três fábricas no Brasil e a demissão de mais ou menos cinco mil trabalhadoras e trabalhadores. Em nota oficial publicada em suas redes, diz:
“A Ford está anunciando uma restruturação de suas operações na região que permitirá ter um modelo de negócios ágil e sustentável no Brasil e América do Sul, apoiado em seus pontos fortes globais em SUVs, picapes e veículos comerciais. Como você sabe, a indústria automotiva global está passando por um processo de transformação impulsionado por novas e emergentes tecnologias em serviços conectados, eletrificação e veículos autônomos, com demandas dos consumidores e itens regulatórios remodelando o mercado. Além disso, a pandemia global do Covid-19 ampliou os desafios do negócio, com persistente capacidade ociosa da indústria e redução das vendas na América do Sul, especialmente no Brasil. Diante desse cenário, a Ford encerrará as operações brasileiras de manufatura nas plantas de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Troller (Horizonte – CE) durante 2021”… Nota na integra em: Ford Avança na Reestruturação da América do Sul.
A empresa já tinha fechado sua conhecida fábrica de caminhões no ABC Paulista em fevereiro de 2019. O curioso é que tal processo não vem acontecendo somente com a Ford. Em dezembro de 2020, a Mercedes-Benz anunciou fechamento da fábrica de Iracemápolis (SP), de onde saíam os modelos Classe C e GLA. Em julho de 2020, acompanhamos a greve dos metalúrgicos da Renault no Paraná contra o anuncio de 700 demissões. Em agosto de 2020, foi a vez da alemã Volkswagen anunciar a demissão de 35% do numero de trabalhadores de todo país.
Nos parece que a reestruturação produtiva permanente é um processo inevitável para as grandes e históricas fabricas automotivas nos marcos do capitalismo neoliberal ultracompetitivo, mas a desindustrialização do Brasil é um processo que poderia ser evitado, se não fosse o desastroso governo Bolsonaro. Esses são os dois eixos que irão conduzir esse texto (Reestruturação produtiva e desindustrialização no Brasil) para tentarmos entender o que está em jogo e as consequências para o país.
Bateria de lítio x combustível fóssil
Segundo a Forbes, no final de 2020, Elon Musk, acionista que comanda a Tesla, empresa que fabrica carros elétricos, se tornou o homem mais rico do mundo. As ações da empresa de Musk subiram 25% nos últimos dias do ano, ultrapassando de longe as medias do S&P 500 e do Dow Jones, que subiram 1,8% e 1,6% no mesmo período. O anúncio da vitória dos democratas na Georgia, elegendo o primeiro senador negro da história, ajudaram em parte as ações da Tesla subirem, já que o Congresso de maioria democrata poderia ser mais simpático à agenda de Biden que envolve o tema da mudança climática devido à ação de combustíveis fósseis, fazendo investidores aderirem às iniciativas do mercado da tecnologia verde.
Em 2020, segundo a Revista Exame, as ações da Tesla valorizaram 500%, valendo, assim, cinco vezes mais do que as tradicionais americanas GM e Ford juntas. O impressionante é que a montadora de carros 100% elétricos não vende, nem de perto, o que as maiores do mundo comercializam todos os anos. Diante dessa ascensão meteórica da pioneira fábrica de carros elétricos do Vale do Silício, a GM anunciou em outubro de 2020 um investimento na ordem de 2 bilhões, numa ofensiva para liderar esse novo mercado de carros elétricos que, por enquanto, a Tesla parece correr em raia livre. Com os investimentos anunciados, a montadora passa a ter três complexos fabris aptos a produzir veículos elétricos no Tennessee, Detroit e Orion.
Todas essas transformações em relação ao uso da matriz energética para a fabricação de automóveis e as preocupações das sociedades em relação ao desenvolvimento sustentável estão dando audiência e ampliando um mercado para o uso de carros fabricados com baterias de lítio que conseguem armazenar energia elétrica tempo suficiente para fazer uma máquina funcionar perfeitamente sem a emissão de CO2 no ambiente, ou com baixa emissão em casos de automóveis híbridos. Essa tendência é uma das mais importantes forças de pressão global que está determinando o reposicionamento da estratégia das grandes montadoras e, consequentemente, atinge todo seu parque industrial pelo mundo, inclusive no Brasil.
Crise econômica, desindustrialização e instabilidade
A crise econômica brasileira aprofundou a desaceleração da indústria automobilística, que viu o mercado encolher ainda mais com a pandemia, que paralisou linhas de produção em todo o mundo. Há mais brasileiros pobres e inseguros para se aventurar em financiamentos que possam trazer mais endividamento, e em tempos de pandemia a prioridade está na saúde e alimentação.
Mas, para além desse cenário, o governo brasileiro aplica uma política de desindustrialização radical, priorizando a exportação de produtos de baixo valor agregado como minérios e soja. Com o fim do Ministério da Indústria, consequentemente a falta de um plano específico de incentivo à indústria e com a absurda alta do dólar, a indústria vai participar cada vez menos do PIB nacional. Isso porque boa parte das peças e tecnologias são importadas para a fabricação de automóveis no Brasil, que estão a preços impraticáveis com a desvalorização do real frente ao dólar.
Somado a isso, também estamos vendo o desmonte e venda do setor industrial estatal, sobre o qual o governo vai jogando na lata do lixo qualquer possibilidade de alavancar a produção de bens de alto valor agregado para potencializar a economia brasileira. O plano é desfigurar o Brasil, transformando toda a sua biodiversidade num grande campo de produção de soja e minério baratos para exportação, ao mesmo tempo em que se intensifica a dependência pela alta tecnologia produzida fora do país.
Por ultimo, outro tema que gera insegurança para investimentos e crescimento da industria automobilística é a imprevisibilidade do governo com temas decisivos para a retomada econômica e para a estabilidade política do país. A política de gerar desconfiança na vacina e alongar para um futuro imprevisível à resolução da pandemia no Brasil, as ameaças ao regime democrático e os conflitos gerados com a cúpula de outros poderes geram um ambiente de insegurança, imprevisível e turvo para projeções, aplicações e investimentos. Isso significa que há frações da própria burguesia que não depositam confiança para o desenvolvimento de seus próprios negócios. Assim, o governo de Bolsonaro e seu “posto Ipiranga” começam a ficar disfuncional não só para as demandas do povo trabalhador, mas para amplos setores das elites dominantes, o que explica bem a própria divisão na eleição da presidência da Câmara dos Deputados e as recentes declarações agressivas de Rodrigo Maia e dos editoriais dos principais jornais do país contra Bolsonaro.
A crise do 5G
Voltando ao tema da reestruturação produtiva, devemos inserir nesse tema não só a eletrificação dos carros que diminuem a emissão de CO2, mas também a automação sustentada por alta tecnologia que por sua vez dependerá de uma internet 5G amplamente instalada, funcionando com plenitude e a preços que compensam para uma industria que opera num mercado de altíssima competição.
Acontece que o leilão do 5G do Brasil, embora esteja prometido para o primeiro semestre desse ano, não se sabe com exatidão quando acontecerá. Esse evento conta com uma crise importante relacionada a participação da empresa Chinesa Huawei, cujo a ala ideológica do governo ligado a Trump defende que os chineses fiquem fora do leilão. Pelo Twitter, Eduardo Bolsonaro disse:
“ O governo de Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Network, lançada pelo governo Donald Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”
Tal declaração abriu um incidente diplomático, gerando resposta dos chineses, como também uma declaração do vice presidente Mourão, contraria a essa do filho do presidente. Em primeiro lugar, é preciso registrar que o Brasil deveria ter como política de estado o fortalecimento de nossa soberania tecnológica na área da comunicação através de uma empresa publica nacional com controle social para gerir o 5G no Brasil. Mas numa situação no qual estamos longe dessa possibilidade emancipatória, do ponto de vista dos interesses dos distintos setores da burguesia brasileira a proibição da Hawei em participar do leilão vai gerar custos adicionais na implementação e acesso ao 5G, inclusive para industria que quer se modernizar. A Huawei domina as operações de telefonia no Brasil participando no fornecimento de equipamentos para Nextel, Oi, Claro, Tim entre outras… Nesse sentido, esses desencontros do governo não colabora para o ambiente de negócios que depende de previsibilidade em relação aos custos e investimentos. Qual fabrica de automóveis pode fazer planos e investimentos num cenário no qual o governo Bolsonaro é o vetor da instabilidade e insegurança? Mais uma vez a extrema direita no poder demonstra ser um problema para a própria burguesia e seus negócios…
Desemprego, informalidade e inchaço do setor de serviços
A desindustrialização do Brasil está gerando uma massa de operários qualificados que ao não encontrarem emprego na sua área de atuação, são empurrados a trabalhar no setor de serviços. Em 2018, a parcela da industria no PIB, de 11,3%, chegou a seu ponto mais baixo desde 1947, ao mesmo tempo vem crescendo a participação do setor de serviços. Segundo o IBGE, o setor terciário( Comercio e serviços) passou de 69% de valor adicionado ao PIB em 1997 para 73% em 2018. Segundo os dados da Pnad contínua, entre os anos de 2012 e 2019, houve um aumento de 137% no numero de motoristas de aplicativo, só no Distrito Federal, o contingente pulou de 4 mil em 2012 para 20 mil em 2019.
Num cenário de aumento do desemprego, fraca recuperação econômica, emprego informal com baixos salários e sem condições de garantir o pagamento de um regime previdenciário, temos uma massa de trabalhadoras e trabalhadores endividados e com famílias com baixo poder de consumo principalmente de bens duráveis, diminuindo a demanda por automóveis. Contribuindo assim para o fechamento de fabricas que não atendem as expectativas por robustas taxas de lucros por parte dos acionistas das grandes montadoras.
Caso o governo Bolsonaro siga em frente sem ser interrompido, muito provavelmente essa dinâmica vai continuar se aprofundando, no qual a economia brasileira vai consolidar suas características coloniais, hiperdependente de alta tecnologia, com baixa produtividade e concentradora de renda. Gerando bilionários, ou seja, empresários predadores e/ou parasitas de ramos específicos do mercado, levando o setor de manufatura especializada ao ostracismo. Ao mesmo tempo ampliando uma massa de trabalhadores desempregados, informais e com baixos salários, derrubando no chão o valor do trabalho, impedindo a distribuição de renda e ampliando a desigualdade social no Brasil.
*Gibran Jordão é membro da Coord. Nacional da Travessia Coletivo Sindical e Popular
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