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MOVIMENTO

Por que os Membros da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) possuem estabilidade?

Coletivo TSTs Cariri, de Juazeiro do Norte, (CE)
Reprodução/Internet

Há 3 anos que a classe trabalhadora brasileira amarga os efeitos perversos da reforma trabalhista do governo golpista de Temer. Em continuidade já caminhamos para 2 anos da reforma da previdência do neofascista Bolsonaro. Na esteira dessas reformas ultraneoliberais entrou no radar do empresariado e da direita brasileira a contrarreforma administrativa, que, entre outras coisas, prevê a extinção da estabilidade do servidor público.

Como parte do aprofundamento das “reformas”, o governo e o empresariado tramam formas de também impor o fim da obrigatoriedade da composição da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) ou como alternativa, buscam meios para extinguir a estabilidade de seus membros. Há uma nítida pretensão desse arranjo institucional que uniu o empresariado brasileiro ao neofascismo bolsonarista em extirpar de vez a estabilidade de emprego do nosso ordenamento jurídico de modo a permitir precarizar ainda mais as condições de vida e trabalho de milhões que ainda estão no chamado mercado formal regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

Não a toa, o Ministério da Economia anunciou, recentemente, um novo programa, chamado “Descomplica Trabalhista”, por meio do qual pretende revogar cerca de duas mil normas trabalhistas, sob a alegação de diminuição do chamado “custo Brasil”. Há uma razão para essa busca incessante do empresariado em aniquilar a mínima regulação estatal em matéria trabalhista e assim conseguir total liberdade em dispensar a mão-de-obra, substituindo-a por temporários ou adotando cada vez mais métodos automatizados de produção e de trabalho que geram mais e mais lucros.

A CIPA se constituiu historicamente como um instrumento de luta e organização do operariado, e, sem a estabilidade, perde sua capacidade de atuar como um contrapeso à exploração e opressão que ocorrem cotidianamente no interior da produção. É neste contexto que o presente artigo se propõe a mostrar a estabilidade do cipeiro como uma conquista dos trabalhadores, garantindo-lhes agir dentro dos marcos legais mesmo contra a vontade do empregador.

A origem da CIPA, fruto do crescimento e organização do operariado

A industrialização do Brasil foi um processo lento e demorado. De fato, ocorreu a partir da primeira Guerra Mundial e toma um impulso decisivo somente após 1930, quando a crise mundial de 1929 impossibilitou o país de continuar operando no tradicional modelo primário exportador. Nessa fase, iniciou-se a substituição, por produção interna, de alguns produtos anteriormente importados, notadamente os bens de consumo não-duráveis. A industrialização do país transforma as relações sociais e inicia a modernização do capitalismo brasileiro, pois era preciso dar conta de abastecer o país de bens de consumo, assim como também expandir a infraestrutura existente para a circulação da maior produção. Em sentido genérico, a nossa “Revolução Industrial” começou no final do século XIX, mas foi durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945) que a indústria brasileira ganhou força.

O papel indutor do Estado nesse processo foi determinante, principalmente com ações na criação de estatais nos ramos da mineração, petroquímica e siderurgia, setores fornecedores de insumos básicos. São desse período, a Companhia Siderúrgica Nacional, em 1941; a Companhia do Vale do Rio Doce (1942); e a Fábrica Nacional de Motores (1942). No mesmo compasso, em São Paulo se instalou grandes empresas multinacionais, entre as principais, a Rhodia, Ford. GM, GE, Phillips, Pirelli, Firestone, Unilever, Nestlé, Kodak e outras. Como resultante deste ímpeto de crescimento e diversificação surgia um operariado que se organiza e se inclina à esquerda cada vez mais. Foram muitas as greves, manifestações e reivindicações as mais variadas, como o do movimento negro e reivindicações pelo voto feminino. Esse crescimento da classe trabalhadora e de suas organizações, de um lado, bem como a crescente exacerbação de conflitos entre as classes dá vez a um crescente movimento conservador e contrarrevolucionário que vai desaguar no surgimento do primeiro partido fascista fora da Europa – o integralismo.

Na perspectiva aberta por Marx e Engels, ao contrário do que relata o pensamento vulgar, a superestrutura não é apenas um simples reflexo do movimento da economia, mas também geradora de pressões e efeitos internos (nela mesma) e externos (sobre a base). Assim sendo, no capitalismo, embora a base impulsione modificações na superestrutura, não só há efeitos recíprocos desta em relação àquela, pressionando por mudanças materiais, como também determinações horizontais, no sentido de que há intra-determinações tanto na infra como na superestrutura.

O fato é que a “Revolução Industrial” brasileira desencadeou, um processo de proteção jurídica à Saúde e Segurança no Trabalho. Ou seja, em decorrência da chegada das máquinas no Brasil, houve um aumento do número de acidentes, um aumento numérico no plantel e na organização do operariado, e, ao mesmo tempo, uma maior intensidade das lutas. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), cujo Brasil se filia desde sua criação 1919, havia aprovado já em 1921, uma instrução recomendando a criação de “comitês de segurança” para indústrias. É nesse movimento contraditório que a legislação sobre acidentes de trabalho, que já havia sido sancionada desde 1919, se efetivava e em 1944 surge o decreto lei que em seu artigo 82 recomenda: “Os empregadores, cujo número de empregados seja superior a 100, deverão providenciar a organização, em seus estabelecimentos, de comissões internas”.

A primeira portaria que efetivamente regulamentou o funcionamento da CIPA foi a de n° 229 de junho de 1945, que trazia em seu texto a seguinte atribuição a CIPA: “investigar as causas de acidentes e doenças profissionais, mantendo em dia as estatísticas de acidentes com seus índices de frequência e gravidade”. Nesse primeiro momento, a CIPA deveria ser constituída pelo presidente, secretário, médico da fábrica, engenheiro e três membros representantes dos trabalhadores, indicados pelo sindicato da categoria, se este efetivamente existisse. Em 1978 a CIPA passou a ser uma das Normas Regulamentadoras, a NR 5, tal como ela ainda é hoje, sendo obrigatória para todas as empresas a partir de 20 (vinte) empregados.

Situação das CIPAS diante da pandemia e do desemprego

No contexto de crise econômica e sanitária em que vivemos atualmente existem diferentes realidades no mundo do trabalho. O Brasil tem hoje mais de 14 milhões de desempregados e as demissões empurram cada vez mais trabalhadoras e trabalhadores para a informalidade que atinge incríveis 40 milhões de pessoas. O trabalho por conta própria é na maioria dos casos a única opção de sobrevivência do desempregado e por não possuir vínculo formal, esse trabalhador não tem os direitos trabalhistas assegurados aos empregados pela CLT, como: férias, 13º salário, FGTS, repousos semanais remunerados, adicional noturno, horas extras, intervalo intrajornada no mínimo legal, e aos informais não se aplicam, na prática, as Normas Regulamentadoras relativas à saúde e segurança, que são as chamadas normativas NRs.

Nesses momentos de crise é comum (e, também, instintivo) que os trabalhadores sintam receio de perder seus empregos. Sua subsistência e de seus dependentes fica ameaçada. E uma das tantas formas que o capitalismo encontra para impedir a coletividade e camaradagem, atributos essências para a conscientização e politização dos trabalhadores no interior das empresas, é estimular exatamente o oposto entre os mesmos – a competição e o individualismo. A patronal procura impor e realçar as diferenças, seja no desenho dos diversos cargos, nas promessas de crescimento profissional, vantagens e privilégios pessoais e ao mesmo tempo, sempre pregam a mentalidade patronal por meio de cursos e campanhas tendo como foco principal provocar um clima de disputa e conflitos no meio dos que produzem.

A ideologia assume, dessa forma, o papel de manter a exploração de uma classe sobre outra, valendo-se de formas discursivas que transformam o interesse da classe dominante em interesse da coletividade. Sendo assim, em todas as empresas, o tratamento dispensado aos trabalhadores é a de um “colaborador” – tudo para fingir que a empresa é uma grande família fraterna e escamotear que ali os trabalhadores produzem em troca de salário, ou seja, é um local onde o trabalhador é oprimido e explorado para gerar lucro para a empresa. Com essa ideologia os patrões conseguem ganhar uma parcela dos trabalhadores para ideia de viver a procura da tão sonhada ascensão social. Contudo, essa disputa entre os trabalhadores no ambiente de trabalho não tem nada de natural ou saudável, a não ser para os objetivos do lucro do patrão. Além de aumentar o lucro, ao impor uma disputa entre os trabalhadores, a empresa também consegue os dividir nos momentos das lutas. Logo no momento decisivo em que tanto se faz necessária a união de todos, boa parte dos trabalhadores, principalmente àqueles que almejam ou já ocupam cargos de chefia não apoiam lutas ou se abstém de participar, seja por medo de perder as “oportunidades” ou mesmo porque já foi ganho para a ideologia patronal e se tornaram uma espécie de braço direito do patrão, fiéis e, assim, motivados a dar as costas para as lutas e aos objetivos da classe operária à qual pertencem.

Cedo ou tarde, de uma maneira ou de outra, as contradições inevitavelmente fazem com que a maioria perceba a opressão e exploração e acabem por agir coletivamente para dar um basta, para mudar a situação. Essas reivindicações acabam por chegar até a CIPA. E quando a comissão começa a fazer aquilo que a lei permite, a patronal passa a usar as mesmas ferramentas do aparato jurídico do Estado que permitiu os direitos, agora para suprimi-los. Nesse momentos chave, a aparente convivência pacífica entre patrões e empregados muda repentinamente e a temperatura se eleva.

Apesar da estabilidade do cipeiro, prevista na legislação brasileira, existir para prevenir represálias de seus empregadores, de fato, ela nunca representou uma garantia total ao cipeiro; na prática, o empresariado brasileiro sabe que o Estado é seu aliado e assim pode dispensar o cipeiro usando as artimanhas e malabarismos jurídicos mesmo antes do pretenso candidato a CIPA poder integrar a comissão e usufruir qualquer direito a estabilidade. Antes mesmo que este se inscreva na CIPA as empresas costumam passar um pente fino e demitir possíveis candidatos “problemas” a CIPA. E mesmo quando ultrapassada essa barreira, e uma vez já eleito, o patrão e seus representantes também podem forçar a demissão do cipeiro dentro dos casos previstos em lei – faltar a 4 reuniões seguidas ou quando há uma falta grave. Em último caso, quando nada funciona, demitem o cipeiro, por cima da lei, e quando o trabalhador recorre e requer a sua readmissão na justiça, o patrão negocia o pagamento de uma “indenização” e mantém assim o “problema” fora da sua empresa. É lógico que os passivos trabalhistas, relacionados a possível indenização dos cipeiros com estabilidade, representavam um empecilho ao capital. E essa é a razão para por fim a esse mecanismo e a atual fase da estrutura produtiva brasileira exige a destruição da legislação trabalhista (superestrutura) referente ao modelo em vigor desde a Constituição de 88.

A luta pala estabilidade do Cipeiro eleito

A composição da CIPA é paritária, ou seja, metade de seus membros é indicada pela empresa (empregador) e a outra metade é eleita pelos trabalhadores (empregados). É claro que a empresa indica aqueles em quem ela confia para defender os seus interesses. Além de seus indicados, os patrões também tentam influenciar os que são eleitos pelo conjunto dos trabalhadores.

A estabilidade do cipeiro se dá apenas aos membros eleitos pelos empregados, ou seja, o vice-presidente, os titulares e os suplentes. Essa estabilidade dos cipeiros eleitos possui uma duração total de 02 (dois) anos. No primeiro ano é decorrente do mandato, pois este tem a duração de 01 ano; com o término do mandato o ex-membro da CIPA possui estabilidade de mais 01 ano no emprego, sendo que sua dispensa sem justa causa será considerada arbitrária.

O mandato de um cipeiro é do conjunto dos empregados daquela empresa que o elegeu e deve ser utilizado para benefício dos trabalhadores, sendo o instituto da estabilidade no emprego uma conquista da classe trabalhadora e ao mesmo tempo uma concessão da legislação burguesa, mesmo contra a vontade do empregador, mecanismo necessário para uma atuação mínima do cipeiro. Contudo não é suficientemente capaz de nos defender dessa verdadeira guerra social cotidiana nos locais de trabalho – uma guerra com milhares de mortos, doentes e mutilados.

Em regra, o empregado estável demitido irregularmente deve ser reintegrado ao emprego. Ocorre que, caso haja um desgaste e animosidade entre o trabalhador e a empresa, o juiz poderá converter a reintegração em pagamento de indenização substitutiva. E não haverá possibilidade de reintegração se no momento da sentença judicial o prazo estabilitário do empregado já tiver terminado. Nesse caso, a reintegração será convertida em pagamento de indenização.

Para resistir a toda essa gama de ataques que permitem ao empresariado a superexploração a fim de recompor as taxas de lucros a patamares anterior a crise, a classe trabalhadora, onde for possível precisa se organizar a partir de todas as suas ferramentas históricas. A CIPA é, portanto, uma realidade para os milhões empregados nas fábricas e empresas com mais de 20 trabalhadores com carteira assinada.

Os partidos com orientação marxista e os sindicatos combativos devem sempre prestar atenção às eleições dos cipeiros, pois estas são um momento importante para os trabalhadores elegerem seus representantes, aqueles que de fato estão interessados em lutar por melhores condições de trabalho e também de vida. E lutar por ambientes dignos, prevenir acidentes e poder evitar doenças ocupacionais significa também lutar por um futuro digno e por uma vida melhor para a nossa classe – uma síntese do programa socialista.