A economia desaba sobre os ombros de assalariados e desempregados
Vencido o processo eleitoral, o homem comum e a mulher comum do povo brasileiro voltam as suas atenções não a economia em sua linguagem cifrada, mas como ela se manifesta no dia a dia das pessoas que, na maior parte dos casos, trabalham ou sofrem as intempéries da desocupação pura e simples.
Esse homem e essa mulher têm em comum os ultrajes que, por trás dos números, os afrontam na pele. No primeiro trimestre, segundo os dados do IBGE, o desemprego era de 12,2%, no segundo passou para 13,3% e, por fim, no trimestre vencido no mês de outubro, dolorosamente, o desemprego bateu na casa dos 14,6%. É o pior índice de desocupação desde 2012, sendo que o Nordeste apresenta os números mais incômodos. Nesse contexto de infortúnios, só cresce a quantidade de desalentados, que, hoje por hoje, é de cerca de 6 milhões de pessoas.
No exato momento em que o problema do desemprego afeta milhões de famílias no país, os preços dos produtos andam na mesma velocidade da violência praticada pelos supermercados contra os pobres, sobretudo nos que carregam consigo a pele negra. Um dia de salário-mínimo não compra um quilo de carne bovina.
Nessa toada de más notícias, o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), da Fundação Getúlio Vargas, chegou a 3,28% em novembro, alcançando 24,52% no ano de 2020. Em um país em que milhões de pessoas não têm moradia própria, esse índice serve de referência para o reajuste de aluguel, que pode subir até 25%.
Esses dados mostrados pelos jornais se perdem em um labirinto de informações, mas, na vida concreta da classe trabalhadora, eles significam desnutrição, despejos e falta de perspectiva.
O crescimento de 7,3% do PIB no terceiro trimestre não reverte os tombos da economia nos dois primeiros trimestres do ano e, aliás, está abaixo das expectativas das senhoras e senhores do mercado. Vale a pena registrar que, nesse mesmo período, o desemprego cresceu, evidenciando as contradições do otimismo fácil do governo Bolsonaro e de economistas simpáticos ao ideário neoliberal. Nesse momento, 53% das pessoas em idade de trabalhar estão sem trabalho.
Eis o Brasil do Bolsonaro.
Nesse país, as trabalhadoras e trabalhadores não têm o que comemorar. Sobrevivendo com um salário-mínimo de 1.045,00 reais, deveriam, pelas estimativas do DIEESE, receber 5.005,091, tomando como referência o mês de outubro. O mais grave é que quase 95% das empresas adotaram a política de redução salarial em meio à pandemia. Por que, então, a classe assalariada haveria de ter motivos para comemorar?
O que aparece na mídia de forma quase inexpressiva, a exemplo do décimo aumento do gás de cozinha no ano, na existência concreta de milhões de pessoas, seguramente, tem um impacto esmagador e doloroso.
Mas essa situação dramática não é mais uma das muitas jabuticabas brasileiras. A ONU admite que a parcela da população que vive na extrema pobreza aumentará em mais 32 milhões de indivíduos, considerando apenas os 47 países “menos desenvolvidos”. O espetáculo da miséria é parte do grande circo do regime social capitalista. A crise humanitária reforçou esse cenário de penúria e indigência.
Que fazer diante do abismo econômico e social?
Seriamente, não será o resultado do primeiro e do último voto contados que trará a solução desejada e necessária. No próximo período, a classe trabalhadora e as suas organizações precisarão estar atentas e fortes. Contar garrafinhas, pensando na eleição de 2022, implica fazer de 2021 um novo ano a ser esquecido, tanto quanto 2020.
Com efeito, no quadro atual da economia, trabalhadores e trabalhadoras estão à beira do precipício, mas, ao não estarem completamente derrotados, podem não só evitar o iminente abismo, mas abrir caminho para que, finalmente, possam sair dessa maré e descortinar novos horizontes.
Infelizmente, a crise sanitária segue com força. Esse fator e a inércia deliberada do governo Bolsonaro resultam em uma contradição, uma vez que o primeiro representa um limitador e o segundo pode vir a se constituir em um elemento de impulso às iniciativas políticas.
Paralelamente, a peleja por comida, emprego e moradia, bem como contra a abertura das escolas e universidades, combinando-se ao movimento consciente contra as estruturas de uma sociedade pensadamente racista, podem animar a luta de classes nos primeiros meses de 2021, principalmente se o desemprego e o desemparo social trocarem figurinhas e o Estado trocar o pastel pelo chicote.
O que seria o Estado trocar o pastel pelo chicote? Na hipótese de o governo e o congresso nacional decidirem descartar de vez não só o auxílio emergencial, mas o bolsa-família ou qualquer outra medida de proteção social aos desvalidos, essa política estaria na ordem do dia. A reação do povo pobre é o cenário mais provável, embora seja impossível predizer exatamente o que irá acontecer. O fato é que a burguesia e os seus porta-vozes parecem menos preocupados com a questão social do que com o deslanche da agenda neoliberal: contrarreformas, privatizações etc. A conjuntura na América do Sul, no entanto, tem emitido mensagens que, à primeira vista, alerta setores minoritários da burguesia brasileira do quanto seria indesejável uma cena social à moda do Chile (principalmente) ou da Bolívia.
Nesse cenário, a esquerda socialista não pode ser refém nem do otimismo fácil nem do pessimismo paralisante. Posto isso, cada contrarreforma deve ser confrontada e fustigada e cada luta, por menor que seja, deve ser amparada e fortalecida. Naturalmente, os tribunos socialistas devem colocar os seus modestos mandatos a serviço do menor sinal de resistência da nossa classe. Afinal, é preciso recusar o abismo.
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