Há várias semanas o discurso midiáticos e dos governos estaduais vem avançando no sentido da normalização da pandemia, propondo medidas de ampliação da retomada das atividades e tratando a pandemia como se estivesse prestes a ser superada no país. Ainda que sem compartilhar explicitamente o negacionismo de Bolsonaro e Pazuello, estas posições contribuem para produzir uma sensação de normalidade, ainda que sem nenhum amparo na realidade. Na última semana, uma modesta redução no número de novos casos impulsionou ainda mais este movimento de normalização. Mas qual é a situação real?
Efetivamente a Semana Epidemiológica 34, encerrada no último sábado, registrou-se uma moderada diminuição de novos casos. Depois de 4 semanas com mais de 300.000 casos, foram registrados 265.266, uma redução de 8,7% em relação à semana anterior (304.684), mas ainda assim 12,7% mais que cinco semana antes (235.274). Também se noticiou que pela primeira vez o índice de Reprodução calculado pela Universidade John Hopkins chegou a menos de 1, atingindo 0,98. O aplicativo do Observatório de Doenças Respiratórias da UFPB registra, para 23/8, um índice de reprodução efetiva de 0,9388 e uma media móvel 14 dias em 0,9365. São dados que indicam uma desaceleração momentânea e muito limitada da pandemia, e que em nosso entendimento devem ser avaliados com muita prudência, considerando uma série de ponderações e mediações necessárias:
1 – Em vista da dimensão da pandemia no Brasil, uma redução neste ritmo implica mais o prolongamento da pandemia do que sua superação. Seguindo com uma redução com um índice R acima de 0,9, permaneceríamos por meses com números ainda muito elevados de casos e aumentaríamos muito mais o número de casos totais e de óbitos. A experiência internacional demonstra que uma contenção efetiva se dá sempre reduzindo o índice R a menos de 0,5, como se deu nos países europeus como efeito de um lockdown efetivo. A África do Sul chegou a registrar mais de 13.000 casos diários no final de julho e conseguiu reduzir para números próximos a 3.000 nos últimos dias. Este é um patamar que pode ser considerado contenção efetiva;
2 – Não é verdade o que vem sendo noticiado indicando que é a primeira vez que há uma redução. Em meados de julho, na semana epidemiológica 29, houve uma redução até mais expressiva que a da última semana, de 10,5% (diminuindo os casos registrados de 262.846 na semana anterior para 235.274), e esta redução foi amplamente revertida com o aumento na semana seguinte, quando se ultrapassou 300.000 novos casos, como evidencia o quadro divulgado no Painel do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde:
3 – A experiência de inúmeros países mostra que a eventual retomada de aulas presenciais, atualmente em discussão em diversas cidades e estados do Brasil, tem um impacto enorme na elevação do índice de reprodução e certamente compensaria largamente a pequena redução hoje verificada. E deve-se considerar que mesmo países que reabriram as escolas, afirmando estar seguindo rigorosos protocolos e que tiveram resultados desastrosos, como Israel, o fizeram quando tinham número muito mais baixo de casos. A tese de que os mais jovens são imunes ao Covid é insustentável, e além já estar comprovado que são transmissores e propagam a pandemia, também é inegável que mesmo em menor proporção, também podem ser vítimas de sintomas graves. No último dado oficial, referente a 16 de agosto, o país registrava já 718 óbitos de crianças e adolescentes por Covid, 84 em investigação e outros 1.236 registrados como SRAG não especificado, totalizando 2.038 óbitos de crianças e adolescentes. (1)
4 – A redução do número de casos não é acompanhada pela redução de óbitos. Ao contrário, na última semana voltamos a ultrapassar a média diária de 1.000 óbitos, com um aumento de 3,9% em relação à semana anterior (de 6.755 para 7.018), sem considerar que a cada semana são registrados em média 2.000 óbitos como SRAG não especificada. Há 14 semanas – mais de 3 meses –estamos com um número total de óbitos oficiais superior a 6.300, e portanto com uma média diária superior a 900. Em nove destas semanas, o número de óbitos foi superior a 7.000.
5 – Esta moderada redução do número de novos casos se dá com a manutenção de uma baixa testagem, mantendo-se uma média de mais de 30% de positivos dentre o total de testes e continuando-se com maior número de testes rápidos e redução de testes RT-PCR. Além disso, os testes (RT-PCR) disponibilizados pelo Ministério da Saúde vem diminuindo de forma constante e sistemática, tendo passado de 205 mil na semana 31 para 135 mil na semana 33 (ainda não está disponível o total da última semana). (2) Mesmo considerando-se todos os testes realizados (incluindo os inadequados testes rápidos), a relação entre testes e resultados positivos piorou no período, estando em 3.05 no registro do site coronavírusbra01 e 3,92 no registro do wordometers.
6 – As diferenças regionais são importantes e mesmo que se chegue a um índice R nacional mais reduzido (o que não é o caso de um índice 0,98, e não seria nem mesmo caso se chegue a 0,9), isto não necessariamente significa que esta redução se distribua por igual entre os estados, ou mesmo que a redução abarque todos os estados. Nos dados da última semana, registram aumento ou estabilidade no número de casos não apenas estados com elevação mais recente, mas também estados como RJ e Pará, que já tiveram altíssimo número de óbitos, chegaram a reduzir os casos e voltaram a aumentar de forma significativa. O caso do Rio de Janeiro é muito expressivo, pois como se verifica no quadro abaixo, é o estado que simultaneamente teve o maior índice de crescimento de casos (64% mais que na semana anterior, de 12.090 para 19.850) e também de óbitos (62% de aumento, passando de 456 a 741), estando com índice R de 1.0948 e média móvel para 14 dias ainda maior, de 1.1745. Ainda pior é a situação da cidade do Rio de Janeiro, que tem um índice R de 1.2082 e média móvel para 14 dias de 1.2702, contexto em que discutir retomada do ensino presencial é simplesmente criminoso.
7 – Por último, e talvez mais importante por se tratar da ilusão que move a política genocida do governo federal e que é crescentemente compartilhada pelos governos estaduais e pela mídia, é necessário discutir se estamos nos aproximando da “imunidade coletiva”, quando haveria uma estabilização “natural” dos casos. É imprescindível enfatizar algo que aparece desapercebido na cobertura midiática: quando se calcula qual o percentual da população infectada que implicaria em uma estabilização dos casos, este cálculo toma como pressuposto a manutenção do mesmo patamar de isolamento. Ora, a discussão é apresentada em um contexto totalmente distinto, como se ter atingido este ponto autorizasse o relaxamento das medidas protetivas. O fato de que os países com maiores índices de mortes no mundo, como Bélgica, Espanha, Reino Unido e Itália estarem e acelerado crescimento depois de terem obtido redução indica claramente que o relaxamento das medidas implica em explosão de novos casos. Mas para além disso, há um exemplo nacional que é sistematicamente ignorado. O estado de Roraima tem disparado a maior incidência , com 6,9% da população diagnosticada como positivo, quatro vezes maior do que a média brasileira (1,7%), e também a pior mortalidade, com 96 óbitos por 100.000 habitantes. E Roraima tem a sexta pior taxa de testagem, com 53.5% de resultados positivos (ou seja; menos de dois testes por positivo). Mesmo nesta terrível situação, o estado está longe de ter controlado a pandemia: na última semana foram registrados 2.130 novos casos, o que significa 0,35% da população, um índice três vezes superior à média nacional (0,12% da população infectada na semana). Deveria ser o suficiente para demonstrar que não podemos contar com imunidade coletiva para a contenção da pandemia, e muito menos para manter uma situação mais favorável.
A situação no mundo
A evolução da pandemia nos países com mais casos nos últimos dias evidencia o contraste entre a redução de novos casos nos Estados Unidos e a continuidade do crescimento na Índia, resultando em uma pequena redução no total de casos novos (-1%). Em termos relativos à população, os Estados Unidos tem uma situação muito pior que a Índia, enfrentam uma segunda onda e têm o 10o pior índice de mortes por milhão do mundo (545), embora deva ser ultrapassado pelo Brasil (539) nos próximos dias. O país registrou 903 mil casos em abril, 755 mil em maio, 874 mil em junho, 1,983 milhão em julho e 1,160 milhão em agosto até aqui, mas deve-se considerar a expressiva ampliação da testagem, e portanto a evolução pode ser melhor avaliada na curva do registro de óbitos: são 59.944 em abril, 43.797 em maio, 21.366 em junho, 26.885 em julho e 23.406 em agosto até aqui. Enquanto a maior concentração dos óbitos em abril e maio foi em Nova Iorque e Nova Jersey, em julho e agosto há concentração maior na Califórnia e nos estados do Sul, especialmente Texas e Florida. As experiências desastrosas de reabertura das escolas em vários estados foram decisivas e já existem estudos comprovando a relação entre reabertura das escolas e aumento da incidência. A redução em 19% no número de novos casos nas últimas duas semanas é relevante, mas esconde distintas realidades regionais, em um país federativo e sem políticas nacionais de contenção, permanecendo uma situação dramática em vários estados sulistas.
Por sua vez, a Índia teve um aumento de 15% no número de casos nos últimos 14 dias em relação aos 14 anteriores e se consolida como o país com maior número de novos casos. No entanto, trata-se de um país muito populoso, com um governo de extrema-direita extremamente autoritário e pouco transparente e no qual a dinâmica de contágio é mais lenta por ter 68% da população no campo (embora densamente povoado). Atualmente a Índia tem 42 mortes por milhão – duas vezes e meia menos que a média mundial e 13 vezes menos que Brasil e Estados Unidos, mas é difícil prever os limites de expansão da pandemia no país se não for adotada uma política nacional de contenção.
Na Europa Ocidental, a despeito dos já elevados índices de contágios em março e abril, há claramente uma segunda onda e elevados índices de crescimento de casos. A ampla testagem e monitoramento efetivo diferenciam a atual situação da anterior, mas ainda assim são números expressivos de novos casos, especialmente na Espanha (que chegou a registrar mais de 6.000 casos em um dia, embora já tenha iniciado uma redução nos últimos dias) e na França (que se aproxima de 5.000 casos diários).
Ainda assim, em termos mundiais, e para além dos três países que concentram mais casos e óbitos (Estados Unidos, Brasil e Índia), as regiões em pior situação são América do Sul, Oriente Médio e Ásia Central. De acordo com o site endcoronavirus.org, os dez países com maior número de novos casos nos últimos 14 dias são: Índia (891.930), EUA (669.183), Brasil (569.950), Colômbia (145.268), Peru (112.192), Argentina (94.991), México (80.314), Espanha (71.692), Rússia (68.968) e Filipinas (60.364). (3) Um dado que chama atenção é que os cinco países com maiores taxas de mortes por milhão de habitantes (desconsiderando dois micropaíses, San Marino e Andorra) estão novamente entre os países com crescimento no número de casos: Bélgica (+5%), Peru (+25%), Espanha (+30%), Reino Unido (+30%) e Itália (+38%), o que uma vez mais demonstra que esperar que altos índices de contaminação seja fator determinante na estabilização dos casos é uma perigosa tolice.
A tabela apresentada em anexo sistematiza dados dos 15 países com maior número total de mortes registradas de acordo com o wordometers e registra o número de novos casos dos últimos 14 dias, comparando com os 14 dias anteriores, de forma a identificar se a tendência em cada país é de crescimento ou redução da pandemia. Esta comparação envolvendo o número de novos casos em dois períodos de duas semanas visa avaliar se há avanço ou recuo da pandemia. O aumento nos casos na Índia compensa a redução nos Estados Unidos, e somados ao Brasil, estes países totalizam 59,9% dos novos casos no período, o que sobretudo nos casos de Estados Unidos e Brasil expressa um super-representação inteiramente desproporcional à sua população.
Nos últimos sete dias, o Brasil teve 6.892 mortes o que representa 17,6% das 39.178 registradas em todo o mundo (o Brasil tem 2.75% da população mundial). Portanto uma em cada seis mortes ocorridas no mundo se deu no Brasil, país que tem um em cada 36 habitantes do planeta. Os Estados Unidos registraram no período 6.920 óbitos e a Índia registrou 6.647. Portanto os três países contabilizaram juntos 52.2% das mortes mundiais na semana. No último sábado (22/8), o Brasil registrou mais mortes (823) que todos os 141 países da Europa, África, Oceania, América Central e Caribe (714).
O número oficial de óbitos expressa apenas uma parcela das mortes decorrentes de Covid-19, deixando de considerar outras duas situações relevantes. A primeira é que uma parcela dos contaminados morre em casa e mesmo tendo sintomas indicativos de Covid, não são contabilizados. É impossível determinar o número de óbitos decorrentes de Covid nesta situação, restando apenas a comparação do número total de óbitos (desconsiderando aqueles por causas externas, como homicídio e acidentes) em relação ao ano anterior (um dado que só é consolidado bastante tempo depois e cujos dados parciais e incompletos vem sendo recorrentemente mencionados em discursos negacionistas). Ainda assim, os dados mais consolidados de maio e junho indicam a dimensão do expressivo aumento de óbitos, e mesmo que ainda não sejam definitivos, os dados de julho vão no mesmo sentido: (4)
A segunda situação envolve as mortes por insuficiência respiratória que ocorrem em ambiente hospitalar, com sintomas compatíveis por Covid, mas que não são testados. Neste caso, o óbito é registrado como Síndrome Respiratória Aguda Grave “não especificada”. O último dado disponível é de 16 de agosto (Boletim Epidemiológico 26), quando tínhamos já 43.908 mortes por SRAG não especificada, além de outras 3.473 mortes em investigação para Covid. Somadas ao número oficial de mortes por Covid, já são mais de 162.153 óbitos. Alguns estados seguem registrando uma elevadíssima relação entre as mortes registradas como SRAG não identificada e as mortes oficializadas como Covid (dados referentes a 16/8): Paraná (2.526 SRAG / 2.450 Covid), Minas Gerais (3.686 SRAG / 4.313 Covid); Rio Grande do Sul (2.174 SRAG / 2.722 Covid), Mato Grosso do Sul (433 / 6204), Santa Catarina (709 / 1.700) e Amazonas (1.500 / 3.321). Portanto, o Paraná tem ainda mais óbitos registrados como SRAG não especificado do que Covid, e os demais estados citados tem ao menos 30% dos óbitos registrados como SRAG não especificado.
Além disto, o Ministério da Saúde segue propagando o número de “recuperados” como se fosse um dado positivo, ignorando que há uma proporção quase constante entre número de recuperados, número de casos e número de óbitos, e que se estamos em segundo no número de recuperados, também estamos nos demais critérios. Além disso, esta argumentação produz o ocultamento de um dado fundamental, indicado por inúmeras pesquisas recentes, que revelam que mesmo entre os sobreviventes há diversas sequelas, incluindo-se fadiga, falta de ar persistente, problemas neurológicos, circulatórios, auditivos e diversos outros ainda em investigação.
A subnotificação segue como problema grave, e a não renovação do convênio que permitiu a realização da pesquisa nacional Epicovid-19BR, em três etapas, é um ato que agrava muito o desconhecimento da real situação. A etapa mais recente da pesquisa completou-se há mais de dois meses, e os resultados divulgados no dia 26 de junho indicavam 5.1 vezes mais contaminados do que os oficialmente diagnosticados. Mantendo-se a proporção da última pesquisa, estaríamos hoje com 18,4 milhões de contaminados, ou 8,6% da população do país. Considerando a intenção repetida 33 vezes por Bolsonaro de atingir 70% da população para garantir a alegada “imunidade de rebanho” (segundo levantamento da agência Aos Fatos), este número teria que crescer ainda mais 8 vezes. Mantendo persistentemente uma média próxima a 1.000 mortes diárias, seguimos também com elevado ritmo de expansão do número absoluto de mortes (13.5% em 14 dias) e de casos (18,8% em 14 dias). O Brasil já chega a 14,1% das mortes mundiais, com 539 mortes por milhão de habitantes, ultrapassa em mais de cinco vezes a média mundial (104.2). Entre os 15 países mais populosos do mundo, apenas quatro tem mais de 100 mortes por milhão (EUA, Brasil, México e Rússia), e cinco tem menos de 10 mortes por milhão: Japão, Etiópia, Nigéria, China e Vietnã.
Em números absolutos, apesar da baixíssima testagem, o Brasil é o terceiro país com maior número absoluto de novos casos registrados nos últimos 14 dias, abaixo apenas da Índia (com população 6,5 vezes maior) e pelos Estados Unidos (que testa quase seis vezes mais). Dos 3.551.390 novos casos registrados no período, 16,1% ocorreram no Brasil (570.201) e 18.8% nos Estados Unidos (666.891). Portanto, dois países que juntos não chegam a 7% da população mundial, tiveram de 34,9% dos novos casos. A Índia teve 891.048 novos casos, um quarto do total mundial de mortos, sendo o único entre os três países que registrou aumento do número de novos casos no período (+15%), frente à redução de 7% no Brasil e de 19% nos Estados Unidos Dois outros países tiveram mais de 100.000 novos casos no período, ambos com expressivo aumento: Colômbia (+11%) e Peru (+25%). México, África do Sul, Rússia, Irã e Chile também tiveram redução, sendo que da África do Sul (-44%) foi a mais expressiva, expressando uma política de contenção rigorosa e efetiva, enquanto a Rússia se destaca por manter-se em redução há várias semanas, embora em patamares mais modestos. Espanha, França, Reino Unido, Bélgica e Itália tiveram aumento de novos casos, e desta vez o maior percentual foi da França (+166%), seguida pela Itália, com +98%.
A China, que há tempos deixou de constar no quadro dos quinze países com mais mortes, foi ultrapassada por países como Holanda, Turquia e Suécia (que tem uma população 140 vezes menor), Equador, Paquistão, África do Sul, Indonésia, Egito e Iraque, e hoje é apenas o 27º país em número absoluto de mortes e o 168º em mortes por milhão de habitantes. O país não registra morte há 109 dias, e depois de enfrentar novos focos na região de Pequim, vem novamente reduzindo o número de casos ativos, hoje em 408.
A maior parte dos países vem elevando expressivamente a testagem e atingindo ou passando a relação de 20 testes realizados por resultado positivo indicada pela OMS como expressão de um controle efetivo. (5) Enquanto os países europeus tem todos mais de 20 testes realizados por resultado positivo e os Estados Unidos e Índia tem mais de 10, os países latino-americanos destacam-se negativamente: Chile (5,6),Peru (5), Colômbia (4,6), Brasil (3,9) e México (2,3). Na realidade, a situação brasileira é ainda pior do que sugere o índice, pois parte destes testes são testes rápidos, inteiramente inadequados para diagnóstico e que sequer deveriam ser contabilizados.
O elevado ritmo de crescimento das mortes no Brasil, associado a um ritmo de crescimento do número de casos ainda maior, indica um rápido e intenso agravamento do quadro nacional. Já chegando a 114.772 mortes oficializadas, a ausência de uma política nacional de contenção é expressão de uma política criminosa e genocida, e mesmo a moderada redução no número de novos casos não se reflete em diminuição do patamar de mortes diárias. As medidas pontuais e regionalizadas de fechamento temporário, tomadas apenas na iminência do colapso do sistema de saúde, já se mostravam fragmentadas e insuficientes. Mas mesmo estas medidas vêm sendo abandonadas, e, pior, substituídas por propostas absurdas e potencialmente desastrosas como a de retomada de aulas presenciais. Embora a possibilidade de um lockdown nacionalmente unificado que dure o tempo necessário para a efetiva contenção esteja hoje totalmente fora da pauta dos governos e das cogitações dos analistas midiáticos, permanece sendo a única alternativa real, e seria algo objetivamente menos dispendioso do que manter a situação de instabilidade e continuação indefinida da pandemia em patamares de milhares de novos casos diários. Infelizmente, ao contrário, desde o início da pandemia nosso isolamento social vem sendo relaxado e sabotado pelas autoridades federais, com cumplicidade explícita do grande empresariado, produzindo a conjunção trágica entre altas taxas de crescimento das mortes e dos novos casos, em um cenário de baixa testagem e subnotificação generalizada.
Atualmente os Estados Unidos e a América Latina (em especial Brasil, México, Colômbia, Peru, Chile, Argentina, Bolívia, Equador, e diversos países da América Central e Caribe) são os principais centros mundiais da pandemia, seguidos pelo Sul da Ásia (Índia, Filipinas, Bangladesh, Indonésia) e Oriente Médio (Iraque, Irã, Israel, Arábia Saudita, Kuwait, Bahrein, Qatar) e parte da África (especialmente África do Sul, Quênia e Argélia), mas também de forma crescente por vários países da Europa Ocidental que atravessam uma segunda onda, em especial Espanha, França e Bélgica.
De outro lado, há um crescente número de países com a situação estabilizada e que se encontram com menos de mil casos ativos, em todos os continentes, como Ásia (Hong Kong, Chipre, Vietnã, China, Jordânia, Iêmem, Geórgia, Malásia, Sri Lanka, Tailândia, Myamar, Butão e Taiwan,), África (Cabo Verde, Zâmbia, Madagascar, Somália, Congo, Malil, Mauritânia, Lesotho, Reunião, Libéria, Serra Leoa, Togo, Tanzânia, Benin, Mayotte, Djibouti, Burkina Faso, Burundi, São Tomé e Príncipe, Chad, Eritréia, Niger, Comoros), América do Sul (Suriname, Guiana Francesa, Guiana, Uruguai), América Central e Caribe (Trinidad e Tobago, Belize, Cuba, Jamaica, Martinica, Turks and Caicos, Guadalupe, Sint Maarten, Saint Martin, Barbados, Ilhas Virgens Britânicas), Europa (Bielorrússia, Noruega, Montenegro, Hungria, Luxemburgo, Lituânia, Malta, Finlândia, Eslovênia, Letônia, Estônia, Andorra, Ilhas Faroe, Islândia, Ilhas do Canal, Mônaco e Gibraltar) e Oceania (Papua Nova Guiné, Nova Zelândia e Polinésia Francesa). São países de distintas situações econômicas e sociais, mas que vêm tendo êxito na contenção da pandemia. Incluem-se entre eles países de expressiva população: 22 entre os 90 países com mais de dez milhões de habitantes tem menos de 1.000 casos ativos, incluindo-se o país mais populoso do mundo e outros 12 tem entre 1.000 e 2.000 casos.
Alguns países e territórios tem situação ainda melhor, com menos de dez casos ativos, incluindo países populosos como Camboja (17 milhões de habitantes), Laos (7,3 milhões de habitantes), e Mongólia (3,3 milhões de habitantes), e também Fiji, Bermuda, Lieschtenstein, St. Barth, Seichelles, Caribe Holandês, Curaçau, Granadinas, San Marino, Saint Pierre, Maurício, Timor Leste, Saara Ocidental, Antigua e Barbuda, Ilhas Cayman, Brunei, Nova Caledônia, Santa Lúcia e Dominica. Além disso, em diferentes continentes existem países ou territórios que já não tem nenhum caso ativo: dentre 213 países e territórios considerados no wordometers, 9 estão nesta situação: Macao, Granada, Ilha de Man, Groenlândia, St. Kittis e Nevis, Anguilla, Montserrat, Malvinas e Vaticano. O Vietnã, com 97 milhões de habitantes e uma política de contenção exemplar, registra 27 óbitos e 426 casos ativos, com uma taxa de mortes por milhão de habitantes de 0,3, 1.800 vezes menor que a taxa brasileira.
Se por hipótese considerarmos que o ritmo de crescimento de óbitos se mantenha o mesmo do último período (crescimento de 13,5% a cada 14 dias), o número de mortes oficializadas no Brasil atingiria 130.266 em 6/8, 147.852 em 20/9 e 167.812 em 30/9. Não se trata de uma previsão, mas de projeção do ocorreria com a manutenção do atual ritmo. Para evitar isto, é urgente impor um plano nacional de contenção, algo que até o momento jamais tivemos em âmbito nacional.
NOTAS
1 – https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/August/19/Boletim-epidemiologico-COVID-27.pdf, p. 34.
2 – https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/August/19/Boletim-epidemiologico-COVID-27.pdf, p. 46.
3 – Os números são ligeiramente distintos dos do wordometers reunidos no quadro porque o endcoronavirus atualiza os dados a cada 6 horas. https://www.endcoronavirus.org/green-zone-rankings#countries.
4 – Quadro extraído de www.mortalidade.com.br
5 – Por esta razão, deixamos este número entre parênteses no quadro. O CoronavirusBra1, que traz também o número oficial de cada estado, indica o total de 10.255.722. https://coronavirusbra1.github.io/
Comentários