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BRASIL

Genocídio indígena em tempos de pandemia

Maria Rita Reis, Belém, PA
Reprodução Coiab Amazonia

Ao final da tarde do dia 17 de junho de 2020, Juventino Kaxuyana anunciava que seu irmão Honório não estava mais entre nós, que acabava de partir. Juventino, irmão caçula de Honório, e dos demais, ao todo, nove irmãos. Todos filhos de Juventino Matxwaya Kaxuyana, liderança de grande prestígio no segundo quarto do século XX, na região do rio Katxuru (afluente do rio Trombetas), que inclusive define o nome e a identidade dos Katxuyana, ou Kaxuyana, como ficaram mais conhecidos, enquanto yana (gente) do katxuru.

Com a crise pandêmica que estamos enfrentando, é notório o descaso e a negligência do governo perante a população, uma vez que serviços não essenciais e várias outras atividades estejam sendo incentivadas a voltarem à normalidade, o que prejudica ainda mais o grupo de risco. Este grupo de risco não existe apenas em um viés biológico, mas também social. Nesse sentido, é de extrema importância denunciar o quanto comunidades indígenas, que já eram negligenciadas e deixadas a mercê de políticas de extermínio antes da pandemia, estão desassistidas de políticas que as assegurem e deem suporte para sua proteção contra o Coronavírus.

Segundo a Coiab – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – e o IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia -, a taxa de mortalidade entre comunidades indígenas da Amazônia por covid-19 é 150% maior que a média nacional. O Brasil já chegou à 10,3 mil casos confirmados de coronavírus entre indígenas (Fonte: APIB). Ainda que a SESAI notifique os números de infectados e óbitos dentro das aldeias, é uma análise inadequada que não deixa em pauta questões como o apagamento da identidade indígena, que são classificados como “pardos” muitas vezes, e a contabilização de casos que considera somente territórios indígenas homologados e desconsidera mesmo pessoas indígenas que moram em centros urbanos.

A ausência de políticas que amparem as comunidades sempre foi um grande problema. Apesar de existirem, há um “afrouxamento” delas – um exemplo é a FUNAI querendo diminuir a proteção de terras indígenas em processo de homologação em Marabá (PA), o que daria um passe mais livre para garimpeiros e fundiários atenderem seus próprios interesses – que pouco é noticiado em veículos midiáticos, passando despercebido por nós, não-indígenas, o genocídio indígena.

As comunidades enfrentam a pandemia sem o atendimento para pessoas que possam estar infectadas em suas aldeias. Em muitas aldeias não tem água de qualidade para prosseguir com a orientação básica da OMS – lavar as mãos, em muitas regiões não é possível se utilizar dos rios porque já foi infectado por mineradoras, com a escassez de alimentos, ausência de materiais de higiene e medicamentos, falta de testes para covid-19 e ainda lidam, principalmente, com o aumento de invasores em seus territórios, como madeireiros e garimpeiros

A APIB ao lado de membros de partidos do PSB, PCdoB, PSOL, PT, REDE e PDT fizeram a solicitação de instalação de barreiras sanitárias nas 31 terras indígenas com povos isolados ou de recente contato. Nesta segunda-feira (02), o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, determinou que o presidente Bolsonaro manifeste em até 48 horas sobre o pedido de liminar.

Até quando o Governo seguirá aplicando essa política genocida que ignora completamente as vidas que estão se perdendo? Quantos anciões, adultos e crianças precisarão morrer para que seus povos sejam amparados e possam, assim, sobreviver a esta crise? Perante um país conhecido pelo extermínio dos povos originários que ousa utilizar “Ordem e Progresso” como bordão para a evolução social, econômica e afins, o quê e quando esperar que medidas de proteção para comunidades indígenas sejam tomadas?