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BRASIL

Apagamento da história indígena em Santos (SP): A polêmica mudança de nome da Rua Guaiaó para Alameda Armênio Mendes

Raphael Guedes*, de Santos (SP)

WTF DE ANDRADE · 2021 — FRONTEIRAS TRANSITÓRIAS: O PROCESSO DA OCUPAÇÃO. DA BAIXADA SANTISTA (6000. A.C. – 1996)

O apagamento da cultura indígena e a preservação da sua história são questões que precisam ser enfrentadas em nossa região. Recentemente, a Câmara de Santos aprovou o Projeto de Lei 334/2022, que prevê a alteração do nome da Rua Guaiaó para Alameda Armênio Mendes, em homenagem a um empresário português. Essa decisão tem gerado indignação e preocupação entre especialistas, movimentos sociais e os próprios munícipes.

Durante a audiência pública sobre o assunto, todas as vozes dos moradores presentes se manifestaram contrariamente à proposta de alteração do nome da Rua Guaiaó. Eles ressaltaram que essa mudança representa uma ameaça à preservação da história da cidade e um apagamento da cultura dos povos originários. O nome “Guaiaó” era o nome indígena da Ilha de São Vicente, que abrange as cidades de Santos e São Vicente, conforme registrado na escritura das primeiras terras doadas a Pero de Góis em 1532, ano da fundação da Vila de São Vicente.

É importante destacar que, em 2000, a Câmara Municipal de Santos aprovou uma lei que estabelecia critérios democráticos de consulta popular para a mudança de nomes de vias na cidade. Essa legislação determinava que qualquer alteração só poderia ocorrer com a aprovação de dois terços da população. No entanto, essa norma foi recentemente revogada pela câmara de vereadores e sancionada pelo prefeito, abrindo precedentes para alterações sem a devida participação e satisfação dos moradores e proprietários de imóveis, resultando na perda de referências históricas para toda a sociedade.

A Rua Guaiaó é uma via de extrema importância, conectando a Ponta da Praia ao Boqueirão e abrangendo todo o complexo viário da região. Alterar seu nome para homenagear um empresário de ascendência portuguesa, que já recebeu diversas honrarias na cidade, desde enredos de escolas de samba até nome de teatro, simboliza mais um ato de apagamento da cultura dos povos originários em benefício do colonizador. Além disso, essa mudança reflete os interesses econômicos do Grupo Mendes, que continua a influenciar decisões urbanísticas em Santos em seu próprio benefício.

Na Baixada Santista, o apagamento histórico teve início com a chegada dos colonizadores portugueses à Ilha de Guaiaó, que posteriormente teve seu nome alterado para São Vicente em referência ao dia de São Vicente Mártir. No entanto, é importante destacar que antes da chegada dos colonizadores, a ilha era habitada por diversos povos indígenas, cuja presença remonta a tempos ancestrais. Após muitos anos de resistência, esses povos foram expulsos do território através de conflitos e guerras.

Embora atualmente não exista mais nenhuma aldeia na área insular, o litoral paulista concentra o maior número de aldeias do Estado, totalizando 31 aldeias. A população atual nessas terras é composta pelo povo Guarani Mbya e pelo povo Tupi-Guarani (Ñandeva). Como a Aldeia Tekoa Paranapuã, situada no Parque Estadual Xixová-Japuí em São Vicente, que  realizou a retomada de seu território e luta por seu reconhecimento. Esses povos indígenas mantêm vivas suas tradições e resistem diante das adversidades impostas pela colonização.

No contexto atual, em que a discussão sobre os direitos dos povos originários está cada vez mais presente, é alarmante observar que, com os votos deputados federais eleitos pela Baixada Santista Rosana Valle (PL), Alberto Mourão (MDB), Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), foi aprovado o Marco Temporal na Câmara dos Deputados, que representa um ataque direto aos direitos dos povos originários e ao meio ambiente. Além disso, declarações preconceituosas, como as proferidas pelo vereador santista Pastor Roberto Teixeira (Republicanos), que rotulou os indígenas do litoral e de todo o Brasil como bárbaros, evidenciam a necessidade de uma maior compreensão e valorização da cultura indígena em nossa sociedade.

É fundamental entender que a preservação da história e da cultura indígena é um ato de reparação, justiça e respeito. A opressão do Estado, a delimitação das terras originárias, a falta de participação na construção de políticas públicas e a tentativa de apagamento da história dos povos indígenas contribuem para o genocídio dessa população, que resiste em seus territórios diante dos ataques que sofrem. Conforme afirmou Ailton Krenak, líder indígena e escritor, “é preciso que a sociedade brasileira compreenda a importância de preservar a diversidade cultural e étnica, bem como os direitos dos povos indígenas, para construirmos um país mais justo e inclusivo”.

* Raphael Guedes é professor de História e membro da coordenação Baixada Santista da Resistência/PSOL.

Mapa: WTF DE ANDRADE · 2021 — FRONTEIRAS TRANSITÓRIAS: O PROCESSO DA OCUPAÇÃO. DA BAIXADA SANTISTA (6000. A.C. – 1996). https://periodicos.unisantos.br/leopoldianum/article/view/1231