A condição para adquirir um título de doutorado, de onde se emite um diploma, é escrever e defender uma tese frente a uma banca de arguição, composta, normalmente, por cinco membros, com a obrigatoriedade de haver membros externos ao programa de pós-graduação em que a tese é apresentada. Defesas de tese não são apenas ritos de passagem, mas momentos fundamentais, em que o doutorando apresenta o resultado de anos de pesquisa e avaliadores apontam erros, inconsistências e eventuais fragilidades do trabalho, ao que o doutorando deve demonstrar que suas hipóteses, transformadas em tese, se sustentam pelas evidências que foram arroladas e passam a se constituir em provas de efetividade científica.
Um doutorado dura no mínimo quatro anos e vem depois do mestrado, que tem duração de dois anos ou um pouco mais, e coroa a carreira acadêmica de um pesquisador, dizendo que ele está pronto para seguir produzindo ciência. Com doutorado, um pesquisador pode pleitear o ingresso numa instituição pública através de concorridos concursos (algumas áreas ainda aceitam mestres, mas isso é cada vez mais raro). Numa instituição pública, um professor-doutor, que é, sobretudo, um investigador, um cientista, pode pleitear um período de licença de um ano para cursar um pós-doutorado e desenvolver uma pesquisa específica, mas não há outro título depois do doutorado. Pessoas com doutorado não são necessariamente geniais, mas são pesquisadores que cumpriram uma trajetória árdua que exige denodo e abnegação, o que se percebe nas seções de agradecimentos das teses, onde se fala de renúncias, noites mal-dormidas e das dificuldades enfrentadas.
Há no Brasil de hoje milhares de pessoas que concluíram o doutorado, o que demonstra todo esforço do país que por anos a fio se empenhou em oferecer alta qualificação a um pessoal que devia estar trabalhando, principalmente, nas universidades. Muitos desses doutores, que demandaram investimentos de toda a sociedade, estão sem ocupação devido ao desinvestimento em educação ocorrido nos últimos anos, que o governo Bolsonaro tem aprofundado.
A celeuma em torno do falso doutorado do ex-futuro ministro, Carlos Alberto Decotelli, que sucedeu à polêmicas semelhantes quanto às titulações de Ricardo Salles, Damares e Weintraub, se não nos serve para confirmar que este governo tem desprezo pela ciência, mesmo dando imenso valor a títulos pompas que sequer existem, nos sugere que parte do ódio obscurantista e anti-intelectual do bolsonarismo também é fruto de recalque e ressentimento.
Das lições que extraímos, além da confirmação que extremistas de direita são mitômanos, a noção de que ter doutorado ou títulos é algo importante, mesmo sem ser essencial para quem pleiteia um cargo de ministro. Neste caso, não são os títulos, mas o compromisso com a ciência, o conhecimento e a educação aquilo que efetivamente importa.
* Doutor em História. Professor da UFBA.
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