Após o surpreendente encontro: Mamdani, Trump e a estratégia socialista

Ashley Smith analisa a surpreendente e amigável reunião entre o autoritário Trump e o prefeito eleito de Nova York e auto-descrito socialista democrata Zohran Mamdani. Argumenta que construir uma classe popular e uma luta social é o único modo de seguir adiante.


Publicado em: 1 de dezembro de 2025

Ashley Smith, do portal Tempest Mag

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Foi a reunião mais esperada na Casa Branca desde o confronto de Donald Trump com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. Trump iria repreender e insultar o prefeito eleito de Nova York Zohran Mamdani? Mamdani iria retribuir o que recebeu e humilhar Trump tão efetivamente quando ele fez com Andrew Cuomo nos debates para prefeito?

Mas não foi nem uma batalha real, nem uma luta mortal entre celebridades. Foi uma surpreendente e amigável reunião em que os dois se uniram em torno de sua agenda supostamente comum de enfrentar a crescente crise do custo de vida do capitalismo estadunidense. A natureza surpreendentemente afável da reunião suscitou um amplo conjunto de respostas, desde elogios à tática de Mamdani de desarmar preventivamente Trump até a condenação do prefeito eleito de ser um traidor.

Na realidade, a decisão de Mamdani de evitar conflitos e aderir à agenda do custo de vida de Trump são fruto de uma fraqueza política comum que os levou a se acomodarem um ao outro. Ainda pior, após a reunião, Mamdani, apesar de reafirmar sua denúncia de Trump como um déspota e fascista, persistiu em dizer que ele trabalharia com Trump para tornar Nova York mais acessível. Mas esta situação amigável será apenas temporária; as facas inevitavelmente serão sacadas. Para nos prepararmos para o confronto, devemos redobrar nossos esforços na construção de uma luta social e de classe em massa para conquistar as demandas e garantir as promessas retóricas da campanha de Mamdani, além de nos defendermos contra o regime de Trump.

Encurralado no escritório

Primeiramente, devemos compreender as razões por trás da abordagem de não confronto de Mamdani na reunião. Relembre que ele está em uma posição fraca. Ele conquistou um pouco mais de 50% dos votos, obtendo uma vitória apertada contra dois candidatos da extrema direita, Cuomo (apoiado por Trump!) e Sliwa, que juntos alcançaram quase 49% dos votos.

Além disso, seu escritório, embora aparentemente poderoso, é dependente da câmara municipal, do governo do Estado controlado por Kathy Hochul, da cúpula do Partido Democrata e do governo federal exercido por Trump contra quaisquer inimigos reais e percebidos. E, além destes obstáculos políticos, a capacidade de Mamdani de realizar qualquer coisa a partir de seu escritório no estado capitalista depende do crescimento e da lucratividade das empresas, especialmente do capital financeiro, cuja sede internacional fica em Nova York, para que a receita tributária financie a reforma.

Apesar de suas referências à luta popular, Mamdani é um reformista. Ele acredita que ocupar um cargo público é o caminho para realizar mudanças sociais. Diante disto, ele tem pouca margem de manobra e, portanto, todos os motivos para fazer acordos na esperança de conquistar a simpatia dos verdadeiros detentores do poder no Estado e na economia capitalista, a fim de o deixarem implementar reformas. Isso explica por que ele se reuniu com a cúpula do Partido Democrata, buscou seu apoio, tentou neutralizar a oposição dos chefes do setor imobiliário ao se reunir com eles e até mesmo renomeou a temida e bilionária comissária de polícia Jessica Tisch.

Tudo isso também explica porque Mamdani (assim como Alexandria Ocasio-Cortez) escolheu se opor ao principal nas primárias colocado por um colega membro do DSA, Chi Ossé, para destronar o neoliberal, sionista e líder da minoria na câmara dos representantes, Hakeem Jeffries. Mamdani foi além, dizendo à NBC que ele quer que Jeffries permaneça como líder dos democratas e se torne presidente da Câmara se os democratas retomarem o controle da Câmara. A lógica do reformista, especialmente sem uma luta de classes vinda das bases, é de se adaptar à classe capitalista e seus políticos, na melhor das hipóteses proporcionando reformas liberais tímidas e, na pior, simplesmente administrando o sistema existente (lembre-se de François Mitterrand, o “Margaret Thatcher vermelho”).

Diplomacia, não confronto

As fraquezas objetivas de Mamdani e sua estratégia reformista moldaram a abordagem tática da reunião com Trump. Ele abandonou qualquer pretensão de confronto com o líder de um regime que está travando uma guerra de classes intolerante em seu próprio país. Trump aboliu os direitos sindicais de mais de um milhão de funcionários públicos e está realizando um terror estatal contra migrantes e um imperialismo transacional e unilateral no exterior – desde a diplomacia assassina das embarcações na América Latina até a imposição de “acordos de paz” na Palestina e na Ucrânia, que recompensam Israel e Rússia como agressores coloniais. Mamdani não mencionou nada disso. Foi pela janela a ideia de aumentar o volume para denunciar Trump como um déspota, fascista e criminoso de guerra genocida.

Pelo contrário, Mamdani insistiu, como um disco riscado, em apelar a Trump para que se juntasse a ele numa parceria em prol da melhoria do custo de vida. Ele estava inclinado a encantar e, em sua própria mente, em desarmar Trump na esperança de seduzi-lo a manter o fluxo de dólares federais para os cofres de Nova York. Agora, muitos dos assessores de Mamdani argumentarão que ele está jogando o xadrez tridimensional e ou quadrimensional, e pode ser mais esperto que Trump. Tais argumentos justificam a lógica reforma de acomodação, não resistência, a alguém que eles pronta e abertamente chama de um facista.

Esta estratégia não funcionará para barrar Trump. Ele já está travando uma guerra contra Nova York. O ICE está prendendo pessoas na cidade, aqueles dependentes do Obamacare estão prestes a perder seus subsídios, os cortes no Medicaid estão devastando a classe trabalhadora, as pessoas trans estão sob cerco federal e assim por diante. E se, a partir da pressão de baixo, Mamdani se posicionar sobre qualquer uma dessas questões de exploração de classe e opressão social, Trump vai atacar a cidade e seu povo como uma tonelada de tijolos. Isso pode acontecer de qualquer maneira.

O alto preço da acomodação

Então, a estratégia da acomodação reformista traz um alto custo aos trabalhadores e oprimidos. Já podemos ver isso acontecendo. Na reunião, Mamdani ressaltou seu compromisso em manter a comissária de política e sua guarnição de 35 mil policiais que impõem as brutais desigualdades raciais de classe em Nova York. Ele não pestanejou quando Trump disse que compartilhavam uma agenda rigorosa contra o crime. Esta é apenas uma das principais concessões que virão, a menos que os trabalhadores e os oprimidos lutem pelas demandas da campanha e o cumprimento de suas promessas retóricas.

A tática de Mamdani na reunião não é o método para conseguir suas demandas, nem mesmo para construir a resistência. Um líder político como Eugene Debs teria denunciado Trump pessoalmente, enquanto convocava uma manifestação em frente à Casa Branca pelo povo que mora em Washington, D.C., sabendo perfeitamente que essa luta de classes em massa é a única maneira de parar este regime e conquistar reformas. Ao não criticar Trump, Mamdani enviou um sinal à esquerda de que não devemos buscar o confronto, mas a colaboração de classe – a união, no velho linguajar do sindicalismo burocrático – na esperança de que um autocrata bilionário, a elite capitalista do Partido Democrático, os chefes do setor imobiliário e Wall Street colaborem para proporcionar um melhor custo de vida à maioria da classe trabalhadora.

Esta não é uma estratégia realista. E corre-se o risco de enfraquecer a esquerda e semear ilusões ainda mais profundas no processo eleitoral no exato momento em que os democratas centristas como o execrável Gavin Newsom estão apelando para a resistência para se unir não a Mamdani e aos poucos outros candidatos do DSA, mas a mães centristas preocupadas com a segurança nacional, como aquelas que venceram com um programa de centro-direita de custo de vida, lei e ordem, e imperialismo em Nova Jersey e Virgínia.

A esquerda deveria rejeitar tudo isto. Deveríamos incentivar Mamdani a resistir e lutar, não realizar a conciliação com os poderes constituídos. E devemos reforçar aquele esforço com a independência da classe organizada e a luta para exigir as demandas da campanha, defender as comunidades contra o ICE e aumentar a resistência popular de massa contra Trump. Somente essa luta de massas pode conquistar reformas, não bajular um monstro na Casa Branca.

Um amigo fascista do socialismo?

Talvez a maior surpresa para alguns tenha sido o comportamento de Trump na reunião. Por que será que ele tratou Mamdani como seu amigo do Queens e o elogiou depois de chamá-lo de comunista louco e de fazer vários comentários islamofóbicos nos últimos meses? As razões superficiais são óbvias: Trump ama um vencedor; adora elogios, que Mamdani lhe deu repetidamente, chamando o intolerante de “Sr. Presidente”; e gosta dos holofotes. É tudo bom para a TV.

Mas é importante compreender as razões profundas por trás do comportamento de Trump. Trump tem tudo a ganhar e nada a perder abraçando Mamdani no momento. O prefeito eleito já conciliou com os agentes políticos e econômicos que Trump tanto admira. E Mamdani manteve a comissária de polícia do prefeito Eric Adams, Tisch, que é amiga íntima de Trump e de sua filha Ivanka.

Trump claramente quer usar e abusar de Mamdani. Ele usará Mamdani para fazer avançar seus próprios propósitos e, se Mamdani resistir, abusará dele. E ele sabe que o Partido Republicano e a maior parte do Partido Democrata ficará do seu lado. Lembre que todos os republicanos da Câmara dos Deputados e 86 democratas [13], incluindo Jeffries, recentemente se uniram para votar a favor de um projeto de lei macarthista condenando “os horrores do socialismo”.

Crise e conflito no palácio

A razão mais importante para Trump receber Mamdani é sua própria fraqueza e necessidade desesperada para algum tipo de caminho de correção que salve seu regime em crescente crise. Ele e seu Partido Republicano foram derrotadas nas últimas eleições, perdendo para os democratas em todas as frentes, a maioria deles candidatos de centro-direita, todos com propostas para o custo de vida, em sua maioria combinadas com posições de direita.

Além disso, Trump está envolvido na interminável crise Epstein, com mais revelações de pedofilia e cumplicidade com o tráfico sexual a seren divulgados. Isso, é claro, também afetará muitos democratas como Bill Clinton e Lawrence Summers, que se envolveram com Epstein. Trump, por sua vez, perdeu o controle sobre o Partido Republicano e sua própria base do MAGA devido a esse escândalo. Ambos se opuseram a ele, exigindo a divulgação dos arquivos. Como resultado, Trump despencou nas pesquisas e está desesperado para reafirmar seu apelo de oferecer menor custo de vida à sua base, a principal razão pela qual eles abandonaram Biden e Harris por ele em primeiro lugar.

Trump sabe que seu regime está em crise. A unidade entre as frações, que ele mantinha unida, está acabando. Os irmãos da tecnologia estão em desacordo com os xenófobos. Os neoliberais estão em desacordo com os populistas nacionalistas. Os imperialistas estão em desacordo com os isolacionistas. Os nazistas estão em desacordo com a extrema direita. E os protecionistas estão em desacordo com as pequenas empresas e os trabalhadores da extrema direita prejudicados pelas tarifas e inflação.

No que talvez tenha sido a separação mais apocalíptica desde o divórcio de Trump com Elon Musk, Marjorie Taylor Greene, que havia sido a principal defensora de Trump na Câmara, rompeu com ele por causa de Epstein. Ela formou uma coalizão com o democrata liberal Ro Khanna e os sobreviventes de Epstein para forçar com sucesso a divulgação do arquivo. Trump a chamou de traidora e ameaçou apoiar um adversário dela nas próximas primárias, levando Greene a renunciar e denunciar todo o poder de Washington em termos populistas de extrema direita.

Trump em uma encruzilhada

Portanto, Trump está em uma encruzilhada. Ou ele reúne seus subordinados divididos com um governo populista autoritário ainda mais agressivo, ou entrará em colapso prematuro, uma crise brutal de sucessão e o provável triunfo do Partido Democrata nas eleições intermediárias, uma vitória que garantirá seu impeachment e uma crise ainda maior no estado. Como alertou Steve Bannon a seus companheiros bárbaros: “Vou lhe dizer uma coisa, com Deus como minha testemunha, se perdermos as eleições intermediárias e perdermos 2028, alguns nesta sala irão para a prisão”.

Isso explica por que Trump usou Mamdani para alardear o custo de vida. Ele está desesperado para reconquistar as pessoas. Ele usará oportunisticamente a cordialidade com Mamdani para conseguir isso. Trump para Mamdani: “muitos dos meus eleitores votaram em Mamdani”. Mamdani: “um em cada dez”. É por isso que foi um erro terrível Mamdani ter apelado a Trump para se juntar a ele numa parceria pela melhora do custo de vida; isso ajudou e contribuiu para a reabilitação política de Trump junto dessa parte da sua base.

Ao contrário de Mamdani, porém, Trump combinará acessibilidade com preconceito e repressão violentos. Ele jogará carne vermelha para sua base de direita, atacando migrantes, caçando pessoas trans e promovendo expurgos de “marxistas culturais” no ensino superior. Se isso não funcionar, ele poderá usar o envio de tropas americanas para dentro do país para impor seu governo. Não é por acaso que ele ameaçou executar seis democratas por incentivar soldados a desobedecer ordens inconstitucionais logo antes de se encontrar com Mamdani.

A capacidade de Trump de fazer qualquer uma dessas coisas, porém, é comprometida pelos policiais incompetentes que dirigem seu regime – o neonazista Steven Miller, o bêbado Pete Hegseth e o sempre confuso Kash Patel, entre muitos outros no regime. O único estrategista frio como pedra é Russ Vought. Mas isso não é suficiente para levar a cabo o tipo de medidas autoritárias que eles podem precisar. E não é claro que Trump tenha a lealdade dos altos escalões militares, muito menos da burocracia estatal, para fazer qualquer uma dessas coisas. Além disso, ele enfrenta resistência em massa em todo o país.

A estratégia socialista: pela independência, pela luta e pela construção do partido

Qual a tarefa da esquerda nesta situação? A mesma de sempre. Devemos construir a luta de classe independente e social. Isso será a força motriz para conquistar a reforma sob Mamdani. E será a melhor linha de defesa de nossos direitos, comunidades, empregos, salários e benefícios contra a guerra de classes intolerante de Trump contra todos nós. Nosso modelo é a resistência em massa contra o ICE que os trabalhadores organizaram em todo o país, de Los Angeles a Chicago e, agora, em Charlotte. Greves estudantis, potenciais greves de professores e autodefesa em massa comunitária são o modo de seguir adiante.

Um perigo que a resistência e a esquerda enfrentam é se alinharem a uma estratégia eleitoral reformista como a de Mamdani. Um perigo ainda maior é novamente colapsar no interior do Partido Democrata, hoje o partido capitalista mais coerente dos EUA, em 2026 e 2028. Isso desmobilizará nossa resistência contra Trump, trocando a luta pela ilusão de que os democratas (acompanhados por alguns socialistas em suas fileiras) deterão Trump – o que não fizeram – ou corrigirão as desigualdades sistêmicas do sistema capitalista – o que não farão e não podem fazer.
Na realidade, quem quer que conquiste o poder governamental em 2026 e 2028 herdará um Estado disfuncional e uma economia capitalista, na melhor das hipóteses, em recessão e, na pior, em profunda crise após o estouro da gigantesca bolha da IA. Assim, entramos em uma nova época de crises, polarização ainda mais extrema (Nick Fuentes é um exemplo da verdadeira direita fascista que está prestes a nascer) e, por trás de tudo isso, maior instabilidade geopolítica e conflitos imperialistas. Nessas circunstâncias terríveis, temos que construir a resistência, nossas organizações de classe e sociais independentes de luta e um novo partido dos trabalhadores para lutar por reformas no caminho da revolução política e social.

Traduzido de https://tempestmag.org/2025/11/after-the-surreal-summit/, por Paulo Duque, do Esquerda Online

O artigo acima representa a opinião do autor e não necessariamente corresponde às opiniões do EOL. Somos um portal aberto às polêmicas e debates da esquerda socialista.


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