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Prisão de MC Poze do Rodo: mais um capítulo da ofensiva de criminalização da juventude negra e da arte da favela


Publicado em: 3 de junho de 2025

Negras e Negros

Núcleo de Negros e Negras da Resistência-PSOL e Afronte!, do Rio de Janeiro (RJ)

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Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Os Movimentos Negros vem arrancando vitórias ao longo de anos no Brasil, enfrentando a reação poderosa de um sistema de dominação e exploração que se estrutura na racialização e opressão de gênero dos seres humanos.

Produzir a ideia de que certos humanos são inferiores e/ou perigosos, tem sido uma ferramenta útil à classe proprietária dos meios de produção.

Mesmo enfrentando uma classe dominante branca, os movimentos negros produziram através da luta uma ferramenta poderosa: a ampliação da Consciência Negra. Ilustra este avanço, o fato de que em 2022, pela primeira vez, o Censo demonstrou que a maioria da população brasileira se autodeclara como negra.

Diante dessa nova configuração, se levanta uma ofensiva fascista e racista que visa coibir ou desvirtuar o sentimento de orgulho de ser negro e as práticas coletivas de organização da luta antirracista no país.

Atualmente, escancaram-se discursos e práticas abertamente supremacistas, o crescimento das células neonazistas, bem como temos o avanço do encarceramento da população negra, o aumento da violência policial e de uma ideologia justificadora dessa violência para dar  continuidade ao projeto genocida de extermínio da população negra brasileira.

A reação racista e criminalizadora contra a população negra também se evidencia no campo da cultura.

Entre 2002 e maio de 2025, conforme levantamento do IDMJRacial, houve 130 propostas legislativas de criminalização do Funk. Assim como são criminalizados o pito do pango e as práticas populares negras de cura.

Neste sentido, a prisão de forma espetaculosa do Mc Poze do Rodo significa mais um capítulo desta ofensiva.

O artista foi acusado pela Polícia Civil de apologia ao tráfico e envolvimento com o Comando Vermelho, por cantar músicas cujas letras retratam, de forma crua e direta, a realidade vivida em inúmeras favelas.

Dias após a trágica morte do policial civil José Antônio Lourenço (CORE) durante uma operação na Cidade de Deus, a Delegacia de Repressão a Entorpecentes afirmou que uma suposta investigação evidenciaria o engajamento do artista em tais práticas. O chefe da Polícia Civil declarou que outros Mc’s são investigados e disse que “a música deles tem um alcance interminável e pode ser mais letal que um tiro de fuzil. O que eles fazem extrapola os limites da liberdade de expressão”.

Nesta fala há uma nítida tentativa de responsabilizar os funkeiros pelo cenário de violência que assola a cidade e o estado do Rio de Janeiro, que é, na verdade, resultante de décadas de ausência de políticas sociais, precarização e criminalização brutal de áreas faveladas e de seus habitantes.

O chefe de polícia ao não considerar que o tipo penal apologia exige intenção inequívoca de incitar à prática delitiva e risco concreto e imediato, e realizar a prisão do Mc Poze no contexto da morte do policial, nos remete ao documentário “Notícias de uma Guerra Particular” (1999), que revela como a dominação racista, prende as forças policiais em uma ideologia de guerra contra a maioria do povo brasileiro, fazendo, assim, da corporação um meio de realização de vingança e exercício de poder, enquanto os reais problemas de segurança pública não são sequer debatidos.

Desta forma, a ação estatal não se concretiza como meio de garantia de direitos, mas de violação do direito à vida daqueles que são desumanizados e não tem sua dignidade respeitada.

Marlon Brandon, nome de Mc Poze, não ofereceu resistência à prisão, mas foi algemado na frente de seus filhos e de sua companheira e foi levado descalço e sem camisa para a Cidade da Polícia.

Na chegada ao local, uma horda de repórteres da mídia corporativa já o aguardava, ávidos por imagens espetaculares da situação de humilhação a qual o artista foi submetido, enquanto era empurrado e tinha seu braço torcido pelos agentes da DRE. Paralelamente, veículos da imprensa hegemônica passaram a exibir vídeos de um show recente do cantor na Cidade de Deus, onde membros do Comando Vermelho aparecem na plateia empunhando armas. Desconsideram que nenhum artista é responsável por quem frequenta sua apresentação, que presença de  pessoas armadas em shows não é um acontecimento exclusivo do Funk.

A história recente da cidade mostra que o Mc  Poze do Rodo não foi o primeiro funkeiro a ser acusado e preso por apologia ao crime e suposto envolvimento com traficantes. Muitos outros, como Mc Smith, Mc Tickão e o DJ Rennan da Penha já sentiram o mesmo peso da repressão do Estado pelo fato de optarem cantar o ponto de vista de quem se encontra à margem do direito à cidade.

O crime de apologia tipificado no Código Penal é usado com frequência para perseguir artistas negros e favelados, evidenciando o racismo que estrutura a sociedade brasileira, já que não há registro de ações persecutórias do mesmo nível a outras manifestações artísticas semelhantes, que possuem outra origem social. Neste último caso, prevalece o direito à liberdade de expressão e do pensamento.

Da mesma forma, também se diferencia o tratamento dispensado pelas instituições policiais e pela mídia corporativa a investigados e acusados da alta classe média, brancos, quando são presos ou levados à delegacia.

Neste cenário, a condução cortês de Roberto Jefferson à prisão – depois de atirar e jogar uma granada em agentes da Polícia Federal – representa um contraste revoltante com a violência física e simbólica a qual Poze foi submetido.

Enquanto tratamento digno for privilégio branco, estaremos longe de falar em direito à vida e à democracia. A favela não venceu, mas segue em luta, pois carrega a resistência dos quilombos!


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