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MUNDO

A terceira Nakba

Gideon Levy
Palestina (Jaume d

Vestido em uma precária bata de hospital, ferido, descalço e confuso, sem comida nem água, com um cateter afixado ao seu corpo e vestindo fraldas, o residente de Gaza Omar Abu Jeriban foi jogado no acostamento da estrada em 13 de junho de 2008 e ali mantido até morrer. Chaim Levinson relatou a história no jornal Haaretz naquele dia, David Grossman sentiu-se aterrorizado por isso.

Há dois dias, todo o povo palestino se tornou Abu Jeriban. O papel da polícia que jogou um homem ferido no meio da noite foi assumido pelo presidente americano, Donald Trump e pelo primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu. O papel do hospital que assistiu tudo passivamente foi assumido pelo mundo.

Em 2008 foi uma tragédia humana; dois dias atrás, foi uma tragédia nacional: A Casa Branca declarou o começo da Terceira Nakba. Os palestinos foram jogados no acostamento da estrada e abandonados à sua sorte. A direita israelense está exultante, a esquerda israelense está perdida, como de costume e o mundo está em silêncio. É o fim do mundo.

A Casa Branca se pareceu à Habayit Hayehudi (Casa Judaica, partido de extrema-direita israelense) naquele dia, inundado de solidéus e de judaicidade. É preciso ser um antissemita para se espantar com isso? Com todos os pacificadores desonestos – todos os Friedmans, Adelsons, Greenblatts, Kushners e Berkowitzes, esses mediadores supostamente justos e não enviesados, é impossível até pensar no começo de um acordo justo.

Não é difícil adivinhar o que passa pela mente de cada palestino e todos os que buscam a justiça perante a vista dessa foto de judeus de direita. Mas os palestinos não estavam somente ausentes da cerimônia, eles tampouco não estavam presentes no plano que poderia determinar seu futuro e que anuncia sua última chance de alguma decência tardia, de alguma justiça, por um pingo de compaixão. Eles foram abandonados sangrando no acostamento da estrada.

Essa é sua Terceira Nakba. Depois de ter perdido a maioria de suas terras, propriedades e dignidade na primeira e sua liberdade na segunda, ocorre agora a terceira, para esmagar o que resta de sua esperança. Eles tentaram de tudo. Luta diplomática e luta armada, protesto não violento e boicote econômico. Nada deu certo. O “acordo de século” somente volta a reconfirma o que era conhecido: o mal prospera, desta vez em uma edição especialmente extrema de unilateralidade, racismo e arrogância. Os poderosos ficam com tudo. Tudo. Os palestinos recebem uma caricature de um estado independente após muitos anos, se é que o receberão, e somente se concordam com uma série de condições degradantes de rendição com as que mesmo o mais abjeto colaborador nunca concordaria. Por outro lado, Israel ganha quase tudo e imediatamente.

Por que somente os palestinos precisam apresentar provas antes de receber qualquer coisa? Israel passou pela prova no meio século de ocupação? Obedeceu de alguma forma à legislação internacional? Escutou a comunidade internacional? Deve haver um prêmio para o ocupante brutal? Para os colonos? Por que e para quê, América?

Israel ganha tudo e sem condições, ao passo que os palestinos, um povo bem contido, dado o terrível abuso que sofre, ainda precisa dar provas para receber as poucas migalhas de justiça que o presidente americano lhes joga. Por que a segurança israelense precisa ser garantida mais uma vez, ao longo de gerações e contra qualquer risco, sem que ninguém levante um dedo para assegurar a segurança dos palestinos, cujo sangue é derramado de forma tão fácil por Israel? Uma pequena menina em Gaza também, merece uma noite de sono segura, mas quem dá bola para ela na Casa Judaica, na Avenida Pensilvânia, 1600 (endereço da Casa Branca)?

Se este plano for aplicado, Deus nos livre disso, será o fim do povo palestino. Não o fim físico, o fim da nação. Qualquer um que pense que isso é uma razão para celebrar está convidado a comparecer na comemoração na Praça Rabin Square pela libertação de Naama Issachar (israelense condenada por tráfico de drogas na Rússia e perdoada por Putin neste 29 de janeiro – NT), e votar pelo Likud ou pela coligação Azul e Branco – qual é a diferença? Mas qualquer um que ainda tem uma gota de compromisso moral deve estar horrorizado perante esta terrível paz dos vitoriosos que pode terminar bem para Israel, mas nunca terminará bem para os israelenses. Israel jamais assumiu a responsabilidade pela primeira e segunda Nakbas, talvez também irá se evadir a sua responsabilidade pela terceira. Mas nunca será capaz de escapar da culpa e da desgraça por eliminar outro povo.

*Texto publicado originalmente em Haaretz

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nakba / palestina