Na etapa atual de crise do capitalismo, o tipo de reformas estruturais exigidas pelo mercado, por sua radicalidade, só é possível em um regime antidemocrático. É esse o rumo tomado por Bolsonaro, com o aporte de experiência acumulada por Paulo Guedes no Chile de Pinochet. O ideal de Estado mínimo – que, sabemos muito bem, só é mínimo no que diz respeito a políticas sociais e garantias de direitos, mas é máximo na repressão e na transferência de riqueza para a burguesia – está sendo consolidado a pleno vapor, com a conjugação de neoliberalismo e fascismo que caracteriza o atual governo.
Áreas como Saúde, Educação, Trabalho, Meio Ambiente, Política Agrária e Cultura, já sucateadas por governos anteriores, estão sendo desmanteladas em ritmo acelerado. É bem verdade que o desmonte foi intensificado após o golpe de 2016, com o ajuste fiscal e a aprovação do teto dos gastos (Emenda Constitucional 95), que limita os investimentos públicos por 20 anos. Mas Bolsonaro tem ido além.
Do ponto de vista das trabalhadoras e dos trabalhadores no serviço público, já se tem um conjunto de medidas, neste primeiro ano de mandato, que configura um ataque sem precedentes. Elencamos, a seguir, as dez mais graves:
1. Contrarreforma da Previdência – Com a falsa alegação de déficit nas contas da Previdência, o governo realizou uma reforma draconiana, que reduz benefícios, aumenta idade mínima e tempo de contribuição, e muda as regras para pensões. Para os servidores federais, houve verdadeiro confisco salarial, com aumento da alíquota de 11% para até 14%, a depender da faixa salarial. Lamentavelmente, governadores da oposição também apoiaram a contrarreforma, e agora iniciam esses mesmos ataques aos servidores estaduais.
2. Plano Mais Brasil – chamado pela oposição de Pacote das Desigualdades de Guedes, com três projetos de emenda constitucional: PEC do Pacto Federativo, que poderá levar à extinção de pequenos municípios e unificação do piso dos gastos com Saúde e Educação; PEC Emergencial, que prevê a redução da jornada de trabalho dos servidores em até 25%, com redução salarial proporcional; e PEC dos Fundos Públicos, que extingue a maior parte dos fundos públicos, cujos recursos serão desviados para o pagamento de juros da dívida.
3. Corte de recursos do SUS – Os municípios não receberão mais verba de acordo com o seu número de habitantes, mas sobre o número de cadastrados no sistema dos postos de saúde. Para atender ao teto de gastos, rompe-se com o modelo do Sistema Único de Saúde (SUS), que preconiza o acesso universal, substituído pelo conceito de “cobertura universal” (significa que quem tem um plano privado já está “coberto” e não precisa do SUS, que se tornaria uma política complementar e, portanto, com menos recursos).
4. Privatização disfarçada das universidades – Além do corte de bolsas de pesquisa ocorrido em 2019, o infame ministro Abraham Weintraub anunciou o projeto Future-se, que nada mais é que a privatização das universidades federais por meio de concessão de serviços às Organizações Sociais. Além disso, o governo propõe a flexibilização das demissões de servidores, a critérios dos reitores.
5. Desmonte da política ambiental – Após ameaçar extinguir o Ministério do Meio Ambiente, Bolsonaro nomeou um inimigo do Meio Ambiente para o cargo, Ricardo Salles. Perseguição a servidores do Ibama e do Instituto Chico Mendes se tornaram cotidianas, e o reflexo imediato foi o aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia. O governo também prometeu avançar sobre terras indígenas e unidades de conservação, facilitar licenças ambientais e liberar grilagem de terras por meio de autodeclaração nos processos de regularização fundiária, o que também coloca na mira Funai e Incra.
6. Privatização da Água – aprovação pelo Congresso Nacional do projeto que estabelece o marco legal do saneamento abre as portas para a privatização da água. A lógica é a entrega da prestação de serviços para a iniciativa privada, com consequente aumento de tarifa.
7. Desmonte da política cultural – o Ministério da Cultura foi extinto e os órgãos da área, repartidos entre adeptos do “olavismo”, uma versão caricata e escatológica de ideologia fascista. A única política para o setor cultural apresentada até agora foi a censura às artes.
8. Aparelhamento do Itamaraty – Outro olavista, o ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, elevou à condição de política de Estado o machismo, a homofobia e o racismo, sobre uma base de fundamentalismo religioso, para espanto e escárnio da diplomacia internacional.
9. Digitalização dos Serviços – O governo tem priorizado a digitalização de documentos para prestação de serviços pela internet. O discurso é facilitar a vida do povo, mas a verdade é uma só: Estado mínimo. Pretende-se reduzir pela metade o quadro de servidores e esconder as filas. Com o tempo, a população sentirá a demora no atendimento. E mais: a digitalização transforma o serviço público em balcão de negócios. Boa parte da população não tem acesso à internet e nem orientação para usá-la, de forma que terá de pagar algum intermediário, pagar por serviços que, até agora, eram gratuitos.
10. Reforma administrativa – A já anunciada reforma administrativa, que deverá ser enviada ao Congresso em 2020, prevê o fim da estabilidade do funcionalismo. A estabilidade é uma garantia de qualidade do serviço público, pois evita demissões políticas. Sem ela, a corrupção tende a aumentar, pois os servidores ficarão vulneráveis às pressões de dirigentes corruptos de órgãos públicos.
Evidentemente, esses dez itens não esgotam os ataques enfrentados no cotidiano de órgãos dirigidos por militares ou personalidades autoritárias. Mas apontam para onde vai esse governo. A ideia de que as instituições democráticas vão conter o fascismo vem se mostrando infundada. Rodrigo Maia tenta se apresentar como fiador da democracia na Câmara dos Deputados, mas, até agora, garantiu a tramitação e a aprovação das contrarreformas. Só a classe trabalhadora está em condição de resistir.
A greve do setor público já está marcada para março de 2020. É preciso construir um movimento forte, que de fato aponte a saída da crise. Isso requer diálogo com a base do funcionalismo e com a população sobre a necessidade de derrotar essas medidas. A greve só será vitoriosa com ampla unidade na luta.
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