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BRASIL

A educação segundo o bolsonarismo: um ano de ataque e resistência

Carlos Zacarias

Não chega a ser novidade que a educação do país vai mal. Segundo relatório de 2018 do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), divulgado no início de dezembro, o desempenho dos estudantes brasileiros é considerado estacionado na última década, apesar da discreta melhora. Avaliados em leitura, matemática e ciências, os brasileiros pontuaram 413 em leitura, contra 410 em 2015 (data do último exame), 384 em matemática, contra 379 em 2015 e 404 em ciências, contra 402 no exame anterior. Uma mudança tão pouco expressiva é vista pela a OCDE, responsável pelo exame, com sinal de estagnação.

A educação no Brasil, como se sabe, sempre foi objeto dos melhores discursos de campanha dos políticos, mas de quase nenhuma atenção da parte dos governantes e legisladores. E se não chega a ser novidade a posição estacionária do país na avaliação internacional mais importante da área de educação, o que há de novo é que o atual governo, longe de se preocupar em reconhecer as dificuldades e prometer empenho para melhorar o quadro, como fizeram todos os demais, joga toda a culpa nos governos anteriores. Para Abraham Weintraub, ministro da Educação de Bolsonaro, o desempenho dos estudantes brasileiros no Pisa “[É] integralmente culpa do PT, integralmente culpa dessa doutrinação esquerdófila e sem ensino”, disse o ministro aos jornalistas. Segundo Weintraub, que se notabilizou por criar polêmicas utilizando-se de fake news e pelo seu estilo truculento e grotesco de lidar com as divergências, “o símbolo máximo do fracasso do PT começou quando foi construída a lapide da educação, lá na frente do MEC, que é um mural do Paulo Freire. Representa esse fracasso total e absoluto”.

Weintraub, que já tinha se referido ao mural de Paulo Freire, que fica no MEC, como “feio de doer”, voltou a acusar o educador brasileiro, um dos mais importantes do mundo, como responsável pelo fracasso da educação no país. A questão, contudo, é que apesar de celebrada, a obra de Paulo Freire nunca foi adotada como método de alfabetização no Brasil, nem mesmo nos governos petistas, e as acusações do ministro da Educação só depõem contra a sua incompetência na gestão da pasta e suas más intenções em relação à educação e aos educadores do país, alvos constantes de suas diatribes e impropérios.

Mas se a educação básica não vai nada bem, algo que deve ser debitado na conta da Ditadura Militar que se esmerou em destruir a escola pública brasileira, uma preocupação que esteve muito pouco presente nos governos do período da redemocratização e da chamada Nova República, inclusive os governos do PT, o quadro atual pode se agudizar em função de que as universidades, então salvaguardadas da destruição promovida pela Ditadura, passaram a ser os alvos principais dos ataques do ministro do governo de Bolsonaro.

Marcado pelo alto grau de improvisação em muitas áreas, o atual governo se notabiliza por demonstrar que não tem nenhum projeto específico para a educação e se algo há em relação às universidades, é a sua declarada disposição de destruir a produção intelectual e científica que põe o país numa posição de destaque no mundo, um desempenho que vinha melhorando ano a ano. Obviamente que a produção científica do Brasil não pode ser comparada à dos países da ponta do sistema educacional, mas a universidade brasileira vinha se beneficiando do gradual aumento de recursos que mesmo distante dos países que mais investem, permitiu algum nível de internacionalização aos pesquisadores brasileiros. Também ampliação do número de vagas e a extensão do sistema de cotas pode ser incluído entre as boas políticas públicas dos governos anteriores e que Bolsonaro vem se empenhando em destruir, uma demonstração de como o bolsonarismo pensa o tema.

Foi na pasta de Educação que circularam dois dos mais improváveis gestores do governo Bolsonaro. Primeiro o colombiano Ricardo Vélez Rodriguez, que assumiu o ministério com a única credencial de ter sido indicado por Olavo de Carvalho e dizer-se com a “faca nos dentes” para enfrentar o marxismo cultural nas universidades. Vélez ficou conhecido por declarar em entrevista que os brasileiros são como canibais e roubam até assento de avião quando viajam, além de criar polêmica ao distribuir orientação para que os diretores de escolas do país filmassem estudantes cantando o hino nacional enquanto hasteavam a bandeira. Depois de Vélez, Abraham Weintraub, também discípulo do ex-astrólogo e guru dos Bolsonaro, assumiu a pasta e passou a dirigir a Educação em meio a uma infinidade de polêmicas e acusações infundadas. Foi durante a gestão de Weintraub que as universidades tiveram os maiores cortes orçamentários de sua história, que instituições foram acusadas de promoverem “balbúrdia”, que docentes foram chamados de “zebras gordas” por conta dos seus salários e universidades federais foram ditas como espaços de plantação de maconha em larga escala e produção de metanfetamina. Atacar docentes e permanentemente maldizer todo conhecimento produzido em seu interior, foi a única política efetiva de Weintraub para a educação brasileira nesse primeiro ano de governo Bolsonaro.

Por tudo que foi dito, Abraham Weintraub aparece entre os ministros com menor popularidade do igualmente mal avaliado governo Bolsonaro, ao lado do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Em pesquisa recente realizada pelo instituto Datafolha, 31% dos entrevistados que disseram conhecer o ministro da Educação, consideram a sua gestão ruim ou péssima à frente da pasta.

Mas nem Weintraub, nem Bolsonaro se fazem de rogados diante de um desastre tão visível na área da educação. Tanto é assim que para se desfazer os rumores que vinham assegurando que o ministro da Educação não retornaria ao posto após as férias, o próprio Bolsonaro negou a boataria de demissão, chamando Weintraub de “excelente”, o que não deveria surpreender ninguém. Considerando que o único projeto efetivo do bolsonarismo para a educação é livrar as universidades do que eles chamam de “marxismo cultural”, uma tarefa que parece ser muito difícil de se realizar, tanto porque o “marxismo cultural” é um desses espantalhos agitados pelos fascistas para manter sua base mobilizada, quanto pelo fato de que as universidades brasileiras e seus docentes gozam de respeito suficiente, capaz de impedir que as instituições sejam destruídas, a não ser que ocorra um fechamento do regime, algo que a prudência recomenda a não descartar.

Weintraub é a pessoa certa para a tarefa que o bolsonarismo se atribuiu no quesito educação. O próprio Bolsonaro, que disse que o aluno da universidade faz tudo menos estudar, faz coro com o seu ministro quando aborda Paulo Freire. O educador pernambucano foi chamado de “energúmeno” pelo presidente como justificativa para o fechamento da TV Escola, uma das iniciativas mais bem sucedidas de levar conteúdo de qualidade, com foco na educação, para áreas remotas do país. De acordo com Bolsonaro, a TV Escola “deseduca”, pois teria uma programação “totalmente de esquerda”, o que incluiria a filosofia de Paulo Freire e a “ideologia de gênero”. Ao extinguir a TV Escola, o governo também poderá inviabilizar a TV INES, ligada ao Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), um projeto pioneiro em formato de webTV com 100% da sua programação feita na Língua Brasileira de Sinais (Libras) e produzido na medida para atingir a imensa e muito politizada comunidade surda do país.vi

Compondo núcleo duro do olavismo, o setor mais ideológico e protofascista do governo, Abraham Wentraub, ministro da Educação do governo Bolsonaro, o responsável principal por todo esse retrocesso, ao lado do próprio presidente, destaca-se pelo seu nível de agressividade e acentuada disposição de provocar e intimidar a universidade. Em vista disso, como fato inédito na história, a universidade brasileira estampou a primeira página do relatório Free to Think, produzido pela rede internacional Scholars at Risk, com sede na Universidade de Nova York, que anualmente monitora a perseguição a acadêmicos e universidades pelo mundo.

Na passagem do primeiro ano do governo Bolsonaro, os educadores brasileiros, sobretudo os da universidade, junto com uma juventude aguerrida e politizada, deram mostras de que não vão entregar barato as conquistas de muitas décadas a qualquer aventureiro. Os movimentos conhecidos com “tsunami da educação” ocorridos no primeiro semestre de 2019, são uma demonstração inconteste de que os estudantes, os docentes e os servidores das universidades poderão construir trincheiras cada vez mais eficazes e efetivas em defesa da sociedade e do futuro do país.

O fascismo não poderá vencer enquanto vicejarem a democracia, a inteligência, a ciência e a pluralidade que predominam em cada campus universitário do Brasil. E se os atos de resistência da educação foram aquilo que de mais importante aconteceu no país em 2019, como desafio para 202 fica a tarefa de levar as trincheiras e a unidade construídas entre os educadores, os estudantes e seus aliados para outros setores, para que os trabalhadores e os oprimidos sejam capazes, junto com a juventude, os intelectuais e os artistas, de derrotar o bolsonarismo, recolocando o país no rumo da democracia e da justiça social que todos almejamos.

Marcado como:
Um ano de Bolsonaro