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BRASIL

A Assistência Social no primeiro ano de governo Bolsonaro

Agatha Rotelli*, de Belo Horizonte (MG)

A Política de Assistência Social no modelo que conhecemos hoje foi conquistada com a Constituição Federal de 1988, a partir da qual juntamente à Saúde e à Previdência Social compôs o tripé da Seguridade Social. No entanto, sua Lei Orgânica somente foi sancionada cinco anos depois, em 1993, e o Sistema Único de Assistência Social – SUAS foi consolidado apenas em 2005, o que demonstra uma grande resistência do Estado Brasileiro em abandonar o formato de assistência prestada pelas igrejas e pela Legião Brasileira de Assistência (LBA) – órgão público de assistência social com viés mais assistencialista e de caridade, presidida pelas primeiras-damas e que sobreviveu até o fim do período da Ditadura Militar, sendo reforçada no Governo Collor e extinta apenas no governo de Fernando Henrique Cardoso.

É então a partir da Constituição de 88 que o Estado reconhece que a pobreza e a miséria são de sua responsabilidade e não apenas de cada indivíduo que sofre, o que obviamente não ocorreu por bondade dos governos e sim pela exigência do povo que lutava pelo fim da Ditadura Militar, período em que por mais que a economia crescesse a miséria também crescia, nos deixando um grande aprendizado: não adianta ter crescimento econômico para a situação do povo melhorar, é necessário ter interesse em distribuir a renda e em garantir boas condições de vida ao povo. Diferença que se viu no Governo Lula, quando o crescimento econômico enriqueceu absurdamente aos banqueiros e empresários, mas minimamente pingou para o pobre. É no Governo Lula que o SUAS será consolidado e vários CRAS e CREAS são implantados, fazendo com que a Política de Assistência Social se expandisse e fosse conhecida nos territórios mais vulneráveis, entendi hoje acessível para aqueles que dela necessitam. Também foi o Governo Lula quem criou e iniciou o maior programa de transferência de renda, o Programa Bolsa Família (PBF).

O Programa Bolsa Família foi muito criticado, em especial pela classe média, que capaz de trabalhar e se sustentar, acredita ser um absurdo gastar dinheiro público com o povo pobre e miserável, pois associa a pobreza e a miséria com a vagabundagem e não acreditam que o benefício possa mudar a realidade das famílias. Em parte a crítica é correta, pois apenas a pequena verba transferida não consegue resolver o problema a fundo, sendo necessário que as outras políticas trabalhem juntas, como a educação e a saúde, e que houvesse a garantia de outros direitos como o da moradia, alimentação, segurança pública e emprego. Por outro lado a crítica é mesquinha, pois está baseada numa ideologia meritocrática, que acredita que basta cada um se esforçar para sair da miséria quando, na verdade, a miséria é inerente ao sistema em que vivemos e, como já dito anteriormente, é necessário muito mais do que a renda para superá-la. Portanto, apesar das suas contradições; como ser um valor muito baixo, não haver pleno emprego para as pessoas superarem a necessidade do benefício, haver possibilidade de fraude, ainda assim, o PBF é extremamente importante para as famílias pobres e miseráveis, muitas vezes sendo a única renda das famílias, que não conseguem emprego ou que não possuem condições de trabalhar sem ter com quem deixar os filhos, sendo a maioria dos beneficiários mulheres. E é preciso dizer, não há conhecimento de nenhum caso real em que a beneficiária prefira receber o Bolsa Família a trabalhar ou que faça mais filhos para aumentar R$ 41,00 (quarenta e um reais) mensais no benefício – valor da variável por criança na família – como acusam algumas pessoas.

O Governo Bolsonaro prometeu em campanha eleitoral uma novidade, o 13º do Programa Bolsa Família, promessa que já está sendo cumprida, agora no mês de dezembro os beneficiários do programa recebem o valor do seu benefício em dobro. Porém, o Governo não aumentou a verba destinada ao Bolsa Família para garantir o pagamento desse valor extra, mantendo os mesmos 32 bilhões, valor que apenas deu conta de chegar ao fim do ano por haver um número muito pequeno de inclusão de novas famílias que demandaram o benefício, levando a uma redução do número de beneficiários, de 14,3 milhões para 13,5 milhões, e gerando fila de espera, o que não existia há pelo menos dez anos. Conforme matéria da Folha de São Paulo do dia 2 de dezembro de 2019, cerca de 700 mil famílias nacionalmente aguardam pelo benefício Bolsa Família. Até o início deste ano, a família incluída no Cadastro Único do Governo Federal que se encontrava no perfil do PBF começava a receber o benefício em até 45 dias. Hoje, em Belo Horizonte, desde março não há novas famílias recebendo o benefício e no ano menos de cem famílias foram incluídas no programa, número de inclusão igual a média mensal anteriormente na cidade. Em um momento em que o desemprego é enorme e mais pessoas procuram e necessitam da assistência social, muitas famílias passam por extremas dificuldades e não conseguem acesso ao PBF e a previsão para o ano de 2020 é um orçamento ainda menor (29,5 bilhões), apesar do Governo estudar uma ampliação do programa, mantendo adicional para família com crianças até os três anos e estender a variável para o jovem até os 21 anos.

Além do Programa Bolsa Família passar a ter fila, neste ano, o Benefício de Prestação Continuada – BPC, benefício pago para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, passou a demorar mais para ser liberado e o número de idosos beneficiários reduziu, apesar do maior empobrecimento e envelhecimento da população. A Folha de São Paulo aponta que mais de 150 mil pedidos aguardam a análise inicial do INSS, e a previsão de aumento de 1,5% da verba destinada ao BPC certamente não suprirá a demanda.

Atualmente o programa com maior aumento de renda prevista no Orçamento de 2020, 30% de aumento, é o Programa Criança Feliz, elaborado em 2016 pela primeira-dama Marcela Temer e apadrinhado por Michelle Bolsonaro. O referido programa tem caráter intersetorial e atua sobre a primeira infância, compreendendo que um pleno desenvolvimento nesta fase é essencial para o desenvolvimento humano; sua principal ação são as visitas domiciliares para acompanhar a família, com objetivo de orientar e fortalecer vínculos comunitários e familiares. A princípio nada errado com o programa, apenas com o coincidente privilégio orçamentário e interesse das primeiras-damas nele. É sim muito importante ter a criança plenamente desenvolvida na primeira infância, mas o acompanhamento familiar sem o funcionamento pleno da política de saúde, educação, previdência social, assistência social e demais, não será capaz de proporcionar essa tal felicidade, ainda mais se fizerem parte de famílias que não conseguiram acesso ao Bolsa Família e ao BPC, já que o próprio Criança Família prioriza famílias beneficiárias desses programas.