Por: Raquel Reis, de São Paulo, SP
No mês passado, a Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (ADUSP) recebeu uma denúncia anônima de que a reitoria da USP estava em tratativas com grupos empresarias como McKinsey, Comunitas, Natura, Grupo Cosan, Itaú e Ultrapar Participações S/A, com mediação direta do governador Geraldo Alckmin (PSDB). O contrato já firmado entre a USP e esses grupos empresarias teria por objetivo, segundo o reitor, de “examinar dois aspectos da USP – a estrutura e gestão, em especial financeira e administrativa e estruturar um arcabouço de projeção futura”. Esse projeto chamado de ‘USP do Futuro’ vai no mesmo sentido que o ‘Ponte para o Futuro’ do governo Temer, que é diminuir os recursos públicos para a saúde e educação para depois privatizar.
Zago já declarou em reuniões do Conselho Universitário que apenas os recursos do ICMS (Imposto por Circulação de Mercadorias e Serviços)* não são suficientes e que a saída é buscar investimento privado. No entanto, as reitorias das universidades paulistas (USP/UNESP/UNICAMP) nunca reivindicaram do governo estadual um reajuste do repasse do ICMS, que se mantém o mesmo desde a década de 80, mesmo após a expansão de vários cursos e campis, como a USP Leste.
Além de privatizada, a ‘USP do futuro’ será ainda mais elitista e branca. A universidade ainda não adotou cotas raciais e vem tomando medidas paliativas que pouco modificaram o perfil dos ingressantes nos últimos 10 anos. Em 2015, por sua vez, a USP destinou um percentual de vagas para ingresso via Sistema de Seleção Unificado (SiSU) a partir de 2016. Esse ano, o total de vagas oferecidas foi de 11.057, sendo que destas, 1.489 (13,5%) para o SiSU. No entanto, das 1.489, 814 vagas foram efetivamente preenchidas, mas somente 21 (1,41%) foram preenchidas por estudantes negros e indígenas. As outras 675 vagas remanescentes não foram preenchidas devido à altíssima nota de corte que exigiam em média nota de 700 pontos em cada área do conhecimento avaliada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Saiba mais através do manifesto do movimento negro e indígena da USP.
Por sua vez, na Faculdade de Medicina, a congregação mal aprovou a adoção de vagas destinadas para o SiSU. O diretor da unidade, prof.º José Otávio Costa Auler, já fez declarações racistas contra as cotas como: “A nova política de cotas de São Paulo terá impacto negativo na qualidade dos alunos. O prejuízo para a universidade pode ser irreparável”.
Na greve desse ano, foi conquistado em alguns cursos o aumento do percentual de vagas para o SiSU e a percentagem destinada exclusivamente para PPI (população preta, parda e indígena). Por exemplo, para Ciências Sociais serão oferecidas 63 vagas via SiSU do total de 210, sendo que 42 para PPI, 21 para estudantes de escola pública e nenhuma para a categoria “amplo acesso”. Além disso, a nota mínima caiu de 650 para 450. No entanto, em 2017, a reitoria vai reavaliar se continua adotando o SiSU. Nesse sentido, segue a luta do movimento negro, indígena e do conjunto do movimento estudantil para adoção de cotas raciais na FUVEST, um dos vestibulares mais difíceis do país que, por sinal, tem taxa de inscrição de R$160.
Nesse sentido, é necessário que todo o movimento social da universidade se unifique na luta pela implementação das cotas raciais na universidade mais racista do país e contra o projeto dos governos e da Reitoria de privatizar a universidade pública e torná-la ainda mais inacessível ao povo pobre e trabalhador. Além de democratizar o acesso à USP pelas cotas, é preciso também democratizar sua estrutura de poder. As principais decisões sobre a universidade, como o orçamento anual, são votadas dentro do Conselho Universitário (CO), que é completamente controlado pelo governo estadual e pela reitoria.
No CO, a representação dos estudantes e dos trabalhadores é muito inferior a dos diretores de unidade, que são, geralmente, alinhados à Reitoria. Fora que a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Federação do Comércio (Fecomercio) e Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp), os representantes diretos da burguesia nacional, possuem cadeiras e votam dentro do CO! É necessário que escolha do próximo Reitor em 2017 seja feita por meio de votação direta e paritária com toda a comunidade universitária. Da mesma maneira, deveria ser a composição do Conselho Universitário.
A USP do nosso futuro vai ter cotas raciais, vai ter mais gente preta e indígena, com financiamento público para que a pesquisa e a extensão sejam voltadas para os interesses do povo pobre e trabalhador e democrática para que as decisões não sejam tomadas pelos governos e Reitoria para atender os interesses privados da elite brasileira. Contudo, a travessia para o futuro que queremos, depende de nós resistirmos às batalhas presentes.
*O ICMS, que é um imposto regressivo, é o principal tributo de arrecadação do Estado de São Paulo. Atualmente o governo de SP deveria repassar 9,57% do montante, no entanto, uma importante parcela é sonegada pelo governo, conforme cálculos da ADUSP.
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