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MUNDO

Reino Unido: centenas de milhares tomam as ruas contra Trump em meio à crise do governo e indefinição do Brexit

Por: Marcio Musse, de Londres, Inglaterra

O presidente dos EUA, Donald Trump, realizou sua primeira visita ao Reino Unido entre os dias 12 e 15 de julho. Como era esperado, mesmo com uma agenda enxuta e programada para evitar grandes cidades e multidões, a visita gerou manifestações de centenas de milhares em Londres e outras cidades do país. Além disso, ocorreu em um momento extremamente delicado da política britânica, com o governo da Primeira Ministra Theresa May (Partido Conservador) enfrentando sua maior crise política com as indefinições sobre os rumos do Brexit tomando conta de todos os noticiários.

Governo em crise

Com a vitória de Trump nas eleições dos EUA e o crescimento das forças de extrema-direita na Europa, May operou um deslocamento político de seu governo na mesma direção Porém, os ventos logo começaram a tomar outro sentido. Em maio de 2017, o candidato neoliberal Macron derrotou a Frente Nacional de Le Pen na França, fortalecendo as frações imperialistas pró-UE e freando o crescimento dos setores ultranacionalistas e populistas de direita. Em junho de 2017, Theresa May convocou eleições gerais antecipadas, apostando em uma esmagadora vitória contra o Partido Trabalhista que pudesse conferir maioria absoluta dos Conservadores no Parlamento Britânico – outro erro fatal, já que ao invés de ampliar o peso dos Conservadores diminuíram. Os Trabalhistas, com a candidatura de Corbyn à frente, surpreenderam.   

Desde então, sob a pressão crescente da UE e de setores da burguesia britânica, particularmente neste ano, o governo May vem fazendo uma reorientação de volta ao “centro”, ou seja, em direção à agenda mais tradicional do imperialismo global na abordagem do Brexit. Diferente dos discursos de um ano atrás, o Brexit que está sendo encaminhado pelo governo britânico altera muito pouco as relações existentes entre a Grã-Bretanha e a EU, apontando uma saída mais simbólica que efetiva do Reino Unido do bloco.

Os últimos dias foram bastante movimentados confirmando, não sem crises, essa reorientação. No dia 08 de julho, um domingo, o secretário (ministro) responsável pelas negociações do Brexit com a UE, David Davis, renunciou atacando a política do chamado soft-Brexit. No dia seguinte ocorreu a renúncia do ministro das Relações Exteriores, Boris Johnson, um dos principais ministérios, sendo ele próprio uma das principais lideranças do Partido Conservador. Ainda naquela semana, vários Parlamentares do próprio Partido Conservador criticaram abertamente o governo. A BBC, por sua vez, chegou a noticiar que alguns deles articulavam uma Moção de Desconfiança, o que derrubaria o governo.

O ultra-conservador Jacob Ress-Morg, liderança da ala “Tea Party” dos Conservadores, também se lançou em ataques públicos e diretos à Theresa May. O “problema” é que, dessa vez, não existem condições para um novo acordo que venha a indicar um primeiro-ministro (PM) sem eleições gerais. Tudo isso sob o espectro de “Jeremy Corbyn” rondando o Palácio de Westminster, as rodas conservadoras de todos os cantos do país e, até mesmo, a Europa.

Trump: um visitante inoportuno

Nesse clima, a visita de Trump ao Reino Unido não poderia deixar de ser um evento muito esperado. O governo temia que sua presença impulsionasse grandes protestos que terminassem voltando contra a própria Theresa May. Bem, foi exatamente o que ocorreu.

Sabendo do potencial mobilizador da repulsa ao presidente americano, Trump chegou em um aeroporto afastado da região de Londres, só indo de helicóptero à capital para pernoitar na residência da embaixada, que foi totalmente isolada. O cerimonial montou uma agenda oficial enxuta, concentrada em apenas um dia, e afastada dos centros urbanos. Foram encontros com a PM Theresa May durante o dia e um chá com a Rainha ao final da tarde. Após o chá, Trump embarcou para a Escócia, onde passou o final de semana em uma estância de golfe de sua propriedade no interior do país.

Porém, mesmo nesse curto espaço de tempo em que este no país, o estrago foi grande. Trump deu uma entrevista a um tabloide local onde disse literalmente que “o Brexit que está sendo aplicado não é o que foi votado pelos britânicos”, que “este modelo de Brexit inviabiliza acordos bilateriais entre EUA e GB” e que “Boris Johnson daria um excelente Primeiro Ministro”. Isso jogou muita lenha na fogueira da crise de Theresa May, dentro e fora do Partido Conservador. Trump também falou, durante a declaração conjunta entre os dois mandatários, que “a imigração estaria desfigurando a cultura europeia, o que é muito ruim”.

Depois, Trump recuou parcialmente sobre algumas de suas declarações, negando que houvesse feito aquelas afirmações e chamando a imprensa local de fake news (o que só serviu para irritar os jornalistas, pois tudo havia sido gravado). Segundo relatos de jornalistas presentes ao encontro, o ambiente era de bastante constrangimento. Theresa May se diferenciou de Trump sobre imigração – quando ela respondeu que “os imigrantes contribuem com a cultura britânica e europeia”, e se esquivou de comentar as declarações de seu colega americano. No domingo, em uma entrevista à BBC (TV), May disse entre risos, em tom meio debochado, que Trump havia dito para ela “não negociar, mas processar” a União Europeia.

Assim, mesmo se não houvesse nenhum protesto tivesse ocorrido, a visita de Trump já teria sido um desastre para o governo britânico. Mas a mobilização anti-Trump aconteceu: não foi nem um pouco pequena, nem irrelevante.

Mais de 150 mil foram às ruas em grande estilo

Na sexta-feira 13, dia dos compromissos oficiais de Trump com May e a Rainha, manifestações gigantes tomaram Londres e outras cidades da Inglaterra, Escócia e País de Gales. A marcha em Londres foi gigantesca, apesar de ser em uma sexta – as grandes manifestações são geralmente marcadas para sábados, para permitir maior participação. Uma caricatura de Trump como um bebê, feita em um balão, voou por toda a capital. Essa passeata foi maior que a de janeiro de 2017 e com uma composição social mais variada.

A marcha do dia 13 teve vários protagonistas. As mulheres, que foram vanguarda na marcha contra sua posse, estiveram presentes em grande número denunciando o machismo e a opressão. Os principais sindicatos estavam com suas colunas, ligando a luta contra Trump ao embate contra as políticas de austeridade do governo e denunciando as privatizações e entrega de patrimônio envolvidas nos “acordos bilaterais” que Trump quer estabelecer com May. O youthquake da juventude lutando por perspectivas também se fez bastante presente. Muitos imigrantes, refugiados e organizações que os apoiam, como a Anistia Internacional – na Escócia, um paraquedista com uma bandeira do GreenPeace furou o isolamento da polícia e chegou a alguns metros de Trump. Até mesmo profissionais liberais da City deram uma escapada e se juntaram a manifestação. Um deles, carregava um cartaz dizendo “Não costumo ir a manifestações, mas Trump não me dá outra escolha”.

A marcha foi encerrada com um ato na Trafalgar Square, que contou com um discurso de Corbyn atacando a agenda de ódio, racismo e xenofobia e combatendo a austeridade. Trump foi, sem dúvida, recebido em grande estilo pelos trabalhadores, mulheres, jovens e imigrantes britânicos.

Brexit: Novo Referendo?

Um dia antes dos atos contra Trump, o governo britânico publicou o White Paper com sua política para o Brexit. Como esperado, aponta uma saída muito leve, quase simbólica, do Reino Unido em relação à UE. Os críticos, inclusive de dentro do círculo governista, apontam que o país seguirá atado às normas europeias, mas sem o poder de intervir como um estado-membro sobre elas.

Com isso, cresce muito a campanha por um novo Referendo. Nesta segunda-feira, dia 16, uma importante ex-ministra e aliada de May, Justine Greening, veio à público chamar um novo pleito, o que foi prontamente negado uma vez mais pelo governo. Com um setor do Partido Conservador se descolando de May e exigindo um Brexit mais duro – um “hard Brexit” -, outros começam a se se posicionar por um novo referendo com o objetivo de anular o Brexit. O fato é que o governo está cada vez mais isolado dentro de seu próprio partido.

Por outro lado, a direita do Partido Trabalhista vem chamando um Novo Referendo desde o início do ano. Chuka Umunna, principal liderança Blairista no Parlamento, vem desafiando Corbyn nesse sentido há tempos. No final de semana de Trump, Tom Watson, vice-líder do Labour e principal organizador das últimas tentativas de remover Corbyn, disse à BBC que “embora a política do Labour não seja essa, não podemos descartar completamente a realização de um segundo referendo”. Mas não é só na direita do Partido que esse movimento vem tomando forma. Várias correntes e setores de esquerda vem chamando um novo referendo para bloquear o processo de saída, seja adotando um discurso muitas vezes pró-UE, ou mesmo contrário a ela.

A esquerda não pode cair em armadilhas e se dividir. O governo May está pendurado por um fio. A possibilidade de um governo Jeremy Corbyn e o Manifesto “For the Many not the Few” se fazem mais presente do que nunca. Nem o Brexit racista e xenófobo defendido pela direita, que visa apenas aumentar a exploração e opressão de todos os trabalhadores, especialmente os imigrantes; nem a União Européia, clube imperialista que explora os trabalhadores dentro e fora de suas fronteiras.

A extrema direita perde peso

Após as últimas eleições locais terminaram o processo que já estava claro: o sepultamento do UKIP. O UKIP (Partido pela Independência do Reino Unido) chegou a ser o terceiro principal partido em importância política do país em 2015. Na época era definido como um dos partidos “mais dinâmicos da Europa”. O UKIP cumpriu um papel de liderança na campanha pelo Brexit, com um discurso xenófobo e populista de direita. Seu então líder, Nigel Farage, chegou a ser amigo pessoal de Trump e foi o primeiro personagem político europeu a encontrá-lo depois que venceu as eleições. Nas eleições locais desse ano, das 126 cadeiras que o UKIP ainda ocupava, sobraram apenas seis.

Isso não quer dizer que a extrema-direita esteja morta na Grâ-Bretanha. Ela se enfraqueceu, sem dúvida. O fenômeno Corbynista conseguiu, com uma agenda anti-austeridade e, em certos pontos, anticapitalista, ocupar pela esquerda o descontentamento de amplos setores da classe trabalhadora.

O espaço da extrema-direita agora é disputado por setores do Partido Conservador, que tendem a se radicalizar e aparecer mais nessa disputa contra o modelo proposto de Brexit. Também aparece em organizações como a FLA (Associação de Torcedores de Futebol, tipo uma associação de Hooligans) e correntes ultraminoritárias neofascistas como Britain First e EDL. Estes agora organizam uma campanha pela libertação de Tommy Robinson, ex-dirigente do nazista BNP. Robinson está preso desde o ano passado por obstrução à justiça.

A FLA chegou a organizar uma manifestação esse ano que contou com cerca de 15 mil presentes, pela “liberdade de expressão”. No final de semana da visita de Trump, chamaram outra manifestação no sábado, em apoio a Trump e pela libertação de Robbinson. O ato foi bem menor que o anterior, menor inclusive que o contra-ato chamado por grupos de esquerda e antirracistas. Porém, depois dos atos, um grupo de militantes da FLA atacou com cadeiras e cacos de vidro um dirigente do RMT (sindicato de transportes) em um Pub no centro de Londres. É preciso estar atento, repudiar e combater o ressurgimento da extrema-direita racista e xenófoba, seja sob qual forma ela se apresentar.

De toda forma, não podemos deixar de observar que, sem dúvida, diferente da maioria dos países da Europa continental, no último período a situação da Inglaterra vem girando cada vez mais à esquerda. A esquerda socialista tem que saber aproveitar esse novo momento adotando uma política à altura da situação.

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