É importante, no caso de Lula, que é emblemático, lutar para que se cumpram as garantias constitucionais. Estamos diante de um conjunto de medidas que , faz alguns anos, modificam os mecanismos de regulação na vida social e política do país.
Este processo agora se manifesta mais abertamente e vemos de forma mais evidente a coerção, posto que coerção é também, na concepção gramsciana, a força da lei e a lei assume o formato que a correlação de forças entre as classes permite.
Igualmente, a coerção pode significar a modificação do que está devidamente inscrito no corpo das leis se a correlação de forças permitir. Neste caso, o estado de direito não é questionado e nem golpeado por uma ditadura, mas simplesmente o consentimento ativo da maioria da classe explorada aceita que a lei não seja seguida ou que o poder da classe dominante se manifeste “sem amarras” sobre uma parcela dos dominados.
Embora ela possa acontecer ao arrepio de qualquer dispositivo legal, a dominação busca justificar e reelaborar uma explicação, à luz de sua visão de mundo, mas também do que, do ponto de vista superestrutural, já está sedimentado na consciência do conjunto das classes. Ou seja, é preciso ajustar a ideologia também à coerção, para que ela possa se materializar.
Desde a Reforma do Estado temos visto dispositivos que alteram o arranjo entre as esferas do Estado liberal : medidas provisórias, leis delegadas e emendas constitucionais foram alterando a dinâmica das relações entre os componentes do aparelho de estado. É que experimentam cotidianamente os militantes do MTST quando, ao arrepio das cláusulas pétreas da constituição ( entre os quais direito à moradia, que dialoga com a função social da propriedade), famílias são despejadas de seus lares em nome do sacrossanto direito de propriedade capitalista.
Além disso, o necessário controle sobre a classe trabalhadora trouxe à vida dispositivos autoritários como a Garantia da Lei e da Ordem, ainda sob o governo de Dilma/Temer – PT/PMDB , a Lei anti-terror e a “nova concepção” de associação para o crime, que permite enquadrar movimentos sociais, mas preserva narcotraficantes e assassinos confessos em seus mandatos de senadores e cargos no judiciário.
Para alguns, pode parecer que isso não nos diz respeito. Afinal, o PT se locupletou com os golpistas e continua buscando a conciliação e as alianças eleitorais.
Nenhum raciocínio é mais simplório. Não se trata aqui de defender este ou aquele político, sob esta ou aquela bandeira partidária, ainda que, por vício de degeneração, a todo o momento tentem colar e capitalizar estas ações a uma defesa imediata de candidaturas. Lamentavelmente isso não é feito apenas dirigentes de partidos da ordem, seus apoiadores, mas também pelas auto-proclamadas esquerdas revolucionárias.
O momento é de gravidade. Estamos diante de um processo razoavelmente longo de mudança no ordenamento jurídico e das garantias constitucionais, das formas de regulação do Estado Burguês, que seguirá seu curso se a correlação de forças permitir.
Basta uma olhada rápida ao redor do mundo para vermos este movimento geral acontecendo desde o encarceramento de crianças nos EUA, até a prisão de LGBTIs na Rússia.
A democracia, ainda que nos estreitos marcos liberais, é fruto da luta histórica dos trabalhadores contra a exploração do capital. É uma importante mediação de garantias imediatas de condições de vida, de aprendizado nas batalhas concretas. É na vivência concreta, prática, das lutas parciais que realizamos a síntese com a teoria e podemos elaborar um programa que nos leve à ação para a superação do regime brutal de exploração.
A democracia é uma conquista da luta dos trabalhadores contra os interesses do capital. Por isso devemos lutar pela liberdade de Lula. Não por ele, mas para que o empresariado entenda que não permitiremos que certos limites sejam ultrapassados ( enquanto acumulamos forças para nossa vitória final).
Se permitirmos que façam isso com alguém que, dentro da ordem, possui projeção e apoio internacional, imaginem o que acharão que podem fazer com qualquer militante de esquerda? E mais, o que têm certeza que podem fazer com os 200 mil em prisão provisória? O fato de o Brasil ter uma das maiores populações de encarcerados do mundo não está descolado deste processo.
Não, a liberdade de Lula não é uma questão menor. Ela é uma das batalhas táticas mais importantes da conjuntura brasileira. E nossa vitória é uma página importante no enfrentamento das tentativas do empresariado de destruir as poucas garantias que nos restam. É preciso a unidade das bandeiras das esquerdas. O PT não deve se furtar a esta tarefa de convocar a sua militância e seus apoiadores, nem a CUT. Nós, muito menos! O que o empresariado deseja é a dominação direta, brutal, “sem amarras”. A questão é: o que queremos nós? Esta é uma importante página na luta de classes no nosso país, sejamos nós os protagonistas, pautemos nós a disputa.
Não é só por Lula.
Vamos à luta, vamos às ruas!
Foto: Ricardo Stuckert
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