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BRASIL

Museu Nacional, uma tragédia anunciada. E a Unicamp?

Por: Lucas Marques, de Campinas, SP
divulgação

Muito se tem discutido sobre como a tragédia do Museu Nacional foi uma tragédia anunciada: os seguidos cortes de verbas tornaram extremamente precárias as condições de manutenção. Na noite do incêndio os bombeiros não puderam contar nem mesmo com os hidrantes das redondezas para apagar o fogo.

O Museu Nacional é mais um prédio em chamas: só na UFRJ podemos citar o incêndio no Palácio Universitário em 2011, a Faculdade de Letras em 2012, o Centro de Ciências e Saúde em 2014, o prédio da Reitoria em 2016 e o alojamento em 2017. Em São Paulo nos vem à lembrança o Memorial da América Latina que queimou em 2013, o Museu da Língua Portuguesa em 2015 e a Cinemateca em 2016.

É necessário responsabilizar os governos que deveriam garantir o investimento na manutenção e na segurança desses prédios e acervos. A Rede Globo vende a privatização como solução para o problema da cultura, mas aqui no estado de São Paulo já temos 59% do orçamento estadual para cultura voltado para parcerias com organizações sociais (de acordo com dados disponibilizados pela secretaria de cultura). Inclusive, o Museu da Língua Portuguesa era administrado por uma organização social durante o período em que houve o incêndio: o problema é a falta de investimento em cultura. De acordo com dados da Secretaria da Cultura do estado de São Paulo, em 2010 o estado investia 0,71% do orçamento total em cultura, em 2016 passou a investir 0,4%, quase metade.

Além dos cortes em investimento em cultura, no caso do Museu Nacional devemos levar em conta a crise de financiamento das universidades públicas no Brasil, a UFRJ, universidade a qual o museu era vinculado, deve terminar este ano com um déficit de 170 milhões. A EC 95 que estabelece o teto de gastos e congela investimentos públicos por 20 anos vem para impor um verdadeiro austericídio à saúde, à educação e também à cultura, já mostrando seus primeiros efeitos.

Unicamp: crise de financiamento e precarização
Em 2013 fomos surpreendidos por um incêndio na biblioteca do IEL (Instituto de Estudos da Linguagem) na Unicamp, causado por um curto circuito. A rede elétrica do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas) é conhecida por ser pouco confiável, se encontra em tal situação que coloca em risco de incêndio a Biblioteca Octavio Ianni, que conta com importantíssimo acervo de ciências humanas e filosofia e cumpre papel fundamental na produção científica do instituto.  A diretoria requisita recursos à reitoria para uma reforma há anos. Ao comentar a tragédia do Museu Nacional o reitor Marcelo Knobel reconheceu em sessão da CAD (sub-câmara do conselho universitário) que a própria sala do conselho não possuía infraestrutura de segurança necessária em caso de incêndios e que a Unicamp precisava tomar providências nesse sentido [1]. A moradia estudantil possui prédios interditados por risco de desabamento, diminuindo sua já restrita quantidade de vagas.

Os inúmeros casos da UFRJ deixam claro o quanto a falta de investimento em infraestrutura e manutenção colocam em risco os espaços e prédios da universidade e a integridade física da comunidade acadêmica. Fora os riscos pelas condições precárias de manutenção e falta de aparato e protocolos de segurança de alguns prédios, a Unicamp possui problemas gravíssimos de acessibilidade. Muitos prédios não contam com elevadores e rampas de acesso, há, inclusive, casos curiosos nos quais só se pode acessar banheiros adaptados através de escadas. A diretoria do IFCH, por exemplo, possui um projeto de acessibilidade a ser executado, mas aguarda a liberação da verba necessária.

Enfrentamos também problemas com bibliotecas e arquivos: o CMU (Centro de Memória da Unicamp), que conta com acervo importantíssimo, em especial para o município de Campinas, ameaçou ser fechado ao público por falta de funcionários. Felizmente a situação foi divulgada e a indignação da comunidade acadêmica pressionou para que a reitoria se comprometesse a reverter a situação; outro caso foi o da biblioteca do IEL que ameaçou ficar fechada por períodos inteiros por falta de funcionários, caso que também foi discutido pelo conjunto da comunidade acadêmica e que parece ter se encaminhado para novas contratações.

De acordo com o relatório da AEPLAN (Assessoria de Economia e Planejamento) a Unicamp deve encerrar 2018 com um déficit de 243 milhões, acumulando um déficit de 806 milhões desde 2015 [2]. A defasagem na alíquota do repasse do ICMS, imposto através do qual se financia as estaduais paulistas, cobra seu preço. O ICMS é um imposto sobre consumo, além de sobrecarregar os mais pobres que acabam pagando muito mais ao estado proporcionalmente à sua renda, em tempos de crise diminui o consumo e com ele a arrecadação. A alíquota de repasse às estaduais é de 9,57% desde 1995, nesse meio tempo a quantidade de estudantes de graduação e pós-graduação na Unicamp quase dobrou (foi de 18.763 para 35.718). Por essas e outras, o número de docentes diminuiu de 2.559 em 1995 para 2.179 em 2016, e o de técnicos-administrativos de 8.681 para 8.178. O número de estudantes quase dobrou e a quantidade de professores e funcionários diminuiu, isso é indicador gritante da precarização do ensino, da pesquisa e da extensão. O Fórum das Seis, entidade que reúne entidades representativas dos estudantes, funcionários e docentes das estaduais paulistas reivindica o ajuste da alíquota do repasse para 11,6% como patamar mínimo para retomar as atividades normais. Nesse meio tempo, as estaduais paulistas respiram por aparelhos.

A realidade é que o governo do estado de São Paulo realiza uma série de manobras contábeis e não repassa integralmente nem mesmo os 9,57% do ICMS para as universidades estaduais. São feitas deduções da base de cálculo da quota-parte, direcionadas para outros setores, estima-se um prejuízo de 1 bilhão no orçamento das estaduais entre 2014 e 2016. Educação pública e gratuita e pesquisa não são prioridade para os governos do PSDB. O ex-governador Geraldo Alckmin inclusive declarou que deveria-se cobrar mensalidades no ensino superior, começando pela pós-graduação.


Sem sombra de dúvidas esse cenário de precarização se repete país afora. A Unicamp é considerada por alguns rankings a melhor universidade da América Latina, mas a realidade é de déficit e contingenciamento de verbas, situação que chega a ameaçar a realização das suas atividades fim. A tragédia do Museu Nacional é a tragédia do ajuste fiscal, do desmonte do ensino superior público e do descaso para com a cultura e a memória do nosso país.

Pela revogação da emenda do teto de gastos e taxar os mais ricos para financiar a educação
É necessário uma grande mobilização pela revogação da EC 95, enquanto ela estiver em vigor os governos vão investir cada vez menos em saúde, educação e cultura. Fora isso é preciso repensar o financiamento das estaduais paulistas, o aumento do repasse do ICMS é fundamental, mas não remedia o problema das oscilações na arrecadação e o fato de ser um encargo que pesa sobre os mais pobres. É preciso taxar as grandes fortunas, implementar uma reforma tributária progressiva e auditar a dívida pública, assim haverá recursos para investir nos serviços públicos.

Aqui na Unicamp é preciso entender o incêndio do Museu Nacional como um sinal de alerta: sinal de que cabe a nós nos mobilizar e lutar em defesa da educação, da produção científica e da cultura. A tragédia se abate sobre todos nós e nos resta transformar o luto em luta.

NOTAS

1 – 337ª Sessão Ordinária da CAD, realizada em 04.09.2018
2 – Informação AEPLAN nº 0360/2018 – Segunda revisão do orçamento de 2018