Jogando em Níjni Novgorod, cidade natal de Sverdlov, o revolucionário considerado por Lenin como um dos principais organizadores do Partido Bolchevique. Paradoxalmente, organização foi algo que faltou para o time da Argentina. Nitidamente, as alterações propostas por Sampaoli, em relação à escalação anterior, não surtiram efeito. A entrada de Pérez no lugar de Biglia no meio de Acuña, no lugar de Di Maria, para jogar pelo lado esquerdo do campo, ao invés de ajudar na organização da equipe, surtiu o efeito contrário.
A Argentina era nitidamente uma equipe desorganizada taticamente. Sem jogadas de aproximações dos jogadores de meio para troca de passes curtos com Acuña pela esquerda e Meza pela direita, que tem sido as formas mais eficazes de conseguir penetrar na área ante as linhas de defesas com até 8 jogadores por parte do time Croata. A Argentina pouco criou durante o jogo e Messi pegou muito pouco na bola. A tática defensiva da Croácia não era de jogar totalmente recuada atrás da linha da bola, mas avançava a marcação dificultando o passe da Argentina e consequentemente impedido que a bola chegasse com facilidade no astro argentino. Afinal é bem mais fácil marcar Mascherano e Péres do que Messi com as bolas nos pés. Essa estratégia funcionou.
A Croácia se mostrava uma equipe bem mais organizada em campo, mesmo esperando a Argentina, não deixou de propor o jogo ofensivo quando tinha a posse de bola. Modric (Real Madrid) se mostrou genial no meio, um verdadeiro Sverdlov que organiza o meio campo Croata junto com Rakitic (Barcelona), distribuindo o jogo com passes precisos e rápidos, quase sempre com apenas um toque na bola, e passes longos nas costas da zaga argentina, a qual se mostrou um pandemônio à parte, por encontrar dificuldade ao marcar Manduzkic (Juventus).
Mas, o jogo estava a certo ponto equilibrado, sem muitas chances claras para os dois lados, até que aos sete minutos do segundo tempo em um lance simples, o zagueiro argetino recua a bola para o goleiro Caballero, que acaba dando uma levantada na bola para um lindo chute do incansável Rebic. Caballero coloca o rosto entre as mãos, o desespero pelo erro grotesco demonstra o nível de tensão em que se encontra o time argentino. Era início do segundo tempo, havia bastante tempo para tentar o empate ou a virada. Mas, as imagens de torcedores, atletas no campo de reserva e comissão técnica eram de uma equipe totalmente desolada e incapaz de reagir. Somente Sampaoli parecia ainda acreditar em um resultado diferente, fez alterações, colocou Pavón, Hinguain e Dybala.
Nada mudou a forma desorganizada da argentina jogar. Sem sistema tático, sem organização ofensiva ou de transição do meio para o ataque, além de não conseguir fazer a bola chegar em Messi. Acaba que em um erro de saída de jogo, a bola fica no pé de Modric, que entorta o zagueiro argentino e mostra toda sua genialidade em um chute da entrada da área, 2 x 0 para os croatas. Contudo ainda não havia terminado o massacre, um novo lance de ataque, desta vez com cara de final de pelada entre amigos, Rakitc chuta ao gol, Caballero defende, mas a sobra fica nos pés do croata, que está acompanhado por mais três croatas contra o goleiro e um zagueiro argentino dentro do gol, os quais sem sucesso tentam parar Rakitic, que só empurra para o gol. 3 x 0, em uma noite que a Argentina tentará esquecer. Quem queria ver Messi brilhar acabou vendo Modric dar um espetáculo a parte.
Croácia já está classificada com duas vitórias, a situação da Argentina fica difícil, mas ainda tem chance, depende do resultado do jogo entre Nigéria e Islândia, devendo ir contra Nigéria precisando vencer de goleada e deverá torcer para uma derrota da Islândia contra a Croácia no terceiro jogo, ou seja, não depende somente de si para se classificar.
Três pontos para a reflexão sobre o jogo argentino e o futebol sul-americano em geral. Primeiro, a necessidade criada desde as transformações recentes no futebol de que os goleiros consigam jogar bem com os pés, tenham bom passe e atuem como um passe de segurança, isso parece pouca coisa, mas resulta em mudança intensa na forma como os jogadores são preparados na base. Segundo, a questão da necessidade dos zagueiros serem ofensivos no início do jogo, precisam ter bons passes e bons condutores de bola, o que também tem sido algo novo para a história recente de zagueiros argentino e sul-americanos em geral. Por fim, estamos passando por uma reinvenção do antigo camisa dez, articulador e organizador das jogadas, os Sverdlov no meio campo de nossas seleções. Na história recente, Riquelme cumpriu esse papel por um tempo. Esse papel tem sido transmitido para os volantes, os quais deixam ter uma responsabilidade exclusiva de marcar, mas passam a ter papel central na articulação do início a até finalização das jogadas ofensivas.
Nas melhores seleções da Copa encontramos jogadores com essa característica, como Kross (Alemanha), De Bruyne (Belgica) e Drogba (França), contudo não encontramos ninguém fazendo esse papel na equipe dos hermanos. O futebol mudou bastante nos últimos anos, se tornou mais coletivo, o avanço na preparação física diminuiu os espaços, o que reduz as possibilidades das genialidades individuais decidirem as partidas, assim, já não basta capacidades técnicas acima da média para superar equipes bem organizadas defensivamente. Talvez isso reflita no futebol sul-americano de conjunto.
Ainda pode ser cedo para um panorama geral, mas o resultado da Argentina, e sua possível eliminação junto ao Peru, pode ser somente um sintoma. Já é o quarto confronto entre sul-americanos e europeus nesse mundial. São 2 empates, e 2 derrotas, nenhuma vitória para os dos lados de cá. A desigualdade é histórica, se expressa no reduzido grupo dos campeões mundiais, 3 sul-americanos (Uruguai, Argentina e Brasil), e 5 europeus (França, Inglaterra, Alemanha, Itália e Espanha).
As desigualdades econômicas se expressam no futebol, e como as diferenças no mundo aumentam é uma tendência a ser confirmada que as mesmas se expressem no esporte. Para tanto, não é por acaso que a Argentina em um contexto que sofre com ataques aos projetos neoliberais de Macri, que geralmente se revertam na redução de políticas públicas de esporte e lazer entre outras, tenha tanta dificuldade de montar uma seleção competitiva nesse mundial. A supressão do direito de crianças de praticar esporte e acesso ao lazer não poderia ser favorável ao futebol argentino, nem só de Messi se faz uma seleção, o qual foi formado na escola de futebol Espanhola.
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