Por: Núcleo de Estudos e Pesquisas em Questão Agrária – NERA
A briga do ovo com a pedra. Certo dia, ouvi de uma mulher guerreira, liderança quilombola, a seguinte frase “dizem que ovo não briga com pedra, mas o ovo quebrou e sujou a pedra”. Ela estava se referindo à luta entre uma comunidade quilombola e um tal fazendeiro, cujo currículo contém, entre outras manchas, a acusação de grilagem de terras e de ter sido o mandante do assassinado de liderança quilombola da Baixada maranhense.
Assim, quem esteve no lançamento da chamada Pedra Fundamental do Porto São Luís pôde presenciar mais uma briga de ovo com pedra. Não o que ocorreu no hotel Pestana, mas o que foi realizado na Comunidade Tradicional do Cajueiro.
O ovo em questão é, certamente, a comunidade do Cajueiro e aqueles que se deslocaram para lá para apoiá-la contra a construção do porto, moradores de outras comunidades da Zona Rural de São Luís, indígenas, quilombolas, camponeses, estudantes e militantes de muitas origem e filiações. A pedra é a própria empresa WPR, mas ela não estava sozinha.
Não bastasse o poderio já demonstrado, a empresa pôde contar com todo o aparato repressivo do Estado. Até agora, a indagação ficou no ar: “Para quê tudo aquilo”? Estavam presentes mais de dez viaturas da polícia militar, motocicletas e homens fortemente armados de diversos batalhões de Operações Especiais e Cavalaria. E, antes da primeira tentativa de realizar a solenidade de lançamento, por volta das 11h, chegaram, ainda, uma ambulância do SAMU e um caminhão dos bombeiros. Teria a intenção de refrescar os manifestantes com água?
Do que foi testemunhado, tudo aquilo estava ali a serviço da empresa WPR/Wtorres e da China Communications Construction Company (CCCC) para garantir a implantação do porto privado. A tentativa de implantar esse porto tem ocorrido com violência contra as pessoas, destruindo casas, babaçuais, promovendo desmatamento, impondo a destruição dos modos de vida e ameaçando de desterritorialização as comunidades, que têm, na terra e nas águas onde o porto pretende se instalar, sua principal fonte de sustento.
Reafirmando a aliança do Estado através do governador Flavio Dino com a WPR/Wtorres e a empresa chinesa, uniram esforços para acelerar o processo. Realizaram uma solenidade nesta sexta-feira, dia 16 de março, conforme está publicado no site do Governo do Estado. E assim o fizeram, passando por cima dos direitos territoriais dos moradores e da legislação ambiental vigente.
Enquanto ocorria a solenidade no hotel, os homens da cavalaria e demais policiais se posicionaram entre os manifestantes e o espaço reservado à solenidade. Nesse momento, os manifestantes entoaram canções e místicas pedindo chuva. E ela veio. As gotas de fina chuva fizeram com que os policiais se entreolhassem. Foi impagável.
Enquanto isso, continuavam os preparativos para cerimônia de lançamento da pedra “fundamental” do porto São Luís, na comunidade do Cajueiro, ou da pedra imoral, como afirmou uma moradora do território. Para recepcionar a cúpula envolvida nesse empreendimento, o trânsito estava movimentado com grande circulação de diversos carros, em maioria do porto do Itaqui e outros transportando equipamentos e pessoas para organizar um espaço confortável que garantisse a recepção da delegação dos chineses, da empresa e convidados.
Aquilo que havia sido programado para ser uma solenidade festiva esbarrou na mobilização. Pouco antes das 15h, começaram a chegar os investidores Chineses e um helicóptero sobrevoou, mas não pousou. Seria alguma autoridade que não teve a coragem de encarar um desgaste? Os investidores e autoridades chinesas não puderam usufruir do buffet que lhes havia sido preparado, o sistema de som instalado para o evento foi subutilizado, pois primeiras palavras foram sufocadas pelos gritos de “China go home” proferida pelos manifestantes, mesmo impedidos de se aproximar por uma barreira policial e segurança privada. Houve momentos de tensões com agressão a manifestante. Em menos de 15 minutos, os chineses já estavam nos seus respectivos ônibus retornando para o hotel, lembrando que alguns chineses chegaram atrasados, assim não participaram do desprestigiado lançamento da tal pedra que significa nada para o povo que resiste contra esse empreendimento.
Como foi dito por gente do território, essa tal pedra no caminho do povo não significa nada, fundamental é o território e a gente que a ele pertence, as águas, os lugares sagrados, os manguezais, o camarão, o coco babaçu, a manga, alimento que vem da terra e gera vida. Durante as falas dos manifestantes, muito foi dito o quanto é fundamental a existência do território. Inclusive aos que estão com os opressores, muito da comida que é comprada nas feiras da cidade e chega as suas mesas têm origem no lugar que estão querendo destruir.
Na luta do ovo com a pedra, o ovo estragou a festa, como um convidado indesejado, que diz o que não deve. Porém, a pedra/empresa WPR/a empresa chinesa CCCC nunca foram convidadas para vir ao território pelos seus legítimos herdeiros.
O dia 16 de março, no Cajueiro, no território da Resex Tauá Mirim, foi um dia de luta, com valentia, compromisso, resistência e rebeldia de quem não aceita ser expulso do seu território de vida. Um dia de fortalecimento de esperanças.
Avante resistindo pela existência do Cajueiro. RESEX TAUÁ-MIRIM JÁ!
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