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Colunas

Os tribunais não são imparciais

Valerio Arcary, militante do MAIS

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Por Valério Arcary, Colunista do Esquerda Online

Se você tem uma laranja e troca com outra pessoa que também tem uma laranja, cada um fica com uma laranja. Mas se você tem uma idéia e troca com outra pessoa que também tem uma idéia, cada um fica com duas.

Aquele que aprende mas não pensa está perdido.

Aquele que pensa mas não aprende está em grande perigo.

                                                                                                             Confúcio

2017 foi um ano horribilis. Aproxima-se do seu fim, e não deixará saudades. A ofensiva reacionária precipitada em 2016 pela mobilização que resultou no impeachment de Dilma Rousseff não foi detida. Mas isso não impede que tenha deixado algumas lições. Uma delas é que para avançar na resistência é preciso lutar pela frente única das organizações dos trabalhadores. A construção da frente única não deve silenciar as diferenças na esquerda, mas potencializar a ação comum.  

O direito de Lula ser candidato é um direito democrático elementar irrefutável. Os tribunais não são imparciais. “Ver o que é injusto e não agir com justiça é a maior das covardias humanas”, é um pensamento atribuído a Confúcio, portanto, sabedoria milenar. A condenação provável de Lula não será um exercício de justiça neutra. Será um julgamento político que criminaliza a direção do PT.

Defender os direitos democráticos de Lula não é o mesmo que apoiar a candidatura de Lula: trata-se de defender o direito de Lula poder ser candidato. Esta luta deve, portanto, ser assumida em frente única pela esquerda, pelos sindicatos e movimentos populares. Sendo uma luta democrática exige até mesmo a unidade de ação com setores sociais mais amplos que o campo de classe dos trabalhadores e seus aliados.

Antonio Palocci é o Judas da direção do PT. Ensina a sabedoria popular que a faca enfiada pelas costas é aquela que tem mais chances de atingir o coração. A manchete da Veja desta semana contra Lula e o PT, e a decisão do 4ºTRF de Porto Alegre, às vésperas do Natal, de marcar o julgamento de segunda instância para 24 de janeiro, são gatilhos para impedir que Lula possa ser candidato.

Análises deste processo não podem ser exercícios de desejo. Na esquerda radical há muitos milhares de honestos militantes que acumularam uma compreensível desconfiança, repulsa e até mesmo desprezo pelos líderes do PT e Lula. Acontece que, a rigor, é preciso ter a lucidez de concluir que, nesta conjuntura, qualquer um de nós poderá ser vítima de uma farsa jurídica semelhante que atinge Lula, e a qualquer momento. Nossos anseios, nossas vontades não têm a menor importância quando se trata de analisar a conjuntura. Deixar que elas nos dificultem de ver a realidade é infértil, improdutivo, é puro auto-engano.Todos nós temos preferências, temos as nossas afinidades e, também, as nossas aversões. A luta política é sempre, em última análise, uma luta pelo poder. Mas a luta tem diferentes dimensões. Há lugar para paixão e para o entusiasmo, mas não na hora da análise.

A análise deve ser fria e rigorosa estudando a realidade que nos cerca a partir das informações disponíveis. Se for contaminada pelos nossos desejos, as distorções são inevitáveis. 

Considero Antonio Palocci um crápula que está alguns degraus abaixo dos répteis na hierarquia da cadeia alimentar. Mas não tenho a opinião que Lula ou a direção do PT sejam inocentes. Ao contrário, tenho certeza que são culpados. Na verdade, são culpados de crimes políticos muito mais graves do que aqueles que estão sendo acusados pelos procuradores de Curitiba.

As acusações sobre o triplex do Guarujá ou sobre o sítio de Atibaia podem servir para inflamar a consciência de reacionários, mas estão longe de ser o mais importante. São ridículas, insustentáveis, e não foram provadas. Por isso, este julgamento é diferente do julgamento de Sergio Cabral, Eduardo Cunha, ou tantos outros na Lava Jato. Não compreender esta diferença fundamental e, portanto, acreditar que a Lava Jato seria uma operação policial honesta, idônea, virtuosa revela somente ingenuidade política. O que está em disputa não é o julgamento da inocência de Lula. O que se decidirá em Porto Alegre é o destino político de Lula. A classe dominante quer  se desembaraçar de Lula em um tribunal, porque teme o resultado das eleições. O pacto social informal liderado pelos governos do PT ficou muito caro, e é incompatível com o ajuste fiscal. Para atrair investimento estrangeiro, e recuperar taxas de crescimento mais elevadas, os custos produtivos no Brasil precisam ser reduzidos. A carga fiscal precisa cair, em proporção do PIB, para menos de 25%.

O mais importante balanço para a esquerda radical é que a direção do PT, Dilma e, sobretudo, Lula, ao se transformarem em gestores do Estado, portanto, agentes indiretos dos interesses do capital e, por isso, financiados pelas grandes empresas, pelo menos desde 1994, geraram uma imensa desconfiança nas gerações mais novas. A ideia socialista mais simples é a defesa que os trabalhadores podem e devem governar. Ela foi diminuída, até desqualificada pelos governos do PT. Mancharam uma bandeira que não deveria nunca ter estado em suas mãos. O PT não tem, portanto, o direito de reivindicar que Lula deva ser o candidato que unifica a esquerda e, menos ainda. denunciar as outras candidaturas, em especial a do PSOL, como divisionistas. 

Mas isso não deve nos impedir de estar ao lado da defesa dos direitos democráticos de Lula. Aqueles na esquerda radical que não compreenderem a gravidade do que está em disputa demonstram uma miopia política imperdoável, talvez, incorrigível.

Sempre existirão pressões oportunistas e sectárias na esquerda. As oportunistas nascem da pressão que vem da influência que Lula ainda mantém em setores muito importantes da classe trabalhadora que não completaram a experiência, mesmo depois de mais de uma década de governos do PT. As sectárias nascem da impaciência dos setores mais combativos de vanguarda que estão irritados com a lentidão histórica do fim do lulismo. 

2017 se aproxima do seu fim, e não deixará saudades.