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Por que recordamos 1917?

Editorial de 7 de Fevereiro do Socialist Worker. Imprensa da Internacional Socialist Organization(ISO)

Tradução: Caio Dias Garrido

A promessa da Revolução Russa – o exemplo de uma democracia de massas em funcionamento, alcançando cada canto da sociedade – mostra, 100 anos depois, a sua relevância.

Cem anos atrás o mundo virou de cabeça pra baixo quando um governo de trabalhadores chegou ao poder na Rússia.

Oito meses antes o Czar, então governante do país, fora derrubado em uma erupção de greves e protestos de rua, que precisaram de apenas cinco dias para por abaixo uma tirania cruel e aparentemente todo poderosa. Só este fato já teria inserido a Rússia de 1917 nos livros de história.

Mas as mobilizações de massa que encerraram o reinado Czarista não pararam aí. O governo provisório que tomou posse logo em seguida fracassou em satisfazer as demandas urgentes dos trabalhadores, camponeses, soldados e marinheiros que o pressionavam, revoltosos, para, acima de tudo, por um fim à carnificina da Primeira Guerra Mundial.

No dia 07 de novembro – 25 de outubro segundo o antigo calendário Juliano, que era usado na Rússia  – aquelas massas fizeram algo que nunca havia acontecido antes, ainda mais de uma forma que se sustentasse: elas derrubaram o governo encarregado de defender o sistema de propriedade privada e manter a guerra, substituindo-o por um Estado revolucionário, de tipo “Comuna”, como Lenin o denominou, e que se ergueu em favor da paz para os soldados e marinheiros, de terra para o campesinato e pão para a classe trabalhadora.

Mesmo 100 anos depois o exemplo permanece grandioso. A revolução russa sofreu, desde o início, uma inacabável campanha difamatória com o intuito de desacreditá-la – isso sem contar a campanha física, de guerra civil e invasões, que em ultima instância, se não imediatamente, sufocou o Estado operário.

Por tudo isso é impossível esquecer 1917. Muitas milhões de pessoas se inspiraram por sua característica essencial – ter sido um exercício incrível de democracia de massas. Todas as testemunhas honestas da revolução, mesmo as críticas, reconhecem este fato de 1917.

A democracia fora tomada em uma forma nova e única, que permitiu eleger representantes de forma livre nas fábricas, trincheiras e fazendas ao redor de todo o país, tomando assim as decisões coletivamente. Os representantes ou delegados se reuniam no local de trabalho ou algum outro lugar, depois regionalmente, e então em conselhos nacionais, ou “sovietes”, palavra para “conselho” em russo.

Os sovietes não vieram à tona através do chamado de um partido, mas como o produto das lutas que se deram na revolução derrotada de doze anos antes. Eles reapareceram imediatamente após a queda do Czar, similarmente a outros organismos políticos que nasceram de outras revoluções em outros países e circunstâncias.

A derrocada do governo provisório e o estabelecimento dos sovietes como poder governamental russo entrou para a história como “Revolução de Outubro”, devido à sua data no calendário Juliano, ou como “Revolução Bolchevique”, dado o papel dirigente do partido de revolucionários socialistas que levava este nome.

Ainda que estes nomes sejam parte da história, é mais necessário lembrar o “07 de novembro” como a “Revolução dos Sovietes” – o triunfo da maior expressão já vista de uma revolução profundamente democrática em sua base.

Uma das formas pela qual as revoluções são erroneamente lembradas é ter sua história associada apenas ao ato final. A Revolução de Fevereiro é resumida às batalhas nas ruas durante aqueles cinco dias que convergiram na queda do Czar, e a “Revolução de Outubro” é limitada à insurreição que subjugou as forças da velha ordem e estabeleceu os sovietes como poder incontestável na Rússia.

Mas estes são os momentos de clímax das revoluções – o ponto culminante de um longo período de lutas, no qual os governantes tiveram de encarar uma crise crescente ao mesmo tempo em que as massas de trabalhadores ganhavam confiança em si mesmas.

No início do processo os objetivos podiam ser modestos, limitados a poucas reformas no funcionamento do sistema – e o progresso parecia se dar em pequenos passos, isso quando parecia ocorrer.

Mas abaixo da superfície, pessoas que não tiveram seus nomes lembrados nos livros de história foram se tornando mais e mais envolvidas, radicalizaram-se – e o continuo dos eventos foi lhes dando um senso, cada vez mais apurado, daquilo pelo que lutavam. O ato de por abaixo um tirano e tomar para si o poder político foi o passo final de uma revolução que se vivia nos locais de trabalho, nas comunidades, cidades e vilarejos, por toda a sociedade.

Ainda que parecessem revoltas espontâneas, como o levante de fevereiro, elas foram preparadas durante meses, anos, pelas incontáveis injustiças e conflitos vividos e que se tornavam motivo pelo qual lutar, e, crucialmente, entre os enfrentamentos, quando algumas pessoas tomavam para si a tarefa de entender as lutas do passado, analisar o presente e se preparar para o futuro.

A Revolução Russa não teria sido possível sem as centenas de milhares de revolucionários concentrados no Partido Bolchevique e nas alas à esquerda do Partido Menchevique, do Socialista Revolucionário e nos partidos anarquistas.  

Os Bolcheviques não convocaram os levantes que puseram abaixo o Czar em fevereiro, mas quando estes ocorreram, provocados pela greve de mulheres da indústria têxtil no Dia Internacional das Mulheres, eles estavam preparados, dados os anos de estudos e lutas para conduzir as táticas, estratégias e análises políticas que visavam o poder das massas de trabalhadores e à democracia.

Os Bolcheviques conduziram o chamado pela insurreição de outubro, para que esta pusesse fim ao governo provisório, mas não antes deste partido, e seus aliados, esgrimirem inúmeros argumentos contrários e convencerem as massas de trabalhadores do ponto de vista revolucionário. Lenin e os Bolcheviques jugaram ter conquistado concretamente a liderança do processo no momento em que seu partido deixou de ser a pequena minoria nos sovietes do inicio do ano e tornaram-se maioria inquestionável em outubro.

O jornalista americano Alberti Rhys Williams, que testemunhou a revolução, apreendeu perfeitamente a dada relação: “Os revolucionários não fizeram a revolução. Eles fizeram da revolução um sucesso”.

Nesta observação se encontra uma profunda lição sobre os limites do que é possível ser feito por organizadores radicais enquanto estes e suas ideias são ainda minoritárias. É também a confirmação de quanto é importante que indivíduos dediquem suas vidas na construção da revolução social antes que os seus objetivos pareçam possíveis para a maioria das pessoas.

Se ainda é preciso apresentar alguma evidência mais profunda da importância da Revolução Russa, consideremos suas conquistas. Não no que tocam os poucos anos que ela viveu antes de sucumbir à contrarrevolução conduzida por Joseph Stalin, mas apenas nos primeiros dias que seguiram a tomada do poder.

O congresso nacional dos sovietes, atuando como o mais alto poder governamental da Rússia, despachou delegados para que negociasses os termos da saída russa da Primeira Guerra Mundial. Ele repudiou as alianças do regime czarista com os poderes imperialistas assim os poderes sobre as nações oprimidas.

O Estado operário adotou um impressionante programa de reforma agrária, nacionalizou os bancos e votou pelo controle operário da produção através da eleição de comitês de fábricas. As velhas forças policiais foram abolidas, permitindo o florescimento da democracia popular.

Anos e décadas antes que fosse possível no ocidente, mulheres tiveram seu direito ao voto, obtiveram a legalização do aborto, e o direito de se divorciarem de seus maridos, tendo também acesso à assistência no cuidado às crianças. Leis que faziam a homossexualidade ilegal foram derrubadas.

Não apenas isso, mas também o Estado operário sustentou iniciativas que foram desde organizar cozinhas coletivas à educação sistemática em uma sociedade majoritariamente analfabeta. Isto tudo foi necessário para tornar realidade na vida das pessoas os avanços decretados.

Isto é o que se torna possível quando a classe trabalhadora tem o poder – não apenas o poder de protestar e resistir, mas o poder de reconstruir o mundo enquanto governam coletivamente a sociedade.

Nós realmente precisamos deste poder hoje se quisermos salvar o planeta; para usarmos os vastos recursos da economia moderna para que se garanta educação, sistema de saúde e mais, para acabar com o racismo, machismo e todas as formas de opressão, para reparar as centenas de anos de guerras imperialistas e ocupações.

A história nos ensina que os trabalhadores e povos oprimidos podem conquistar reformas que tornam as condições circunstanciais melhores no “aqui e agora”. Estas lutas são indispensáveis para a atuação diária dos socialistas, já que defendemos cada expansão da democracia e as vitórias por justiça, mas também porque estas batalhas preparam os trabalhadores para que lutem por mais.

Mas a história também nos ensina que as reformas são insuficientes. Não importa o quão imensa seja a luta, se o poder das classes dirigentes permanecer intacto então ele não mudará de mãos e elas manterão o poder para acumular e controlar mais riquezas, inclusive tomando de volta aquilo que conquistamos com as reformas. Sem esse poder não será possível reconstruir o mundo.

Este é outro motivo para rememorar 1917, ter a melhor visão de como um tipo diferente de sociedade deve ser organizado.

Mas a revolução não seria um sonho infantil? Uma curiosidade histórica inimaginável no mundo moderno? Certamente isso nos é dito recorrentemente, e não apenas pelas classes governantes e suas instituições.

Certamente não vivemos em tempos de revolução – não vemos na história recente ocorrerem lutas que ponham na agenda a revolução. As condições que impulsionaram a Revolução Russa – os assassinatos em massa da Grande Guerra e penúria econômica – não são as condições que encaramos hoje.

Ainda assim, com as tensões imperialistas aumentando, particularmente na Ásia, estamos mais próximos de uma guerra mundial do que a mídia nos faz crer. A arrogância e ganância da classe dominante se mantêm intacta – na medida em que os desmesurados twittes do “homem mais poderoso do mundo” compartilham o mesmo espírito despreocupado e inumano que tinham as notas do diário do Czar que ficaram famosas aos terem sido citadas na História da Revolução Russa de Leon Trotsky.

A classe dominante de 2017 é extremamente capaz de cometer atrocidades hoje – e com a “vantagem” de um século de desenvolvimento tecnológico e intelectual estes crimes são ainda mais mortais e perigosos, a ponto de o futuro do planeta estar agora em jogo.

Diante deste mundo, os trabalhadores e movimentos sociais não têm mostrado possuir a confiança necessária para ir além de greves e protestos, muito menos tomar as fábricas e escritórios em mãos e se erguer contra a burguesia.

Mas não nos esqueçamos, a confiança apreendida nas lutas, nasce de enfrentamentos modestos, que aparentemente não mudam o mundo, mas que ao fim contribuem para uma transformação superior. E quando o processo de aprendizado se desenvolve ele toma velocidade.

Esta é uma das mais duradouras lições de 1917 – como o ano revolucionário tocou e mudou um povo que nunca houvera se imaginado capaz de tais façanhas.

Na História da Revolução, Trotsky cita um antigo general czarista de quem as palavras iluminam o persistente ódio deste aspecto da revolução:

Quem iria acreditar que o zelador ou o vigia do prédio da corte se tornaria repentinamente o Chefe de Justiça do Tribunal de Apelação? Ou que o funcionário do hospital se tornaria seu gerente; o barbeiro um alto funcionário; o cabo um comandante em chefe; o lacaio ou o trabalhador comum de outrora se tornariam prefeitos; o mecânico de trem seria chefe de repartição ou superintendente de uma estação; que o chaveiro seria diretor de fábrica?

Realmente, quem imaginaria? Esta é a promessa da Revolução Russa e a tragédia de isso tudo não ter sobrevivido para ser um exemplo real nos dias de hoje.

Então sua promessa ainda está para ser realizada – e um pequeno passo nessa direção é uma nova geração de socialistas poder descobrir e compreender a história da Revolução Russa, de forma que suas lições possam ser utilizadas na conquista de uma sociedade socialista.