Editorial 2 de novembro
O ano de 2017 não está sendo fácil para as trabalhadoras e os trabalhadores. A quantidade de ataques é tamanha, e tão notória, que beira a redundância enumerá-los outra vez. Ao avaliar a situação política nacional, erram aqueles que superestimam as dificuldades e também os que exageram as possibilidades. O correto, hoje e sempre, é compreender friamente onde e como estamos, valorizando nossas resistências e nossos triunfos, mas tendo consciência dos obstáculos e limites, para, assim, entendermos qual é o nosso próximo passo a ser dado.
Nesta semana, entre segunda (30) e terça-feira (31), aconteceram fatos que nos permitem tanto avaliar a gravidade da conjuntura, como observar que há sim resistência, e ela deve e pode ser valorizada. Ambos os casos envolveram a Ocupação Povo Sem Medo de São Bernardo. Tal ocupação, como tratamos no editorial do dia 23 de outubro, tornou-se o principal palco da luta de classes no Brasil. Nela, reside a esperança e a certeza de que a saída para a crise que o país enfrenta se encontra na luta coletiva contra os ricos e poderosos. Por isso, é tão atacada pela burguesia e pelos setores reacionários, e também por isso é tão celebrada pelos milhares de ativistas do Oiapoque ao Chuí. Não se trata mais de um assunto restrito aos ativistas de esquerda e setores da direita, agora assumem setores mais amplos da sociedade.
Na segunda-feira estava agendada uma visita de algumas artistas “globais”, assim como uma atividade cultural na qual estavam confirmados Caetano Veloso, Criolo e Emicida. Era um dia de intensa solidariedade na Ocupação Povo Sem Medo. Ainda no começo da tarde, o prefeito Orlando Morando (PSDB), num ato de autoritarismo primitivo, proibiu a entrada dos equipamentos de som da equipe do Caetano Veloso. Mais tarde, a juíza Ida Inês Del Cid, da 2ª Vara da Fazenda Pública de São Bernardo do Campo, deferiu um pedido do Ministério Público para a impedir a realização do evento. Com o inusitado argumento de que o “brilhantismo (de Caetano Veloso) atrairá muitas pessoas para o local”, foi estipulada também uma multa de R$ 500 mil caso ele cantasse. Muito embora o “show” não tenha ocorrido, o ato de solidariedade foi marcado por manifestações de todos os artistas censurados. No final, em entrevista, Caetano Veloso lembrou que essa foi a primeira vez em que o proibiram de cantar no pós-ditadura. Neste dia, pudemos constatar a gravidade da conjuntura, fora todos os ataques aos nossos direitos, a direita move todos seus tentáculos, inclusive o poder judiciário, para tentar calar as vozes de solidariedade.
Todavia, há o outro lado da moeda. No dia seguinte, terça-feira, o MTST organizou uma grande marcha das ocupações rumo ao Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo. A maior marcha era a da ocupação de São Bernardo, que contou com 10 mil manifestantes, e somando as duas marchas, que se encontraram na ponte do Morumbi, 20 mil ativistas foram até as portas do Palácio do Governo exigir seus direitos. Essa terça não foi um simples dia de luta: para se ter uma ideia, os 10 mil de São Bernardo marcharam quase 30 quilômetros, sem em nenhum momento perderem o entusiasmo e a disposição. A marcha do ABC, que cruzou a grande São Paulo numa disciplina e organização memorável, despertou a solidariedade de inúmeros trabalhadores que a encontravam no caminho, e encheu de esperança incontáveis ativistas país afora. Foi uma marcha poderosa: uma maré vermelha. Um dia que, com certeza, fortalecerá a difícil luta que enfrentamos em cada local de trabalho, em cada bairro e em cada escola, ou universidade, contra os inúmeros ataques que sofremos.
Além disso, esta marcha, também tem um viés didático para a esquerda. Ela se contrapõe a dois vícios presentes no nosso cotidiano.
O primeiro vício é o das negociatas com nossos inimigos. Esse vício encontra sua forma perfeita na direção petista, exemplificada na figura do Lula. As recentes viagens do ex-presidente, assim como suas declarações e “companhias de palanque” já deixam clara a estratégia petista, conciliação com os golpistas. Não à toa, Lula disse em Minas Gerais que estava “perdoando os golpistas do país”. Em Alagoas, dividiu o palanque com Renan Calheiros (PMDB). A estratégia aqui é nítida, retomar a hegemonia via conciliação entre “os de cima” e “os de baixo”. O problema é que o golpe deixou evidente a inviabilidade desta política no presente momento político. É em ações como a marcha de terça que devemos apostar nossas fichas, e não em negociatas com os partidos dos ricos e poderosos.
O segundo vício está na crença de que nossas vitórias serão fruto de processos espontâneos. A marcha organizada pelo MTST contou com um esforço gigantesco de seus militantes. Certamente, foram noites sem dormir, muito stress, muito suor. Não foi um evento no Facebook que garantiu sua existência. Foi a abnegação e o trabalho intenso de mulheres e homens. Processos espontâneos, como o de 2013, acontecem. A esquerda radical deve sempre buscar autoridade para angariar as pautas e não perder nem um centímetro para a extrema direita, ou para oportunistas. Mas, as conquistas que precisamos devem ser fruto de uma ação consciente, materializada em trabalho, abnegação e esforço coletivo.
Foto: Carol Colto | Esquerda Online
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