Pular para o conteúdo
OPRESSÕES

Precisamos falar sobre gênero e sexualidade: a polêmica envolvendo Femmenino e UFJF

Por Ana Emília Carvalho, Lorene Figueiredo e Mariana de Almeida, militantes do MAIS- Juiz de Fora

No ultimo dia 11 de outubro, a página da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) publicou um video do projeto “Na Hora do Lanche”, protagonizado pela Drag Queen Femmenino, cuja performance é feita pelo estudante Nino de Barros.

https://www.facebook.com/UFJFoficial/videos/1691393580891989/

No vídeo, que foi gravado no colégio de Aplicação João XXIII, ligado à UFJF, Femmenino conversa com os(as) alunos(as) da educação infantil sobre as expectativas para o dia das crianças, levantando assuntos como os presentes desejados, os lanches levados para a escola, entre outros.

É perceptível, nas filmagens, a empolgação das crianças com a presença da personagem, que foi inclusive confundida, carinhosamente, com o cantor Pabllo Vittar. Em um determinado momento da reportagem, Femmenino conversa com elas a respeito da importância de se refletir sobre o binarismo de gênero imposto na “escolha” dos brinquedos, ou seja, pontuando que não deve existir a noção de brinquedos para meninas e para meninos. Embora as próprias crianças tenham compreendido a fala da Drag, considerando o binarismo enquanto uma forma de preconceito na nossa sociedade, essa situação acabou gerando uma grande polêmica nas redes sociais, com o performista sofrendo ataques pessoais e políticos, inclusive em seus perfis no facebook. Além disso, um dos conselheiros tutelares da cidade de Juiz de Fora moveu uma ação, protocolada no Ministério Público Federal, nessa segunda-feira (16), sob a argumentação de que o vídeo da Instituição fere o Plano Municipal de Educação e promove uma suposta “Ideologia de Gênero”. A repercussão foi tão grande que alcançou páginas de figuras e movimentos conhecidos por defender pensamentos conservadores e discursos de ódio, como o Bolsonaro e o projeto da Escola Sem Partido.

Qual a questão por detrás da polêmica?

Aqueles que atacam a iniciativa da UFJF e do performista Nino de Barros se baseiam no argumento de que nós, LGBTs e/ou militantes de esquerda, estaríamos defendendo uma suposta “ideologia de gênero”, com o intuito de “doutrinar” as crianças e forçá-las a se tornarem gays, lésbicas, trans, bissexuais, entre outras formas de se identificar e se expressar a sexualidade.

Essa acusação só demonstra a falta de compreensão a respeito do debate de gênero e sexualidade, estando acompanhada de projetos fundamentalistas religiosos e conservadores, que negam as diferentes formas de amar existentes e contribuem para a perseguição e marginalização daqueles que fogem aos padrões ditos “normais”. As pessoas são como são e assim devem ser respeitadas.

Por isso que a Drag Queen aponta, na reportagem, a importância de se questionar tais padrões estabelecidos e propagados pelos costumes e valores construídos em nossa sociedade. Quando fazemos críticas ao modelo de “família tradicional brasileira” instituída, queremos levantar a reflexão sobre o seu papel cumprido para a manutenção dessa realidade que, além de oprimir e massacrar a população LGBT, contribui para o fortalecimento do machismo e da lógica de dominação sobre a mulher.

Dessa forma, quando nos posicionamos contra ESSE tipo de família específico, estamos falando em romper com esse modelo que joga para cima das mulheres toda a responsabilidade no cuidado com os filhos; que gera uma relação de submissão, na qual, mulheres muitas vezes tem que se sujeitar a violências verbais, físicas e psicológicas. Estamos falando desse modelo que ignora e deslegitima a existência de diversos outros formatos de família e de relações humanas.

Não são raros, infelizmente, os casos em que as mães tem que se desdobrar para criarem sozinhas os filhos, enquanto os pais – educados desde criança para não se responsabilizarem em relação aos filhos – as abandonam ainda grávidas, pois nossa sociedade legitima esse comportamento masculino.

E não podemos deixar de considerar que o núcleo familiar muitas vezes é um dos principais locais em que jovens LGBT’s são vítimas de violência e abuso pelo simples fato de se assumirem.

A família, para a maioria das mulheres e LGBT’s nunca foi sinônimo de estabilidade e segurança. Por isso, se faz tão necessário combater essa reprodução das relações opressoras no âmbito familiar, constituindo novas formas que permitam um convívio realmente saudável e afetivo entre os seus membros.

Nos acusam, portanto, de querermos “doutrinar” as crianças. Mas, na verdade, desejamos educá-las para que elas não naturalizem esses comportamentos e violências. Queremos que meninos e meninas possam brincar de carrinho, boneca, cozinha, futebol e o que mais quiserem, sem distinção! Assim, desejamos que as brincadeiras infantis não sejam uma forma de incutir nelas papeis que coloquem, para homens, o direito à conquista do mundo; para mulheres, a reclusão no ambiente doméstico. Queremos um modo de socialização e educação em que, independente do gênero, as crianças possam crescer desenvolvendo todas as suas capacidades e potencialidades humanas. Uma nova forma de sociedade em que as crianças possam crescer respeitando a diversidade de gênero e sexualidade e possam romper com o ciclo de opressão que transforma o Brasil no país que mais mata LGBT’s e o coloca na quinta posição dos que mais violentam as mulheres.

Assim, não queremos proibir que meninas brinquem de casinha ou que meninos brinquem de futebol; mas que, se o fizerem, façam porque gostam e não por essa ser considerada a única possibilidade de brincar e se relacionar. Quem defende essa forma binária e conservadora de desenvolvimento e educação infantil, visando a manutenção do modelo de sociedade excludente atual, é quem, de fato, defende uma perspectiva de “ideologia de gênero”, que fortalece todas as formas de violência das quais os(as) LGBTs, mulheres e negros(as) são as principais vítimas.

Nos solidarizamos com Femmenino e nos somamos à luta contra as opressões. Romper com essa ideologia dominante exige a necessidade de avançarmos em diferentes caminhos. Incluir, desde já, o debate sobre as diversidades e liberdades de expressões no âmbito da escola, assim como em outros espaços de formação, torna-se extremamente necessário, podendo contribuir na luta cotidiana pelo processo de emancipação da população oprimida e de transformação social.