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BRASIL

Obdulio Varela: El Negro Jefe

Por: Diogo Xavier, de Recife, PE

A Copa do Mundo de 1950 tem uma muitos personagens emblemáticos, desde Barbosa, o Goleiro que carregou toda a culpa da derrota brasileira, a Ghiggia, o atacante uruguaio que fez o gol do título Celeste. E entre estes personagens está o que ergueu a taça, um capitão dentro e fora de campo.

Obdulio, apesar de semianalfabeto, tinha uma consciência de igualdade muito grande, teve uma infância pobre, foi flanelinha, pedreiro e veio começar no futebol num clube modestíssimo, o Juventud, depois passou pelo Montevideu Wanderes, chegando a ser convocado para a seleção Uruguaia. De lá, foi para o Peñarol, clube no qual jogou por 12 anos, conquistando seis campeonatos nacionais e se transformando num dos maiores ídolos do Carbonero.

Carregava ainda todo o preconceito por ser negro. O esporte que hoje em dia é o mais popular do mundo nasceu pelas elites inglesas, trazendo todo o racismo que impedia jogadores negros de participar das equipes. Varela ganhou o Apelido de “Negro” ainda no começo da carreira e teve que lidar com o racismo durante todos os momentos. No entanto, nunca se curvou e foi vanguarda na luta pelos direitos, chegando a se recusar a usar a patrocínio na camisa por afirmar ser uma nova forma de escravidão.  “Antes, nós, os negros, éramos puxados por argolas no nariz. Esse tempo já passou”, disse.

Líder sindical
A sua liderança extrapolava as quatro linhas. Em 1948, liderou a maior greve de jogadores de futebol da história do futebol. No final dos anos 40, a condição para os jogadores de futebol era muito ruim, o profissionalismo só havia chegado nos anos 30 e pouco evoluiu desde então. Além disso, a lei do passe tornava o jogador refém dos clubes. Com isso, a possibilidade de exigir melhorias era quase nula.

Nesse conflito de interesses, os jogadores fundaram um sindicato que de início não foi reconhecido pela Federação Local. A greve durou sete meses e se expandiu para a Argentina, fazendo com que os dois campeonatos nacionais fossem paralisados. Os esportistas venceram a batalha. A federação aceitou os pedidos dos atletas e reconheceu o sindicato. Esta vitória fez com que no Uruguai e na Argentina a profissão de jogador tenha medidas como salário mínimo e punição aos clubes por atraso de salário, além de um sindicato que segue atuante até os dias de hoje.

Copa de 1950
A Copa no Brasil foi a maior glória da Celeste. Uma seleção que vinha de diversas disputas internas e não era favorita ao título foi passando pelos adversários, até chegar no grande jogo contra o time da casa e favorito Brasil. Por ser não uma final, mas o último jogo de um triangular, a escrete Canarinha jogava pelo empate, mas no fim a história é conhecida com o chute certeiro de Ghiggia, rompendo a meta de Barbosa e dando números finais em favor dos Uruguaios.

Uma peça fundamental daquela partida para a Celeste foi Obdulio. O capitão sabia de todo entorno daquele jogo. Era uma grande festa para saudar o Brasil campeão, mais de duzentas mil pessoas estavam presentes no recém construído Maracanã e todo o palco estava montado para a primeira conquista mundial brasileira. Foi em passar calma aos seus companheiros e mostrar que era possível vencer o jogo que El Jefe Negro se destacou mostrando sua liderança. Quando o placar estava desfavorável ele acalmou os ânimos e pôs a celeste a jogar até que a virada se concretizasse.

Como disse Nelson Rodrigues, “Varela não atava as chuteiras com cordões, mas com as veias.” Ao final do jogo, o capitão Uruguaio não foi comemorar, pôs-se a andar pelas ruas melancólicas do Rio de Janeiro, era uma multidão desconsolada e ele sabia que tinha sido um dos responsáveis por aquela tristeza, chegou a dizer que se soubesse que traria tanta tristeza preferia ter perdido o torneio. A verdade é que em festa estava o seu povo, ao chegar no lado Oriental do Rio da Prata foi saudado por uma multidão que comemorava o bicampeonato mundial do País.

Legado
A figura de Obdulio Varela deve ser sempre lembrada. Em tempos em que o futebol se torna um espaço tão despolitizado e reprodutor de desigualdades, a memória de um líder dentro e fora de campo deve servir de exemplo. A realidade da maioria dos atletas no continente sul-americano está longe de ser o ideal, por isso é necessário que se conquistem mais direitos e condições dignas para a prática esportiva. A lembrança do sindicalista que entrou em campo para defender e representar seu povo segue viva.

Eduardo Galeano em Futebol ao Sol e à Sombra:
“Nunca consegui lembrar das muitas coisas que prometi, e é por isso que nunca poderia mantê-las. Além disso, a vitória do Uruguai sobre a maior multidão jamais reunida em um jogo de futebol certamente foi um milagre, mas o milagre já foi o trabalho de um mortal de carne e osso chamado Obdulio Varela. Obdulio arrependeu a festa, quando a avalanche veio até nós, e depois ele jogou toda a imagem em seu ombro e com pura coragem tinha empurrado contra o vento e maré.

No final desse dia, os jornalistas assediaram o herói. E ele não bateu em seu peito proclamando que somos os melhores e não há ninguém que possa com a garra Charrúa:

‘Foi uma coincidência’, murmurou Obdulio, balançando a cabeça. E quando eles queriam fotografá-lo, ele virou as costas”.